Artigo: Mestres que inspiram: lições de aprendizado com o querido Reinaldo Moura - Por João Augusto Bandeira de Mello

27/12/2021 15:34


Artigo: Mestres que inspiram: lições de aprendizado com o querido Reinaldo Moura - Por João Augusto Bandeira de Mello

Artigo: Mestres que inspiram: lições de aprendizado com o querido amigo Reinaldo Moura.

Por João Augusto Bandeira de Mello

“É preciso sair da ilha para ver a ilha. Não nos vemos se não saímos de nós”. Começo o artigo com este magnífico pensamento de José Saramago, por vislumbrar neste período de final de ano, que engloba o Natal e o Réveillon, como o momento do ano mais propício à reflexão. O abraço da celebração do nascimento do Cristo, e o chamamento da mudança do ciclo, nos convidam a estarmos mais conectados com o todo, com o outro e com o porvir. Vivemos um fugaz instante em que o dar, seja presente, seja presença, seja carinho, seja esperança ou inspiração, ganha contornos de protagonismo; e o futuro passa a ser algo tão imanente, que queremos desenhá-lo para podermos tocá-lo (mesmo que o esqueçamos posteriormente ao longo do ano).

 Momento perfeito, portanto, para reconhecer que toda construção é coletiva, e que nenhuma caminhada se faz sozinho. Que chegamos até aqui suportados em ombros de gigantes, e que se o legado é maravilhoso, temos que honrá-lo e sermos generosos; reverenciando o que recebemos, e passando adiante o que podemos, para que o ciclo de evolução sempre continue. (Sempre é hora de homenagearmos quem nos ensina a olhar mais adiante, entendendo o que não deu certo e enxergando possibilidades, pois, ao fim e ao cabo, a vida nada mais é do que possibilidades, que se transformam em oportunidades, que concretizamos, ou não, em cada instante vivido).

 Por isso, neste fim de ano de 2021, entendo como ideal o momento para iniciar uma temática de artigos que falam exatamente disso, de mestres que nos inspiraram e que nos inspiram para que aprendamos lições, e cumpramos o vaticínio humano de sabermos cada vez mais e sermos sempre melhores. E o primeiro homenageado deste tema, dos mestres que inspiram, será o inesquecível e querido amigo Reinaldo Moura Ferreira, que nos deixou, agora há pouco, em 11/11/2021, e cuja saudade reverbera forte no coração de todos que lhe queriam bem.

 Reinaldo, nosso Rei, ser humano extraordinário. Sua perda foi repentina e avassaladora. Posso dizer que, em mais quase 20 anos de atuação como Procurador de Contas no Plenário do TCE/SE, o momento da notícia do falecimento nosso mestre, foi certamente o mais duro instante que vivi naquele conclave. À medida que as notícias chegavam – e lamentavelmente elas vinham em um crescente de desalento e tristeza – mais eu sentia que a notícia de sua partida definitiva se aproximava. Todos ali reunidos, em forte emoção, segurando as lágrimas. Todos ali, Conselheiros, Procurador, servidores apreensivos e desnorteados, já antecipando a saudade do sorriso de majestade de nosso querido amigo.

Ser humano extraordinário, repito. Sua presença representava alegria. Conheço poucos, como ele, cujo sorriso iluminava caminhos. Sorriso que iluminava sorrisos. Presenciei em mais de uma oportunidade, estar em ambientes tensos e sérios e a chegada de Reinaldo desanuviar tudo em sucessão de abraços e palavras amigas. Abria a porta devagarinho, sorrindo e dizia, com voz grave e simpática: -- Posso voltar depois. E esta era a senha para que todos se levantassem e o saudassem, pedindo para que entrasse e contasse os seus maravilhosos pequenos causos, para que se tomasse um café, para que fosse discutida a geopolítica de Sergipe e do mundo.

Porém, considerando o escopo exíguo de um artigo, aqui não me deterei neste aspecto mais óbvio, e certamente maravilhoso do Reinaldo alegre, semeador de amigos e de amizades. Como também não procurarei trazer um perfil do meu querido amigo Reinaldo, cujo privilégio da amizade me fez tão importante a ponto de me conceder uma das honrarias mais importantes de minha carreira de vida – ser seu ouvinte nota dez no seu vlog “Falando francamente”.

Vou pedir vênia para trazer três grandiosas lições que aprendi com o grande Moura Ferreira, em sua maravilhosa passagem como Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. Lições práticas de aperfeiçoamento e engrandecimento do Controle Externo efetivado em nosso Estado. Lições, como dito, que inspiraram e me fizeram ver o controle da gestão pública de outra forma, de uma maneira muito mais democrática, consensual, gentil e humana. Aprendizado que incorporei. E que honrarei levando-o adiante.

A primeira lição, foi uma lição de institucionalidade. De teleologia de para que servem as organizações e de como elas devem ser portar para atingir seus fins. Neste prisma, Reinaldo revolucionou o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe em termos de comunicação. E digo isso não só em termos de ampliação da equipe de jornalistas e de pessoas repercutindo as ações fiscalizatórias do Tribunal e municiando os órgãos de imprensa. (E prestando contas à população de tudo que foi feito, já que é para isso que existimos enquanto ente fiscalizador: - ser agente do povo na auditoria da aplicação dos recursos públicos).

Falo em termos de efetiva aproximação com a sociedade, e da percepção de que um órgão de controle é um órgão que não somente tem voz – voz que pode conformar e indicar aos gestores o bom caminho (digo e acredito que a esmagadora maioria dos gestores quer acertar e que se o caminho do acerto for iluminado com clareza, ele será trilhado); como também um órgão de controle tem que ter ouvidos, exatamente para escutar as queixas, as dificuldades, que servirão para retroalimentar e melhorar as orientações, gerando um ciclo virtuoso e vitorioso administrativo.

Diálogo com a população e seus representantes. O Tribunal de Contas cada vez mais abrindo suas portas para discutir os cenários vigentes e o futuro; sempre com a absoluta percepção de que uma Casa de Controle é também uma casa de indução de cidadania, onde a população tem vez em relação a suas necessidades; e a concretização do interesse público, por meio da aplicação eficiente e racional dos recursos do erário tem sempre e sempre deverá ter o povo como preocupação principal (pois é para isso que o serviço público existe, é para isto que o órgão de controle existe, é para isso que a Constituição criou todo este arcabouço de máquina pública.)

A segunda lição, que a vai a reboque da lição de institucionalidade, é uma lição jurídica, pois o Mestre Reinaldo, apesar de não ser advogado, me legou diversos ensinamentos jurídicos que os bancos da Faculdade de Direito não me proporcionaram. E, no caso, nosso Reinaldo tinha bem claro em sua mente (e com ele aprendi) que a principal função de um órgão de controle não é punir, mas sim garantir que as políticas públicas sejam bem conduzidas e os recursos públicos bem aplicados.

Ou seja, a punição não é o motivo principal de o Controle existir. E que se o foco é o resultado (no caso, o sucesso na aplicação dos recursos); então um dos melhores meios de garantir este sucesso é exatamente conseguir consensualmente que este objetivo aconteça. Assim, são também meios de controle não só a atuação da Corte em termos de Auditorias; mas também as audiências com os gestores, as orientações quando da fiscalização, os cursos manejados nas Escolas de Contas, dentre outras possibilidades.

E, neste ponto, posso citar como o ápice, foi o incentivo de Reinaldo à adoção dos Termos de Ajustamento de Gestão, sendo dele, talvez, o primeiro firmado, no sentido do aperfeiçoamento das funcionalidades do Hospital de Urgência de Sergipe. Reinaldo sabia, e quase escuto ele falando, que na gestão pública, os meios são importantes, mas os resultados, estes são essenciais. Neste ponto, urge que diminuam os períodos de dissenso processual e se alarguem os consensos convergentes em termos de correção de políticas públicas eficientes em prol da população. Urge que a democracia seja efetivamente aplicada quantitativa e qualitativamente, laborando para que a atuação estatal aja com eficiência em prol daqueles que mais precisam.

Por fim, a terceira lição, uma inesquecível lição de humanidade. A lição de que por trás de cada gestor, agente público, conselheiro, procurador, ou simplesmente cada pessoa, há um ser humano. Um homem ou mulher que merece empatia, consideração, respeito. E que merece a reverência da comunicação e do diálogo. Reinaldo, com enorme sabedoria, entendia a dificuldade da gestão, a pressão das urgências; conhecia o desespero da necessidade, que muitas vezes faz o gestor escolher olvidar formalidades, fazendo o resultado falar mais alto. (E que, muitas vezes, este gestor bem-intencionado não merece o desabar da força punitiva, mas o incentivo correto para a busca do acerto, mantendo-o na boa lida da gestão pública; e não provocando uma seleção adversa, com o afastamento dos bons e a prevalência dos mal-intencionados.)

Ele foi um grande defensor de que se vislumbrasse, no caso concreto, a diferença entre falha formal e improbidade. Entre desacerto administrativo e dano ao erário. Entre boa-fé na tentativa de entrega de um resultado e a corrupção que desagrega toda possibilidade de qualquer bom resultado na seara pública. Aliás, este é o maior desafio de uma autoridade controladora: perceber o limite até onde vai o pedagógico e onde deve começar o punitivo. De ler nas entrelinhas do processo, a boa-fé de quem tenta acertar, e a má-fé de quem tenta esconder e enganar.

E Reinaldo, com sua humanidade, com sua experiência de sorrir junto e chorar junto, era um mestre nesta seara; conseguindo recriar na seara processual, aquilo que somente veio a ser positivado alguns anos depois de sua aposentadoria, com o art. 22 do Decreto Lei nº 4657/1942, na redação dada pela Lei 13655/2018: a avaliação das circunstâncias concretas que envolveram a tomada de decisão do gestor – as informações que ele tinha à disposição e as urgências que ele tinha de cuidar. Ou seja, a exata percepção de que controle não deve ser feito no alheamento dos gabinetes, mas na percepção viva da angústia do ser humano que decide e ordena a despesa, e na urgência do ser humano que clama e que precisa da concretização da política pública que muitas vezes lhe é negada.

Aprendi muito com meu amigo Reinaldo. E certamente uma maneira de diminuir a saudade, é tê-lo presente como ensinamento e como inspiração. Inspiração para, em casa e no trabalho, sermos mais operários do diálogo e da comunicação; da conversa que resolve, da orientação que cura e inspira. E compreensão para que semeemos, neste fim de 2021 para que floresçam em 2022 e sempre, sementes de humanidade. Tudo para que, tal qual, Reinaldo foi, possamos ser, todos, iluminadores de caminhos.

E, para isso, precisaremos sair de vez em sempre de nossas ilhas (e de nossos egos e de nossas réguas, que nos medem miopemente corretos), e de fora olhar, para verificar, se no meio do oceano de nossas vidas, em nossas marcas, rastros e caminhos; se reverberam luzes e contribuições para um bem-estar coletivo. (Ou se lamentavelmente tudo se apagou, porque rastros na água somente vivem na memória de quem os viu, ou de quem deles teve presença, os vivenciou).

 

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