Artigo: O que o legado da Copa tem a ver com o Natal? - Por João Augusto Bandeira de Mello

21/12/2022 15:26


Artigo: O que o legado da Copa tem a ver com o Natal? - Por João Augusto Bandeira de Mello

Já dizia Arrigo Sacchi, famoso treinador italiano vice-campeão da Copa do Mundo de 1994, ao filosofar sobre futebol: “o futebol é a coisa mais importante dentre as coisas menos importantes”. E, de fato, as Copas do Mundo (e a copa do Catar não foi diferente) representam sim momentos de catarse coletiva, onde o foco predominante da maioria das pessoas passa a ser acompanhar a tabela de jogos, o desenrolar das partidas, o jogar bem ou não das seleções, e principalmente escrutinar cada passo do escrete canarinho (e como somos críticos neste ponto! Voltaremos a este assunto adiante).

E, de fato, esta firmeza de propósitos com a Copa, tal qual outros períodos de catarse como o Carnaval, faz com que sejam esquecidos problemas individuais e coletivos (do cidadão e da nação). É como se fosse uma pausa legítima em nossa não singela caminhada pela existência, permitindo-nos esquecer, por quinze dias, todas as aflições, angústias, perplexidades e, mais das vezes, sofrimento, que o simples fato de existir e ter consciência do mundo naturalmente evocam.

Daí, em meu sentir, a importância da frase de Sacchi, exatamente porque ela emoldura uma medida perfeita da relevância do evento: é sim grandioso em emoções, arrebatamento, em beleza estética de espetáculo coletivo, em pujança econômica, de integração (e de oportunidades de melhoria em integração) entre os povos; mas não pode servir como medida de anestesia social geral nacional e mundial, asseverando-se que se a Copa foi boa e vitoriosa está tudo ótimo. Se foi fracassada, está tudo ruim. Como diria o outro (e adoro esta frase): uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

E mais do que isso, querida leitora, querido leitor, a perspectiva da frase alinha exatamente a possibilidade que eu quero desenvolver neste artigo. A de que um campeonato maravilhoso, mas lateral às prioridades humanas do Planeta, pode ser sim um pano de fundo extraordinário de aprendizado, e indutor de bons caminhos e incentivador de desenvolvimento humano. O menos importante servindo ao mais importante (e é exatamente este o mote da conclusão que será travada adiante. Chegaremos lá). E procurarei estabelecer este raciocínio em três legados que a Copa do Catar e outras Copas do Mundo trouxeram. (Não legados físicos, que tantas vezes não vêm; mas legados de aprendizado humano, inclusive para o Natal).

A primeira lição, e talvez mais óbvia, é que as Copas do Mundo e suas histórias de dor e alegria, nos ensinam a lidar com o fracasso e com o sucesso, com a tristeza e com a euforia. Todos nós temos histórias pessoais de convivência com as vitórias e derrotas do Brasil em campeonatos mundiais; e estas perdas e triunfos, olhando para trás, encaixaram-se em nossa trajetória de vida, no caminho que nos trouxe até o dia de hoje. (Quando chegamos à maturidade é que percebemos que a humanidade é forjada dia-a-dia em nossa resiliência em vivenciar o que o mundo e a vida apresentam; e o gerenciamento pessoal destes sentimentos representa a história que contamos de nossa existência).

Eu lembro perfeitamente da primeira grande derrota brasileira na Copa de 1982. Um jogo particularmente triste, pois o Brasil era nitidamente melhor, levou gols por desatenção, e esteve perdendo desde o início do jogo (empatava e logo em seguida levava outro gol). Recordo de minha angústia de menino de achar que viria o gol salvador nos minutos finais. E ele não veio. Tenho a lembrança do pós-jogo, todos na sala do apartamento do meu avô, meio perdidos; lembrança que retornou em cada uma das outras eliminações. Todas com perplexidade, todas com o mesmo sentimento de que tantas expectativas e emoções foram investidas, e agora tudo se foi. (E sempre depois a vida chama, recomeça-se a normalidade e a invenção do cotidiano continua).

Também me lembro da alegria dos títulos de 1994 e 2002. Em 1994, especialmente, pois a Copa coincidiu com o começo de namoro com minha querida esposa Christiane, e o descobrimento da primeira alegria em vitórias mundiais, veio junto com a descoberta do amor verdadeiro e certeiro até hoje e sempre. Celebramos cada vitória juntos, na comemoração coletiva na Praia de Boa Viagem, em Recife. Recordo especialmente da noite do título em que, em carreata, fomos ao encontro da aglomeração, em uma noite de chuva torrencial, que não atrapalhou a festa incontida da multidão. (E depois a vida chama, recomeça-se a normalidade e a invenção do cotidiano continua).

A segunda é uma lição de alinhamento e de planejamento que a Copa incute ainda que temporariamente entre as pessoas. Quanto ao alinhar-se, congregamos, na reunião para um jogo, posições ideológicas antagônicas; visões de mundo diversas; entendedores, não entendedores ou pseudoentendedores de futebol; espectros culturais diferentes; vemos todos se unirem para torcer pela seleção brasileira. Milhares de compatriotas, às vezes sem afinidade alguma, sentam-se juntos e discutem os méritos e deméritos da convocação, da escalação, do sistema de jogo da seleção.

E todos, normalmente de forma construtiva e respeitosa (mesmo com galhofa), estabelecem consensos proativos e diagnósticos precisos (a depender do nível etílico) do que foi bem, do que foi mal e do que poderia ser diferente. (Criando-se, assim um sentimento de que todo este exercício crítico e de alinhamento de cobrança poderia ser estabelecido em outras áreas, exigindo e sindicando políticas públicas em saúde e educação, por exemplo. Que este alinhamento e exigência venham também em outros foros e momentos).

Quanto ao planejamento, não falo só da maravilha organizacional que um evento mundial requer. Do show de transmissões, de segurança, e de excelência. Minha palavra é para o local, para os exercícios extraordinários de gestão de riscos, que cada indivíduo exerce para que não se perca nenhum jogo. Viagens são marcadas com a tabela da Copa; eventos são programados levando em conta os horários do jogo da seleção. Reservam-se bares e restaurantes com antecedência, e os menus dos churrascos preparados e providenciados com calma e precisão.

Tudo para que o momento do jogo seja perfeito; tudo para que esteja tudo a mão. Tudo para que o esforço coletivo seja o mais bem-sucedido, e a epifania do momento perpetuada por mais tempo. (Já pensou se em todos os setores de nossas vidas adotássemos o mesmo rigor do planejamento que utilizamos para assistir os jogos da Copa? Será que teríamos maior excelência de gestão nos aspectos coletivos de nossas vidas? Será que as políticas públicas seriam mais efetivas, e os direitos fundamentais mais respeitados? Fica o questionamento.)

A terceira lição, segue a segunda, na medida em que a Copa do Mundo sempre mostra como os detalhes fazem a diferença (e daí também a importância da perfeita gestão de riscos e do planejamento, exatamente para cuidar destes detalhes). Os títulos são decididos nas grandes e pequenas decisões, individuais e coletivas. Escolha do técnico, opção por mais jogadores de um setor ou outro, capacidade física (questões mais óbvias e abertas) são essenciais.

Mas também são primordiais questões mais específicas, como a escolha dos eventuais batedores de pênaltis e a ordem em que serão colocados (nossa escolha no jogo da Croácia foi definitivamente malsucedida); ter um plano específico se for necessário segurar um resultado (pelo jeito não tínhamos um planejamento bem-acabado neste aspecto, deixando a vitória escapar com um gol de contra-ataque). Contar que contusões podem acontecer e pensar adredemente em opções se isto acontecer (e em certo momento Brasil ficou claramente sem opções).

Cuidar para se estar preparado para cada circunstância do jogo, inclusive para os eventuais reveses que surgirem e ter a força para superá-los. A Argentina, como o Brasil, também estava ganhando da Holanda até o último minuto (que jogada ensaiada, o gol holandês!)  e tomou o empate. Os Hermanos também sofreram empate da França, quando estavam na frente do placar; e não perderam a calma na decisão por pênaltis. Holanda, França e Croácia, mesmo perdendo seus jogos para Argentina e Brasil, mantiveram o controle e buscaram o resultado (sem desespero).

Tiveram a resiliência necessária não se entregar à derrota. Frieza que não percebi na seleção brasileira, pois talvez tenha faltado no caminho, uma preparação psicológica para estes momentos agudos. E, para os grandes desafios, a vitória é multifatorial, e para qualquer elemento que falte, o fracasso se aproxima mais. (Será que temos alguma política pública perdendo excelência exatamente por algum detalhe que não foi levado em conta? Será que estamos perdendo resultado em função de algum risco não considerado? A discussão fica para textos futuros).

Sim, neste ponto o querido leitor e a querida leitora já estão se perguntado: E o que o Natal tem a ver com tudo isso? O que ele tangencia as lições de copa do Mundo? Qual legado da Copa para o Natal? Muita coisa a ser refletida. Primeiro, porque se o futebol é o mais importante dos menos importantes; o Natal, para os cristãos, é a celebração mais importante das questões mais importantes. Segundo, e talvez aí esteja o xis da questão, e a resposta da pergunta, é porque tanto no Natal, como na Copa do Mundo, se percebermos direitinho, a ênfase e toda a alegria está no encontro com o outro.

Veja-se, por exemplo, a alegria do jogador que faz o gol: lógico que ela tem relação com a sensação de sucesso de cumprimento de um objetivo; mas a maior alegria está na catarse coletiva com seus companheiros (ninguém comemora gol sozinho) e principalmente com a torcida (e como eram incompletos os estádios vazios na pandemia). A satisfação proveniente da explosão de júbilo, em muito está em saber da alegria proporcionada a um sem número de pessoas. Ali presentes, e milhões pelo mundo vibrando e festejando pelas ondas do rádio, da TV e da internet...

Do mesmo modo é o Natal, onde o espírito natalino de pregar a paz e a união, e que se revela pela entrega de presentes, gera uma alegria recíproca, no indivíduo, no outro e coletiva. O indivíduo, no ato de dar, de ver o outro feliz, de saber que de sua ação foi gerado um momento de felicidade para outra pessoa. O outro, no ato de receber, de se entender acolhido, de perceber, no presente, que alguém se lembrou de você, e que, mais do que isso, alguém está ali por você, conectado por atos de sentimentos de amor e carinho.

E todos nas vibrações positivas emanadas pelos sentimentos de paz e de concórdia, e do perfeito entendimento de que a humanidade e também a felicidade, começam no indivíduo, mas somente se sustentam no coletivo. (E temos uma plenitude de felicidade maior no Natal, exatamente porque há esta noção de que a felicidade de um reverbera e é combustível para a felicidade do outro. E este é o círculo virtuoso que queremos ver sempre).

Por isso, desejo ao querido leitor e à querida leitora, um Natal de paz e concórdia, com um estrito planejamento de muitas realizações para 2023 (detalhes fazem a diferença), e, principalmente, com um alinhamento social para as questões mais importantes, cobrando e sindicando maior eficiência nas políticas públicas, maior excelência na gestão, melhores resultados em políticas públicas fundamentais como saúde e educação; exigindo maior igualdade e justiça social. Enfim, em tudo que faça a diferença e impacte positivamente na vida das pessoas, em especial, aquelas em vulnerabilidade social.

Tudo porque, aí, teremos a alegria tripla, de nos alegrar com a felicidade do outro, do outro feliz conosco, e de participarmos da construção da felicidade coletiva. E este talvez seja o caminho para a solidariedade que o Natal almeja, e o gol de capa, de placa, de Copa, o presente que todos nós, mesmo às vezes sem perceber, mais ansiamos.

João Augusto Bandeira de Mello é Pernambucano e sergipano, graduado em Engenharia Eletrônica e Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. É Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Sergipe (MPC/SE).

 

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