Artigo: Marco Maciel, marco humano de Pernambuco e do Brasil. Por João Augusto Bandeira de Melo

23/06/2021 07:57


Artigo: Marco Maciel, marco humano de Pernambuco e do Brasil. Por João Augusto Bandeira de Melo

Artigo: Marco Maciel, marco humano de Pernambuco e do Brasil.

João Augusto Bandeira de Mello

Para o dicionário, marco pode significar: a) traço ou sinal de demarcação; b) aquilo que registra uma época ou uma data; c) um ponto de referência; d) uma fronteira ou, limite. Certo, mas acho que essa precisão vocabular diz pouco. Apesar do didatismo da explicação, prefiro para marco, uma definição menos geográfica e mais simples; e por ser mais simples, mais profunda, humanística e filosófica. Marco, para mim, é aquilo que marca, é representado por algo que se insere na realidade presente e transforma. É algo sim que demarca, mas não é estático; ele nos acompanha. Vai conosco caminhando para a eternidade a partir do momento que nos marcou.

Marco Antônio de Oliveira Maciel. Marco de Pernambuco, era assim que ele era regularmente chamado. Senador três vezes, Governador de incontáveis serviços prestados. Marco do Brasil, pois ficou na história ao ter exercido as três funções políticas mais relevantes de nosso país e sempre deixando sua marca: Presidente da Câmara dos Deputados; Vice-Presidente da República também duas vezes; e Presidente da República, em múltiplas interinidades, no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, para mim, Dr. Marco, ou melhor, meu querido padrinho Marco Maciel, que partiu para os braços do Pai Celestial dia 12 de junho de 2021.

Querido leitor, querida leitora, vivemos tempos difíceis. As perdas se sucedem. Não tem dia que não tenhamos uma dura notícia de sofrimento, enfermidade ou partida; e por mais que a fé nos console e que a tentativa de normalidade se imponha; a dor, em maior ou menor medida, nos traz um sentimento de desacerto, de desassossego, de intranquilidade, que só a busca pelo humano no caminho da espiritualidade, parece nos acalmar.

Por isso, e talvez pelo fato de eu ter tido o privilégio de conhecer suas qualidades de perto (e eventuais privilégios têm que ser repartidos – uma marca de Dr. Marco), é que peço vênia para  encaminhar esta homenagem a Marco Maciel, saindo por completo da oficialidade; procurando fugir dos protocolos e dos números (que saiba,  são impressionantemente expressivos); dos títulos e das excelências (ele teve todos e todas); e buscando trilhar o caminho da humanidade, do humano, de tentar captar a essência do ser humano, que, na dicção do ex-Governador e ex-Ministro Gustavo Krause, foi o homem menos imperfeito que ele conheceu, e cujo exemplo tem tanto ainda a ensinar.

Dr. Marco era um homem do trabalho. Trabalhava incansavelmente dezoito, vinte horas por dia. Dormia pouco (mas muito bem), comia pouco (no limiar do necessário), trabalhava nos demais momentos. Lembro que Papai (Bandeirinha, seu irmão de alma) contava diversos episódios em que esta afeição ao trabalho transparecia. Separei dois para compartilhar neste texto.

O primeiro foi o caso de uma ligação atendida pela telefonista do Palácio do Governo de Pernambuco, quando papai, que era Secretário de Estado, precisou falar com ele depois de meia-noite, e daí perguntou:

- Ele está dormindo?  Se estiver, não precisa acordar, é apenas uma resposta do que ele me pediu.

E a moça respondeu:

- Doutor, vou passar a ligação! Fique tranquilo, o homem não dorme!

Ou quando, pediram a ele uma audiência quando Ministro, e a secretária educadamente deu um retorno ao solicitante, ao final da tarde, perguntando:

- Dr. Marco está perguntando se duas e meia está bom para o Senhor.

 - Duas e meia da tarde? Vou viajar meio-dia...

- Não, senhor, daqui a algumas horas, duas e meia da manhã...

Trabalho, trabalho, trabalho. Muitos trabalham muito, laboram horas perseguindo ambições pessoais, louros, sucesso e dinheiro. Poucos trabalham com este mesmo afinco para o outro. Muitos no trabalho, muitos menos no serviço altruístico. E Dr. Marco era um servidor. Independentemente do mais alto escalão que ocupasse, Marco Maciel era um servidor público integralmente voltado à causa do outro. Seja este outro, o brasileiro, no deslinde de todas as grandes questões políticas do seu tempo; seja este outro, o parlamentar ou o Prefeito que precisa de apoio para sua coletividade local (uma estrada, uma adutora – “louvado seja o homem que dá agua para o Sertão”, como diria Luiz Gonzaga, em música para o Projeto Asa Branca); seja o outro simplesmente a mais humilde mãe, na mais triste vulnerabilidade social, que buscava junto a ele, uma palavra, uma orientação, um caminho...

E atendia a todos, nem que fosse madrugada adentro, sem impaciência, sem olhar para o relógio, pois sabia que seu eventual cansaço, nada seria ante a importância da necessidade do outro, este outro que passava a ter a maior importância naquele momento, pelo simples fato de estar ali...

Trabalho dedicado e interesse público (que somente se revela realmente no olhar descompromissado do governante consigo mesmo, e totalmente voltado ao bem-estar e empoderamento da população). Humildade e gentileza. Conteúdo e forma. Fórmula da verdadeira excelência.

Pois se um marco era o trabalho, outro marco, como já demonstrado, era o binômio humildade/gentileza. Sorriso fácil. Voz baixa e educada. Palavras medidas, não por cálculo, mas por bondade e cuidado com os sentimentos do interlocutor. Dizer o certo, no momento certo, para adiante fazer o certo. (Até porque, para ele, a paciência também sempre foi uma grande virtude – quem tem prazo não tem pressa, e não se coloca o depois antes do antes – paciência e futuro, falaremos mais adiante...). Dizer o certo, do jeito certo, no tom certo, sem menosprezar, sem falar mal de ninguém, sem “fulanizar” questões políticas. Tudo porque o diálogo em busca do correto e do interesse público tem que ser caminho de virtude, e nunca oportunidade para nenhum tipo de negócio, esperteza, arrogância, menosprezo ou vileza.

Gentileza na humildade das palavras. Humildade na gentileza nas ações. Saber que o simples conhecer o nome da genitora, a data do aniversário, o Município de origem, são às vezes suficientes para acolher um interlocutor, antes nervoso, ao se dirigir a pessoa com tamanha autoridade (e que depois descobre que a autoridade não vinha do poder, mas sim da humanidade...). Ao ele mesmo entregar os pratos em almoços oficiais. Ao se levantar para oferecer uma castanha para alguém convidado lá do outro lado. Ao telefonar ele mesmo, e não simplesmente mandar o recado. (E não simplesmente mandar chamar, com quem ele queria falar. Reconhecia a voz de quem atendeu, perguntava como estava, conversava um pouco e depois pedia para falar com a pessoa inicialmente desejada... Eram outros tempos, quando havia telefones fixos e conversas eram predominantemente faladas...)

Gentil em qualquer circunstância. Exímio construtor de pontes, pavimentador de diálogos, semeador de consensos, artesão do futuro. Ouvi, certa feita, que a melhor maneira de prever o futuro, é trabalhando para que ele aconteça exatamente como previsto. E nosso Marco agia exatamente desta forma. Ele olhava o hoje com os óculos do amanhã. Sabia a obra estruturante necessária e que serviria de legado para anos de desenvolvimento (vide o Porto de Suape, por exemplo); tinha a magnanimidade de não perder tempo com as injustas críticas feitas a ele no passado, pois sabia que o inimigo político de ontem, poderia ser um correligionário de seus projetos de defesa de Pernambuco e do Brasil nas futuras eleições.  E como adiantado acima, a paciência; ele sabia que a sustentabilidade no tempo, depende da oportunidade do momento; e fiel ao Eclesiastes, sabia que há tempo para tudo: tempo de plantar e tempo de colher; tempo de avançar e recuar; tempo sempre de ponderar para fazer o certo, até porque o certo normalmente decorre da certeza e quase nunca do açodamento ou do acaso.

 Sabia principalmente que a sustentabilidade de um projeto depende da confiança e da coerência, e que toda construção política tem que ser coletiva e em prol da população. Ele bem sabia que eventuais palanques moldados nos ventos da conveniência são molduras ocas, porta-retratos sem rostos, promessas vazias, corroendo de desânimo os pilares da democracia. (Aliás, fica a reflexão, em termos de futuro: como vamos construir uma democracia saudável, com base em argumentos forjados, entre a intransigência de quem não escuta e a o grito de quem fala mais alto? Olhos que só veem umbigos somente tendem ao fracasso...).

Trabalho, gentileza, humildade, pensar coletivo, futuro, honestidade. É um Marco, um ponto de referência; para se saber que política pode ser feita com diálogo, verdade, sem apelar para manipulações, demagogia e fake-news. Um Marco, um registro histórico; de alguém que tencionava construir o futuro, a partir da virtude do presente. Um Marco, um ponto de referência; para quem quer olhar para frente, cansado de tantas pessoas que querem construir uma nação a partir de uma guerra de nós contra eles. Um Marco, um limite; entre o público e o privado, demonstrando que o processo político deve ser encarado como um serviço, onde o eleitor, o cidadão, tem que ser sempre o objetivo e o foco – e este é o real interesse público.

Um Marco, pois deixou estas marcas, deixou este maravilhoso paradigma de agir em mim, em minha família, em todos que estiveram por perto e com ele conviveram. Ele está conosco e nos acompanha em seu legado maravilhoso. E, neste prisma, fica meu carinho e meus sentimentos para todos aqueles Macielistas, que, como eu, carregam sua marca, esta memória viva, que não se apaga.

Dedico, portanto, este registro a todos os familiares e amigos, mas principalmente àqueles para os quais esta ausência é absolutamente imensurável: a minha querida madrinha, Anna Maria, sua amada esposa, eterna companheira, protagonista e parceira de todos os projetos e todas as realizações (as realizações de um casal são sempre coletivas, aprendo e me convenço cada vez mais disso todos os dias). Meu carinho também para Gisela, Cristiana e João Maurício, seus filhos queridos, a quem ele tinha profundo orgulho e devotava um amor incondicional - amor pela família que era plenamente correspondido em todos os momentos; e que serviu de impulso, esteio e sentido em tudo que ele fazia.

Finalizo dizendo que neste momento, Marco Maciel e, meu querido pai, Bandeirinha, estão provavelmente se encontrando; grandes amigos, irmãos de almas. Eles desfrutavam daquela fraternidade altruísta tão ímpar, que a única possível discordância era apenas um achar que a opinião do outro poderia ser mais correta. Se algum Bandeira de Mello tivesse que escrever este texto, seria ele, Bandeira, o poeta, o artesão das palavras contando sobre o artesão do futuro. O destino não quis assim. Ficou o encargo do texto para quem não era tão qualificado. Espero que o amor, respeito e a vontade de acertar sirvam como atenuantes nesta singela homenagem ao Marco de Pernambuco e ao Marco do Brasil. Ele fez, faz e fará muita falta.

Compartilhe

Veja Também

Receba Notícias Pelo WhatsApp