Artigo: O essencial se revela no simples. Minha homenagem a todas as mães - Por João Augusto Bandeira de Mello

08/05/2022 05:19


Artigo: O essencial se revela no simples. Minha homenagem a todas as mães - Por João Augusto Bandeira de Mello

Artigo: O essencial se revela no simples. Minha homenagem a todas as mães.

Por João Augusto Bandeira de Mello

Verdade: “O essencial é invisível aos olhos”. Pode parecer um pouco de cabotinismo, eu dizer que o magistral Saint Exupery tinha razão, quando cunhou esta frase em sua imortal obra, o Pequeno Príncipe. Mas, mesmo sendo uma ousadia, entendo que, de uma maneira geral, em nossa caminhada de humanidade, tendemos a olvidar o essencial e nos encantar por outras luzes.

Digo isso pelo sentimento de desconexão que vejo entre as pessoas, que não conseguem consensuar sobre elementos mínimos de uma agenda coletiva; também pela percepção geral de que ainda não caminhamos uma trilha que permita uma transformação social efetiva; por entender que a posição de liderança, apesar de altiva, ainda, na maior parte dos casos (com honrosas e maravilhosas exceções) permanece egoísta, tendo um fim em si mesma, não se desdobrando para um futuro melhor para todos.

Neste prisma, se o essencial, filosoficamente falando, deveria ser o conjunto de providências para nos encaminhar para a estrada dos objetivos coletivos (em última análise, a possibilidade de cada um, e todos, construírem efetivamente a própria felicidade); me parece que o essencial tem se tornado turvo, enlameado por um turbilhão de outras agendas, que mais nos afastam, do outro e dos objetivos comuns, do que nos aproximam.

Por outro, lado, por mais contraditório que isto seja (os momentos em que nos afastamos do essencial), há explicações racionais para que isso aconteça. Vejamos algumas delas. A começar pela própria distribuição natural das coisas.

Ora, se entre todas as possibilidades de escolhas e condutas possíveis, uma delas está o essencial, muito dificilmente, em face do universo que estamos trabalhando, atingiremos o caminho que leva ao essencial por sorte. Estatisticamente, se procurarmos uma trilha qualquer, sem reflexão, ponderação, confiando apenas no absoluto acaso, temo dizer que esta opção muito, mas muito dificilmente mesmo levará ao essencial. (Inclusive sabemos disso intuitivamente, pois, de regra, refletimos muito antes de grandes decisões, como escolha da profissão, de nosso par, onde morar, tipo de emprego desejado, entre outras decisões. Ou seja, o essencial não se atinge por acaso).

Porém, mesmo não confiando na sorte, mesmo ponderando e refletindo para chegar ao essencial, isto também não é fácil. Primeiro, porque, para enxergar o essencial é necessário olhar mais para frente e para o futuro, e para o lado e para o outro, do que para o próprio umbigo. E, lamentavelmente, nosso instinto de conservação e de sobreposição de nossos desejos e necessidades em relação às necessidades gerais, na grande parte das vezes, nos inibe de enxergar o âmago de nossas atitudes.

Tudo porque, somos egoístas por natureza, e, neste prisma, nas minúsculas ou nas grandes decisões, temos a tendência de puxar a sardinha para nosso interesse individual, seja, por exemplo (pequenas coisas) furando a fila daquele sinal de trânsito, ou aquela singela conversão proibida; seja colocando o lixo onde não devemos; seja desperdiçando água. (Entre outras tantas possibilidades).

Seja, outrossim (em escala aumentativa de decisões de liderança), movimentando políticas públicas para interesses eleitorais, tomando decisões que fazem algum sentido no presente, mas que são inconsequentes em relação ao futuro (como a falta de preservação no meio-ambiente); seja simplesmente em não construir o futuro, porque o presente de exercício do cargo eletivo está muito confortável e não se quer abrir mão disso. (Exatamente como acontece há muitos anos, com líderes, a todo custo, e por meios escusos, tentando manter sua posição de brilho e de poder. Não esqueçamos disso: enxergar o essencial demanda desapego e alteridade).

 Mas será que basta este aspecto? Libertar-nos de nosso atávico egoísmo? Claro que não. O essencial é complexo. Precisa ser descoberto, ou como diriam os filósofos da Hermenêutica, precisa ser interpretado, exposto, desvelado. Não só para expungir os  interesses egoísticos, tentações (o essencial é manter a saúde, mas sempre cedemos àqueles excessos de alimentação), acomodações (precisamos de esforço para alcançar alguns objetivos); mas para ontologicamente conseguir captar o que é essencial em cada momento.

E este é o ponto mais difícil. Pois o que é o essencial? Você saberia responder? Em situações-limite o conceito de essencial é mais acessível, como numa emergência de um avião, em que devemos salvar as pessoas em detrimento das bagagens. Ou como no pronto-socorro de um hospital, onde os pacientes em risco de vida têm prioridade de atendimento. Mas nem sempre (e a experiência da pandemia demonstrou), temos um consenso sobre o que é essencial em cada situação. Várias visões de mundo, diversas ordens de prioridade, etc, etc, etc.

Então é importante definir o que seria o essencial. E buscando mais uma vez a sapiência de nosso mítico Edutriv, adoto a definição muitas vezes por ele usada, e que liga a visão do essencial com a noção de simplicidade, com a lógica e com o tempo. Dizia ele: “o essencial é o simples que se desvela e que prepondera com o desenrolar da história”.

Tudo porque, a uma, sim, o essencial se consubstancia e se realiza no tempo. Ele se aperfeiçoa com o passar dos anos, com nossas idas e vindas humanas, e notadamente com nossos erros, que vão aclarando o caminho sustentável que devemos construir e pelo qual devemos passar. Guerras demonstram que nada é mais importante do que a paz. Pandemias, como a do Covid-19, nos demonstram que a saúde, a liberdade, o contato humano, que se tornaram escassos em alguns momentos, são bens preciosos e maravilhas com as quais podemos sim nos deslumbrar (muito mais do que, por exemplo, riquezas materiais, como joias, carros e roupas caros que se tornaram inúteis nos lockdowns pandêmicos). Se o rio, com o tempo desbrava o seu leito mais eficiente; para nossas ações, o tempo depura nossos erros e nos revela o melhor caminho...

Também acerta a definição em termos lógicos, pois o essencial é aquele prepondera logicamente, ou seja, é aquilo que vem primeiro e que é o mais relevante. Se vivemos sob procedimentos, e estes procedimentos se desenvolvem sob etapas e prioridades; então o essencial é aquilo que prevalece em termos de ordem de execução e em termos de prioridade. Veja-se, neste sentido, por exemplo, a educação. O tempo tem nos demonstrado que investir em educação é essencial, pois ela é o caminho para o atingimento de muitos outros objetivos essenciais.

Com mais educação, as pessoas cuidam mais de sua saúde e temos melhores resultados de saúde coletiva. Mais esclarecidos, os indivíduos preservam mais o meio-ambiente, garantindo melhor qualidade de vida a todos. Mais educada, a mão-de-obra é mais eficiente e conseguimos todos maior eficiência econômica e desenvolvimento. Iluminado, o ser humano faz melhores escolhas para si e para o coletivo, inclusive em termos políticos. Por isso, políticas públicas essenciais como as educacionais demandam prioridade temporal (serem desenvolvidas o quanto antes) e de investimentos (privilégio na alocação de recursos, não só financeiros, mas também de tempo e atenção).

Por fim, chego ao aspecto mais polêmico de nossa definição, e tento responder às perguntas: - que simples é esse que se desvela como essencial? E se o essencial é tão difícil de ser atingido, como ele pode ser simples e não complexo? Realmente, pode parecer paradoxal, mas realmente o simples e o essencial estão intimamente imbricados. Vejamos o porquê.

Inicialmente porque se o essencial é aquilo que devemos atingir primeiro e com maior atenção, então simples é o caminho que nos leva direto ao objetivo. Se queremos vencer uma pandemia, vacinamos; se queremos melhorar a representação política, votamos em pessoas competentes e honestas; se queremos mais resultados em educação, temos que trabalhar em elementos de gestão para que os resultados aconteçam. Simples assim. (E tudo o mais que não nos traz o resultado, não é essencial, é supérfluo, é rebuscado, é complexo).

Depois, porque os conceitos do que é simples ou complexo se transmutam com o tempo. Desta forma, o que era muito complexo antes (como falar com alguém que está em outro continente), pode ser muito simples hoje (vide as ligações de whatsapp). Neste escopo, como já adiantamos, o estudo, a experiência, e o aprendizado com os erros, nos fazem ter outras percepções e decisões, como, por exemplo, as medidas de proteção ambiental, de cuidado com os recursos hídricos, de ações afirmativas de cotas em busca da igualdade, entre outras. O essencial da igualdade e sustentabilidade que era difícil de ser praticado no passado, passou a constar da agenda do presente. (O que era antes impensável, virou rotina. O essencial é complexo até se tornar simples. Simples assim.)

Por fim, e apenas para dar mais um argumento, porque, como já adiantamos acima, as agendas de essencialidade humanas, estão muito mais ligadas a questões universais acessíveis do que a elementos rebuscados/sofisticados a que poucos têm acesso. Tudo porque a felicidade e plenitude humanas sempre esteve e estará sempre conectada ao deslumbramento maravilhoso que a simplicidade da vida demonstra.

Assim, a simples alegria de ver uma criança sorrindo; o simples prazer de comemorar um aniversário com a família e amigos; a simplicidade de sentir o mar molhando aos seus pés; o simples cochilo em uma tarde fria e chuvosa; o simples prazer de se encantar com todo o conhecimento do mundo que o mundo digital pode nos trazer; são caminhos garantidos para encontrarmos nossa essencialidade humana. (Que têm a autodeterminação, a busca de sentido e felicidade como pilares fundamentais. E a fundamentalidade, vem de coisas simples)

Aliás, em tempo, e nesse caminho, já que estamos próximos ao Dia das Mães, será que o querido leitor e a querida leitora conseguem pensar em algo mais revelador do essencial e do maravilhoso que se apresenta simples, como o amor de mãe? Esta mãe que nos ensina o que é essencial (e simples e natural) ao doar seu corpo, seus nutrientes, suas energias para literalmente abrigar e formar uma nova vida? Esta extraordinária mãe cujo amor incondicional prioriza o cuidado e o carinho pelo seu filho em todos os momentos de sua existência? (E que mostra o que é essencial ao abrir mão de inúmeros prazeres e aspirações para cuidar da essencialidade do seu filho? Essencialidade e simplicidade puras.)

 E aí, por falar em mães, que são templos do amor mais verdadeiro, para finalizar, volto ao início e ao nosso maravilhoso Exupery, para completar seu raciocínio, de que, se o essencial é invisível aos olhos, podemos vê-lo (o essencial), de forma clara, com o coração. Desta forma, apesar de importante, a análise da essencialidade não se resume ao racional. Ela se completa no amor. No amor por nós mesmos, pelo próximo e pelo mundo, propiciando a nós, ao outro e a tudo, um futuro alvissareiro. Exatamente como projetam, promovem e executam todas as mães desenhando o melhor dos mundos e do futuro para todos os filhos.

Fica, portanto, a minha homenagem a minha querida mãe, Sylvia; a minha esposa Christiane, mãe de minhas filhas; e a todas extraordinárias mães de nosso Planeta, pois se apostar no amanhã e no outro é o caminho essencial que nos leva ao futuro, as mães vêm nos mostrando, com exemplos, este vaticínio de forma simples, desde sempre. Simples assim.

 

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