Artigo: Bandeirinha, o turismo como experiência e a Sergipanidade

25/10/2021 18:44

Por João Augusto Bandeira de Mello


Artigo: Bandeirinha, o turismo como experiência e a Sergipanidade

Em 06 de outubro próximo passado, família e amigos registraram, com muita saudade e lembranças, os dez anos da partida de Bandeirinha, papai, para a morada celestial. Parece que foi ontem, ou no máximo anteontem, que lá estava ele conosco conversando os problemas do Brasil e do mundo, explicando sobre arte e filosofia, ou simplesmente me contemplando, com aquele olhar doce de carinho que ele conservou até os últimos momentos, mesmo quando as luzes da memória passaram a indicar o tom cada vez mais amarelado da partida.

Já tive oportunidade de escrever em outro momento, sobre os maravilhosos aprendizados que foram construídos a partir dos ensinamentos, da companhia, do altruísmo, enfim, do exemplo construído por Bandeirinha ao longo de sua vida. Hoje, falarei sobre uma face sobre a qual ainda não tinha comentado muito, aqui em Sergipe, mas que tem a ver com grande parte de sua caminhada na vida pública, e mesmo na vida particular: o Turismo. (E foram tantos legados neste caminho, que as páginas escritas restarão sempre insuficientes e injustas. Mas quase escuto ele falar que, para questões importantes, antes o ouvido, do que o olvido. Vamos continuar...)

 Papai, como muitos de nós, adorava viajar. Porém, diferente de muitos, para ele, as férias eram sempre uma oportunidade de conhecer, e indo além, compreender o local objeto da viagem, seu povo, suas pessoas, seus costumes, seu link com o processo histórico, sua riqueza cultural em um contexto de humanidade. Ele fazia isso, seja nos grandes deslocamentos, aos mais renomados destinos turísticos europeus (Paris, Roma, Londres, Madri, Vaticano etc); seja na prospecção de sítios pernambucanos, como Olinda, Caruaru, Garanhuns; ou nordestinos, como, por exemplo, Aracaju, Laranjeiras, ou a cidade mãe de Sergipe, São Cristóvão, onde estive, pela primeira vez, em sua companhia).

E, disso, do amor às viagens, de jornalista e escritor, ele construiu uma profissão: a de gestor de Turismo, sendo, durante aproximadamente 12 anos, a principal autoridade do setor no Estado de Pernambuco, seja como Presidente da EMPETUR, seja como Secretário de Estado do Turismo, posto que ocupou de 1978 a 1986. Trajetória que tive oportunidade de acompanhar de perto, inclusive em muitas viagens ao interior, durante minha infância e começo de adolescência. (Assunto que retomaremos, com muita saudade e gratidão, ao final deste artigo.)

E o que foi que aprendi? Bandeirinha me ensinou que o Turismo é, antes de tudo uma experiência. O turista é um colecionador de memórias (e que colecionador ele era!), onde instantes e percepções são eternizadas em flashs e lembranças que serão recordadas e até romantizadas pelo resto da vida. (Quem não tem aquela recordação agradável de uma viagem, em que a beleza de uma paisagem, a alegria de um encontro, ou a constatação de quão grande pode ser a existência, dão um sentimento de esperança e propósito para sempre se seguir adiante. – O querido leitor/leitora tem alguma?)

E, neste sentido, como experiência, é que ele tem que ser manejado, tanto pelo viajante, quando planeja sua viagem; como, e talvez principalmente, pelo gestor público ao vislumbrar o Turismo como política pública. E se é experiência, seguindo a cartilha de Bandeirinha, tem que ser, antes de tudo, uma experiência possível. Como assim?

Ora, para conhecer algo, o turista precisa estar lá. Ele precisa ser atraído, necessita ser incentivado a buscar aquele destino. Neste ponto, o trabalho de prospecção de destinos e divulgação é essencial. Tudo porque, lá atrás, no começo, qualquer destino maravilhoso e famoso, em regra, começou como algo pequeno, de não tão fácil acesso, que era somente do conhecimento de alguns. (Vide a famosa Porto de Galinhas em Pernambuco, que, em minha infância, era um destino principalmente de pernambucanos, e hoje conquistou o mundo).

Desta forma, temos que identificar as maravilhas, sejam naturais ou culturais, perceber o potencial de cada uma delas, e, com auxílio do marketing, publicizá-las para o mundo. E daí participação em feiras internacionais, conexão com autoridades turísticas de outros estados e países, convites para que jornalistas especializados (e hoje blogueiros, youtubers) conheçam a atração, são primordiais. (E, quantas vezes vi Bandeirinha fazer isso, identificando o potencial de Garanhuns, seu clima e Relógio de Flores, da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, da Feira de Caruaru e divulgando estas atrações no Brasil e no mundo.)

Aprendi, outrossim, que Turismo também tem que ser uma experiência enriquecedora. Em que sentido?  Como disse, o turista, ele quer se encantar, ele quer um instante de espanto e surpresa que gratifique o momento e se eternize na lembrança. Só que (e aí está o pulo do gato), não precisa ser sempre algo grandioso, incomensurável como as Pedras de Stonehenge ou a Torre Eiffel. Todo local turístico tem seu potencial de se registrar na memória como uma experiência positiva e única. Uns são mais óbvios (como a visão das Pirâmides do Egito, ou o Arco do Triunfo), outros precisarão de um detalhamento, como o contexto histórico subjacente, a época do ano correta, ou a vivência humana e cultural envolvida.

Explica-se, portanto, a necessidade de se cultivar esta experiência (o Turismo, como tudo na vida, demanda visão e trabalho). Se a paisagem é bonita, ela pode ser amplificada com uma bela escultura que traga sentido, propósito, significado e transcendência para aquele local (vide Cristo Redentor). Se o monumento é imponente, o será muito mais se nele forem contextualizadas as lutas, os sacrifícios, a histórias de amor, que também corporificam aquela estrutura. (Vide o mosteiro de Alcobaça, em Portugal, que é muito mais lindo com a história de Inês de Castro por trás das cenas. Ou a beleza da paisagem e monumentos do Recife antigo, ou do Monte dos Guararapes, que se tornam muito mais ricos com o pano de fundo histórico da presença holandesa e da Insurreição Pernambucana e suas cicatrizes no Recife).

Ou seja, temos que valorizar a cultura, a história, os costumes, os mitos, as lendas de cada região. O turista quer e precisa se enriquecer com estas informações e detalhes. Ele quer se imaginar naquele contexto. É a viagem dentro da viagem. É o ir ao local turístico e se transportar a outros tempos, ou a outras dimensões. O viajante quer uma experiência de transcendência, e é dever de todos que trabalham com Turismo, lutar para que isto seja proporcionado.

Por fim, mas não menos importante, o Turismo precisa ser uma experiência agradável. E aí entra o caráter pragmático da questão, pois se o local, a tradição, a cultura e a história têm por missão trazer o deslumbramento; não se pode permitir que este deslumbramento se vá embora por problemas operacionais como falta de banheiros (ou mal cuidados ou sujos); dificuldade de acesso e estacionamento (se o turista não chega, como vai se deslumbrar?); sensação de insegurança (com vai contemplar o momento, se está com medo de ladrões?); falta de estrutura de comércio de souvenirs, de restaurantes e de hotéis (e sempre me lembro de papai lutando pela expansão da rede hoteleira no interior de Pernambuco, mapeando os leitos disponíveis em cada cidade, e divulgando os restaurantes típicos locais, como o famoso Buraco da Gia, em Goiana, Pernambuco).

Assim, explica-se  a absoluta necessidade de todos os segmentos de gestão, sejam públicos ou privados, atentarem para todos estes detalhes, inclusive no perceber que uma coisa puxa outra, no sentido de que se o local turístico de tiver valor enriquecedor e for acessível e estruturado, pode pegar carona no turismo de negócios (e Bandeirinha sempre exaltou a importância de um Centro de Convenções em Pernambuco,  que trouxe milhares de pessoas para Congressos e feiras, e que, no tempo livre, conheceram as riquezas naturais e culturais da região).

Ou seja, Turismo, dizendo-se com alguma poesia, é um misto de suor e alma. É aliar os melhores aspectos do profissionalismo da gestão, com a psicologia do encantamento e da emoção. Porém, seguindo o caminho do título, o que tudo isto tem a ver com a Sergipanidade? Tudo, ainda mais especialmente porque agora, em 24 de outubro, comemoramos não só a chegada do documento régio da emancipação de Sergipe da Bahia (e toda a alegria de um povo que se tornou protagonista de suas aspirações coletivas e do seu futuro), mas também, e acho que principalmente, o dia desta tão falada e importante Sergipanidade.

Mas o que se quer dizer com a expressão Sergipanidade? Ora, é tudo aquilo que representa a identidade do povo sergipano, seja em termos históricos, culturais e conscienciais. É o elemento de aproximação entre os indivíduos que elegeram os valores de Sergipe como sua expressão de Brasilidade. É o sentir Sergipe como sua casa, e mais do que isso, fazer da cultura sergipana, seu primeiro filtro de entendimento e compreensão do mundo. (E como Sergipe é lar; mesmo distante, em outras paragens, é perceber o coração bater acelerado a cada lembrança, cada saudade, a cada citação que nos traga para cá).

Então, eis que surge mais uma pergunta: por que a Sergipanidade é importante para o Turismo? Por muitas razões. Mas para manter a coerência do texto, seguiremos as diretivas experienciais denotadas acima. Assim, para que a experiência turística em Sergipe ser possível, ela precisa ser conhecida. E nada melhor do que o orgulho sergipano em contar, aos quatro ventos do Brasil e do Mundo, as belezas naturais do nosso Estado, nossa riqueza gastronômica e culinária, nossas praias, nossa tranquilidade, nossas festas, nosso acolhimento.

E nada mais convidativo do que o brilho dos olhos de quem fala e convida; a emoção verdadeira em recriar o local a que se refere a sugestão de viagem; nada mais real do quem alguém descrever o maravilhoso sabor da comida que parece estar sendo degustada naquele momento. Neste prisma, quem está diretamente conectado em Sergipe no espírito, leva também o território, a cultura e todo o povo sergipano em suas almas e conversas. E este carinho, este sentir, este orgulho, este deslumbramento, funcionarão como ímãs de interesse, que encantarão e atrairão muitas pessoas para cá.

E seguindo este caminho, estaremos propiciando não só uma experiência possível, mas também algo enriquecedor, divulgando quão peculiares, originais, interessantes e relevantes são as ideias que fervilham em nosso Estado; nossos pensadores; nossos intelectuais; nossa cultura (e, neste prisma, estou muito feliz em poder colaborar com o posfácio de livro a ser brevemente lançado sobre o pensamento filosófico de grandes sergipanos como Tobias Barreto, Silvio Romero e Jackson de Figueiredo).

Por fim, a sergipanidade tem que ser posta em prática, em ações e gestão. (Quem ama cuida, e cuidar é garantir que o crescimento e desenvolvimento seja evolutivo e sustentável). Neste ponto, é dever do Poder Público e de cada um de nós, cuidar para que o tecido de nossa alma, costurado em linha forte imbricada de muita luta, cajueiros, papagaios, caranguejos, canyons, caboclinhos, barcos de fogo entre tantos outros elementos de nossa vivência seja reverenciado em termos de eficiência, eficácia e efetividade na gestão.

Não só no aspecto do Turismo, para comunicar ao mundo o valor a ser presenteado a quem nos visita; mas em todos os aspectos de atuação do Poder Público, pois pouco adiantará restaurantes, lojas, hotéis e monumentos bem estruturados, se também a estrutura geral das cidades deixar a desejar. Turismo, como disse, é uma experiência, e sentir a atmosfera da cidade, andando sem rumo específico, percebendo o contato com a realidade desse chão, também é um modo de perceber a Sergipanidade.

Querido leitor, querida leitora, um dos momentos mais marcantes de minha infância, foi viajar com papai para o Sertão de Pernambuco, e, no árido da Caatinga, conhecer, primeiro, o Parque Asa Branca, em Exu, museu da vida e obra de Luiz Gonzaga; e ele, o grande Lua, ainda vivo, nos receber e conversar. Muito espantado e gratificado fiquei, com a grandeza e simplicidade daquele homem, que mesmo sem o chapéu e roupa de vaqueiro (o que muito me espantou, pois, eu pequeno, achava que ele usava aquela indumentária para todo canto), magnetizava todos a sua volta, para ouvir sua voz e suas histórias.

E, depois, irmos para a Missa do Vaqueiro, uma verdadeira reverência, antes de tudo ao Cristo e ao Divino; e depois a esses homens fortes, obstinados que fazem da vida a oportunidade de servir ao próximo e seus ancestrais, em uma cerimônia de esperança, propósito e sentido. Tive meu Pai para me dar a mão e mostrar tudo isso.... Aliás, aprendi com Bandeirinha, que o turista se cria desde pequeno... (cultuando, como diria Renato Russo, desde a tenra infância, “ aquela saudade que eu sinto, de tudo que eu ainda não vi”...)

Por isso, em dias de Sergipanidade, é sempre tempo de darmos a mão e compartilhar com o máximo de carinho, altruísmo e grandiosidade, este maravilhoso legado sergipano, deste Estado que sempre digo, tem tudo para ser modelo em tudo que quiser, e que pode ser também no Turismo. Se alguém ainda tiver dúvidas, basta seguir a lição do grande compositor Claudio Miguel, da imortal canção Cheiro da Terra, e se encantar em sentir os cheiros da manhã de nossa Terra, ver o Sol nascer na serra e o vento norte soprar, e assim ficar bem juntinho dela, na Praia de Atalaia, mirando as ondas do mar, mirando as ondas do mar, mirando as ondas do mar, mirando as ondas do mar.

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