Artigo: Nem alegre, nem triste, mas com vontade de sentar-me à mesa e ver o dia nascer feliz - Por João Augusto Bandeira

03/11/2022 06:49


Artigo: Nem alegre, nem triste, mas com vontade de sentar-me à mesa e ver o dia nascer feliz - Por João Augusto Bandeira

Neste período eleitoral, finalizado no último domingo, vi diversas postagens em redes sociais, contendo excerto da música “Pro dia nascer feliz” de nosso inesquecível poeta do Rock, Cazuza. Elas reportavam sob um nascer do Sol maravilhoso, a frase: “Estamos meu bem por um triz, para o dia nascer feliz! ” Era uma evidente alusão a um dos candidatos à Presidência, mas serviu efetivamente de mote para uma reflexão que hoje compartilho com a querida leitora e o querido leitor.

Sim, antes de mais nada, sei que o tema eleição ainda é árido, pois, em linhas gerais, nosso país está dividido em duas metades: uma metade ligeiramente maior (sei do absurdo matemático do raciocínio, pois metades têm que ser iguais, mas gosto de brincar com este conceito com minhas filhas) feliz com o resultado e outra metade (poeticamente falando), um pouquinho menor, muito triste com a enunciação do vencedor da eleição presidencial.

E daí que talvez uma primeira pergunta que surja, é se estou feliz ou triste com o resultado. (Até como elemento de validação da continuidade da leitura, pois, em tempos de bolhas, muitos apenas leem aquilo que vai exatamente ao encontro de suas ideias). E, neste prisma, vou buscar inspiração na magnífica Cecília Meirelles em seu magistral poema, Motivo, que diz: “Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre, nem sou triste: sou poeta”.

  Não me considero um poeta (um verso, uma metáfora, mas ainda não um poeta, quem sabe um dia...), mas entendo que a literatura (tendo como parte a poesia) tem como uma de suas principais finalidades, o convite à reflexão. O chamamento a pensar o ontem, viver o hoje e aperfeiçoar o amanhã (que não é necessariamente positivo ou negativo, ele é aberto para ser construído). Por isso, mais importante do que meu agrado ou desagrado em relação à eleição, é a possibilidade de refletirmos sobre o pleito em si e sobre o processo político em geral. Neste sentido, posso dizer que não estou alegre, nem triste, mas sim muito esperançoso (como tenho estado, mesmo antes da eleição). Explicarei de agora por diante, o porquê, em três motivos (e um quarto, ao final).

Primeiro, porque parto da premissa de que a eleição não é uma viagem ao contrário, onde o ponto de partida é mais importante do que o ponto de chegada. De modo algum. A eleição é um marco inicial aberto de possibilidades, onde a construção do novo governo servirá de delineamento, mas será a participação popular, a crítica cidadã e fiscalização vigilante que ajudarão a nortear os caminhos que serão percorridos. Neste sentido, o ponto de partida vale, mas muito mais importante é onde queremos chegar e nossa participação efetiva na viagem (e a viagem e a chegada podem sim ser coletivas, basta o exercício cotidiano do lugar de fala da cidadania).

Aliás, neste ponto, vale salientar que ainda não podemos vaticinar um caminho inexorável para o sucesso do Brasil. Isto porque todos os Governos até aqui, em maior ou menor medida, apresentaram sucessos e insucessos. Ganhos, problemas e oportunidades de melhoria. O Brasil ainda não encontrou o equilíbrio perfeito na caminhada entre sustentabilidade fiscal e econômica e a necessidade de um esforço maciço para redução da pobreza e da desigualdade de oportunidades (lembre-se da educação, falaremos mais ao final). Desta forma, se ainda não há um caminho definido, aproveitemos esta abertura para construí-lo. (E precisaremos do trabalho, da expertise, e da vontade de democracia de todos. Entendo que estamos melhores do que ontem. Precisamos estar melhores amanhã e assim sucessivamente todos os dias).

Outra questão relevante é a de que ainda há uma crença muito grande de que a figura do Presidente da República aproxima-se de um monarca absoluto em termos de Poder (e daí dizer que se o Presidente for “X” será maravilhoso, e se for “Y” não haverá solução, e vice-versa). Ora, nossa Constituição diz exatamente o contrário. Neste sentido, o mandatário da Presidência, ao acumular as funções de Chefe de Governo e de Chefe de Estado, tem sim muito poder. Porém, é cediço que tais Poderes, em sistema de freios e contrapesos, são divididos/controlados pelo Congresso e Poder Judiciário, na tripartição dos Poderes. Sendo ainda objeto de controle pelo Tribunal de Contas da União e Ministério Público. (Lembremos que a República e a Democracia, e a consequente descentralização do Poder são frutos da luta histórica e de uma maiúscula vitória civilizatória. Não podemos retroceder jamais.)

Ou seja, o Presidente da República pode configurar sim o maior líder da Nação, exercendo uma enorme parcela de Poder e de capacidade de influenciar os rumos de nosso país; mas não o faz isoladamente. Divide o poder estatal com o Judiciário, Legislativo e outros órgãos independentes; como assim se submete a inúmeras instâncias de governança da própria estrutura interna do Poder Executivo Federal. Devendo ser ressaltado, outrossim, que a própria Constituição já estipula de antemão praticamente todas as finalidades da atuação do Estado Brasileiro.

Assim, combate à fome, preservação da saúde, garantia da educação, conservação do meio-ambiente, entre outras, são políticas de Estado obrigatórias. Não está na discricionariedade presidencial atendê-las ou não; como assim, deve o Estado Brasileiro envidar políticas públicas eficientes e eficazes para alcançar tais desideratos. Se isto não ocorrer deve haver a atuação pronta dos meios republicanos e democráticos de controle cabíveis, e a imprescindível atuação cidadã do controle social.

O Presidente é um líder, não um Salvador da Pátria. Ele lidera uma engrenagem constitucional, e, como visto, não faz nada sozinho. Nesta medida, e em minha opinião, o Presidente eleito tem todas as condições liderar a máquina institucional; assim como existem meios legais, democráticos e institucionais de exigirmos a dignidade de nosso futuro coletivo, se assim não for feito. Nunca olvidemos que todo Poder emana do povo e a democracia não se exerce somente no dia da eleição. Iluminar a república democrática e o cumprimento da constituição é obrigação nossa de todos os dias... E quem estiver no escuro tem que receber esta irradiação de energia...

Terceiro, porque muito da beligerância política que existe atualmente é fruto de uma guerra intensa de narrativas, onde, pelo discurso, tenta-se criar uma realidade paralela, onde o que são virtudes e defeitos de alguém, torna-se, de forma maléfica e exagerada, o caminho inafastável para o fim do mundo.  A história, que é uma sucessão de sucessos e insucessos, passa a ser uma terra arrasada, onde o que avulta, em relação a um ou outro líder (e vice-versa), são somente tempos terríveis, que prospectivamente destruirão o Brasil se o eventual candidato preferido não ganhar.

Por meio de estratégias de marketing, procura-se o valor básico de cada grupo, comunidade ou região, e, pela guerra de mídia, principalmente eletrônica via zap, passa-se a atacar as questões que afetam mais intensamente cada indivíduo, como religião, liberdade, economia, democracia (e isto pode ser feito de modo específico para cada aglomerado categorizado de pessoas); e, em um compilado de ódio e medo, cria-se um inimigo comum que separa as pessoas em dois lados. Os a favor e os contras. Uma contradição de nós e eles, que é um contrassenso lógico em termos de nação, já que, em termos coletivos, nós, somos todos nós, não havendo espaço para secessões, discriminações, cizânias e expurgos (nós somos eles também).

Espalham-se notícias falsas, meias verdades, manchetes sensacionalistas como sementes de raiva e distorção da realidade, gerando rancor e receio. Sendo certo, e a neurociência mostra isso, que especialmente o ódio e o medo são sentimentos paralisantes, eles impedem o pensamento amplo, a percepção do quadro geral, a inovação, e o aperfeiçoamento de rumos. Enquanto odiamos e receamos, temos foco apenas em sobreviver, ou salvar aquilo que nós é de mais caro. E isso, evidentemente, pode ser manipulado para formação de uma polarização que tende a fazer com que surjam dois lados absolutamente segregados. Dois polos, A e B, que mais das vezes, de fora, parecem tão diferentes, mas, na essência, são absolutamente parecidos no âmago da brasilidade.

Desta forma, seja porque a eleição é apenas um ponto de partida ainda aberto de possibilidades, seja porque a Presidência não é absoluta em uma democracia, e todos nós, enquanto sociedade, temos uma parcela importante de protagonismo; seja, alfim, porque muito do dissenso que hoje existe não é natural, ele é fomentado diuturnamente por grupos de interesse, que pensam mais no poder de alguns do que o bem de todos; entendo que, há muito o que esperançar em relação ao nosso querido Brasil.

E se o querido leitor, e a querida leitora ainda têm um pouco de paciência, peço licença para externar o meu final motivo de esperança e otimismo. E ele reside exatamente na frase de Cazuza que está logo no início do texto. Isto porque, em termos históricos, e conjunturais, o Brasil está muito próximo de mudar de patamar no cenário mundial. Na longa linha de nossa existência, estamos finalmente sim, por um triz, para acordar em um dia muito mais feliz.

E digo isso porque, em muitos aspectos, já temos estruturas de primeiro mundo, como nosso SUS, nosso sistema financeiro, nosso Agronegócio (e que são exemplos de expertise para o Planeta). Pouca gente sabe que o Brasil se destaca amplamente no cenário da odontologia mundial, onde somos referência em termos quantitativos e qualitativos. Somos grandes produtores de commodities, temos vasto e rico território, sem a ocorrência, pelo menos grave, de vulcões, terremotos e tsunamis. Ou seja, a visão do Brasil como terra do Carnaval, samba e futebol, apenas; é algo estereotipado, desinformado e reducionista. Somos muito mais e podemos ser mais ainda.

E, em minha visão, estamos no caminho certo (estamos por um triz); e esta revolução interna, muitas vezes não é vista, a meu ver, por duas razões: primeiro, porque, para ver a ilha, precisamos sair dela. Ou seja, por estarmos aqui, no dia-a-dia, muitas vezes falta a perspectiva de perceber como o Brasil avançou nos últimos 25 anos. E segundo, pelo fenômeno da mesa maciça parada. O que é isso? Ora, se você for empurrar uma mesa muito pesada, perceberá, que se vai aplicando uma força crescente e a mesa não se move. Parece que a força aplicada de nada adianta, pois a mesa está ali como que estacionada pelos tempos sem fim. Até que, de repente, um mínimo de força a mais fará com que a mesa se desloque e daí por diante o movimento se promove e as coisas acontecem.

É assim que eu vejo nosso país. Em termos históricos, olhando 522 anos para trás, avançamos enormemente. E estamos na bica de mudar de patamar. O que falta? Um palpite certeiro para deslancharmos, seria uma maior sinergia e eficiência em nosso sistema educacional (a educação é o centro de tudo), pois este é exatamente o ponto crucial em que, nem de longe temos expertise mundial. Como já disse em artigos anteriores, será a educação que pavimentará nosso futuro civilizatório em termos de sociedade, e em termos econômicos, pois uma sociedade com plenas oportunidades educacionais é uma sociedade mais inclusiva, menos desigual, mais eficiente economicamente e menos propensa às armadilhas das manipulações populistas. (Há outros pontos cruciais para avançar, em termos ambientais, científicos, tecnológicos. A educação é vetor de tudo isso. Falta pouco).

Por isso, digo que, passadas as eleições, não é momento de tristeza, e nem de alegria. É sim momento de percepção política. Tempo de criticamente pensar os erros, e modificar as condutas equivocadas; e de altruisticamente ponderar os acertos e dar continuidade aos avanços. Sem nunca esquecer, que toda e qualquer vitória é sempre coletiva, e se queremos vencer como nação, teremos que, em conjunto, puxar a mesa pesada de onde ela está no sereno isolada, e colocá-la onde ela deve se projetar, em um dia feliz ensolarado, principalmente com todos nós sentados, democraticamente e em paz, ao redor dela. (E sem que ninguém fique para trás). Tenhamos fé, este instante existe, e falta apenas um triz.

João Augusto Bandeira de Mello é Pernambucano e sergipano, graduado em Engenharia Eletrônica e Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. É Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Sergipe (MPC/SE).

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