Artigo: Meus cinquenta anos, estou extremamente feliz - Por João Augusto Bandeira de Mello

27/06/2023 17:11


Artigo: Meus cinquenta anos, estou extremamente feliz - Por João Augusto Bandeira de Mello

 “Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha pra aquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Foi numa noite igual a esta
Que tu me deste o coração
O céu estava assim em festa
Porque era noite de São João
Havia balões no ar
Xote, baião no salão
E no terreiro o teu olhar
Que incendiou meu coração”.
(Luiz Gonzaga e José Fernandes) 

 

Junho é mês de festa. O Nordeste fervilha de alegria e tradição para comemorar os Santos juninos: Antônio, João e Pedro. Os dias, muitas vezes de chuva e meio cinzentos, tornam-se especiais pelo clima de celebração no ar. Confraternizações sob os auspícios do forró se multiplicam. Grandes eventos com artistas renomados acontecem reunindo milhares de pessoas vestindo xadrez e animação; pessoas obstinadamente disputam o melhor espaço para ver e escutar seus ídolos (e quem sabe até conseguir dançar). E aqueles dias que no resto do mundo são somente mais outros dias, no país do Forró são momentos eternos, conectando instantes e pessoas, gerando memórias maravilhosas para toda uma vida.

Nasci em junho. E apesar de não ter muitos dotes de dança (meus amigos dizem que sou fraco de ritmo), não ser particularmente fã de comidas de milho e não ter muita disposição para festas grandiosas e virar madrugadas; sinto-me um privilegiado em ser junino. Primeiro, porque se não nascesse em junho, talvez não fosse João, já que a escolha do nome, segundo meus pais, passou, por um lado, para celebrar São João; e, por outro, para homenagear o querido amigo da família e genial João Cabral de Melo Neto (que junto com Augusto dos Anjos formam meu nome poético).

E gosto muito de meu nome (o que é outro privilégio), pois além de achar que tenho cara de João; acho que ele alia simbolismo, conexão com o divino, com o ancestral e o regional. E é, antes de tudo, um nome simples, e quem me conhece sabe, que sou fã da simplicidade de ritos, de pertences, como filosofia de vida. A simplicidade que visa o essencial. Simples assim.

Segundo privilégio de ser junino, vem de que o seu aniversário, sua celebração de vida, ocorre em meio às bandeirinhas (que brinco que são minhas primas), à música, ao colorido das estampas e à iluminação dos sorrisos que nos envolvem nesta época do ano. É muito legal conectar sua festa pessoal à festa coletiva. Como dizem minhas filhas, o modo “party” está no ar e está “on”. E este congraçamento geral em prol de comemorações, demonstra de forma ainda mais evidente, que sua festividade pessoal acaba por ser, ao fim e ao cabo, um festejar de pertencimento, de integração e de altruísmo dos outros para contigo. (E que sempre se canta parabéns para você, e nunca parabéns para mim...)

Sendo que tudo foi ainda melhor este ano, quando, além dos auspícios juninos, meu natalício incorporou uma data redonda: meus cinquenta anos, comemorados dia 20 de junho próximo passado. Somei, portanto, à festa anual do aniversário com tempero junino, a comemoração de meio século de vida. E, em meio ao abraço dos amigos, do estar junto (que é o único sentido da celebração), muitos me perguntaram, brincaram e filosofaram sobre o significado destes cinquenta anos. E eu, muito longe de qualquer lamento sobre a inexorável passagem do tempo, somente posso dizer que estou extremamente feliz. E explico.

Inicialmente, começando pelo óbvio, porque se estamos comemorando 50 anos, é porque estamos vivos; e como considero a vida o maior presente divino, e a maior oportunidade de tentar contribuir, ainda que modo absolutamente singelo para a evolução da humanidade; isto tem que ser destacado e festejado. (Lembrando que a única alternativa a obstar o passar dos anos, é muito mais traumática e disruptiva...)

Depois, porque, as pesquisas demonstram sim que, em média, os cinquentões são muito mais felizes do que os jovens ainda no início da vida. Pode-se, em um momento inicial, achar isto estranho, pois logo vem à mente os azedumes da meia-idade, como aquela azia corriqueira depois do jantar, ou a dor nas costas ao acordar, ou o desânimo para ir àquela festa que adentrará na madrugada; tudo em contraponto ao furor dos jovens que desafiam noites sem dormir, hambúrgueres com batatas fritas, mistura de bebidas e viajar sem levar um remédio sequer...

Por outro lado, e aí que reside a explicação: o homem ou a mulher aos cinquenta, diferente dos muito jovens, em vez de ver à frente um sem número de páginas em branco, que trazem enorme angústia e ansiedade para preenchê-las; nesta altura da vida, o ser maduro já tem muitas obras para se orgulhar, como por exemplo (dentre outras e não necessariamente todas e nesta ordem): casamento, filhos, carreira, bens, prazeres, histórias, conhecimentos...

E com o tempo até mesmo aprendemos valorizar as dores, e os erros, os desacertos, pois são os percalços que afiam e afinam nossa capacidade de ver, escolher ou retomar o caminho certo, aperfeiçoando nossos passos na estrada que medeia o onde estamos até os nossos sonhos e objetivos.

E, mais do que isso, acho que aos cinquenta anos, já temos a maturidade necessária para abstrair os “tem que” sociais, ou seja, o tem que ir à festa, tem que estudar tal coisa, tem que comprar imóvel em tal bairro, tem que ver tal filme, tem que se vestir desta ou daquela forma. Há uma maior percepção do que realmente queremos, e daquilo que fazemos exclusivamente para agradar os outros, e que, se fizermos, não se conseguirá agradar de qualquer jeito. (As expectativas alheias são sempre infinitas...)

Furamos a bolha, saímos da Matrix, e nos concentramos na busca da real felicidade, que, como já escrevi em outra coluna neste Radar, tem muitos mais a ver com paz, do que com folia; tem muito mais relação com constância do que grandes e episódicos eventos; tem muito maior relação com a harmonia consigo mesmo e com o outro, do que bens em profusão, ou títulos nobiliárquicos, de poder ou acadêmicos.

É saber extrair o melhor do passado, para viver com serenidade o presente e demonstrar confiança com o futuro. Exatamente (e voltando para o início do texto e para a temática junina) como foi cantada com maestria, pelo sempre atual e inesquecível Luiz Gonzaga na música Olha para o Céu acima transcrita. Repare que a música exalta o presente, a partir de uma recordação de um passado que ilumina, explica e desencadeia o instante de felicidade atual. Note-se que o  compositor não está preso a um passado saudosista. Ele lembra o ocorrido com felicidade para magnificar a beleza do aqui e agora

Sendo certo que fazer a conexão do passado com o presente de modo alegre, talvez seja o principal passo para fazer a conexão do presente com o futuro de modo alvissareiro. Ou seja, não se está amarrado a um passado que paralisa (e que pode gerar depressão), nem lançado a um futuro que gera ansiedade e angústia (e que também pode gerar depressão). Na música, o apaixonado da letra espraia seu amor pelo passado, presente e futuro. Está em paz, está em júbilo, está em festa, verdadeiramente usufruindo o privilégio da vida.

E é assim que me sinto ao comemorar meus cinquenta anos: como disse, extremamente feliz. E, neste ponto, trago mais uma vez a arte do grandioso Luiz Gonzaga, que, em apresentação nos idos de 1972 (ou seja, antes de eu nascer) foi maravilhoso ao reconhecer:

"Eu sou um caboclo feliz. Se eu nascesse de novo, eu queria ser o mesmo mané Luiz. Se eu nascesse de novo e pudesse escolher, mais do que eu sou não queria ser. Eu queria nascer na fazenda da Caiçara, lá em Exu, Pernambuco, bem na divisinha com o Ceará.

 (...) Quando eu ficasse taludinho assim eu queria logo comprar uma sanfona pra ajudar meu pai nos toque, lá nos forró. Eu queria era ser fio de Januário mesmo e de dona Santana! Mais do que eu sou não queria ser, não sinhô.(...) E se eu nascesse de novo e pudesse escolher, quando chegasse o dia... 24 hoje, né? 24 de março de 1972, a essa horinha mermim, "cês querem saber onde que eu queria estar? Era aqui. Com vocês, no Teatro Tereza Raquel, enrolando vocês na conversa, contando essa história (...)”

E igualzinho ao mestre Gonzaga, estou pleno de felicidade, pois estou exatamente onde gostaria de estar. Estou no que tinha de ser, sem prejuízo de toda a abertura para outras possibilidades de onde eu possa estar. E por isso me orgulho muito de tudo que caminhei, tudo que vivenciei, tudo que construí, e que me trouxe até aqui.

 E, mais do que tudo, sou muitíssimo grato a todos que me conectei (como diria Arnaldo Antunes, “seu olhar melhora o meu”). Pois foram precisamente as conversas, os conselhos, o aprendizado, as dissensões, os elogios e as críticas, que ampliaram meus horizontes, permitindo um envelhecimento com evolução, e moldando, a cada desafio, conquista ou decepção, o ser humano que sou hoje. E assim, nada mais justo do que compartilhar a celebração (e meu agradecimento) de meus 50 anos, com todos e todas cujos olhares cruzaram com o meu e fizeram mais profundo e largo meu olhar para o mundo,

E, neste mister, faço um registro especial a minhas queridas leitoras, e meus queridos leitores, que, de forma generosa, fazem meus dias especiais a cada leitura. Por isso, sob um céu estrelado, com a vista adornada de fogos, bandeirinhas e fogueiras, humildemente rogo que venham muito mais junhos trazendo aniversários felizes; ou melhor ainda, lembrando Alice no País das Maravilhas, que venham muitos outros meses de desaniversários felizes. Mas aí, sobre celebrar o cotidiano no dia-a-dia, isto já é tema para um outro artigo...  Muito grato a todas e todos pelo carinho, abraços.

 João Augusto Bandeira de Mello, advogado e procurador-geral do Ministério Público de Contas  

 

 

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