A AÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS E A INELEGIBILIDADE

19/05/2019 13:20


A AÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS E A INELEGIBILIDADE

Após a edição da “Lei da Ficha Limpa” as Cortes de Contas ganharam especial destaque na prevenção e repressão à corrupção, podendo suas decisões colegiadas tornarem inelegíveis os gestores assim sancionados. Não obstante isso, verifica-se, com frequência, que gestores outrora condenados e inelegíveis são indicados para cargos comissionados com a responsabilidade de ordenação de despesas. Examinando esta questão é necessário transcrever os dispositivos legais atinentes à matéria:

LC n° 64/90

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

  1. g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa,e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada peloPoder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;       (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

 

Lei n° 9.504/97

Art. 11.  Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições.

(...)

§ 5º Até a data a que se refere este artigo, os Tribunais e Conselhos de Contas deverão tornar disponíveis à Justiça Eleitoral relação dos que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível do órgão competente, ressalvados os casos em que a questão estiver sendo submetida à apreciação do Poder Judiciário, ou que haja sentença judicial favorável ao interessado.

Primeiramente, convém salientar que, embora seja usual citar que as Cortes de Contas encaminham “lista de inelegíveis” à Justiça Eleitoral, é pacificado na doutrina e na jurisprudência que os Tribunais de Contas apenas têm competência para enviar um compilado, através de relação, das contas julgadas irregulares por decisão irrecorrível, sendo a competência para análise sobre a inelegibilidade somente da Justiça Eleitoral ou pelo Poder Legislativo pertinente que aceitando o parecer dos Tribunais de Contas pela rejeição das contas anuais dos gestores responsáveis, também pode torna-los inelegíveis.

Fica claro esse entendimento ao se analisar o dispositivo legal da matéria, alhures transcrito, com a interpretação que é dada pelo Judiciário, inclusive pelo STF, uma vez que trata de inelegibilidade de quem possuir “contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente”. Observa-se, nitidamente, que a competência para decidir se o ato configura ou não ato de improbidade administrativa é da Justiça Eleitoral, pelo que a relação de contas julgadas irregulares não gera automaticamente a inelegibilidade, sendo apenas de natureza declaratória. Nesse sentido, a jurisprudência é uníssona:

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. INELEGIBILIDADE. CONTAS DO ADMINISTRADOR PÚBLICO: REJEIÇÃO. Lei Complementar n. 64, de 1990, art. 1., I, "g". I. - Inclusão em lista para remessa ao órgão da Justiça Eleitoral do nome do administrador público que teve suas contas rejeitadas pelo T.C.U., além de lhe ser aplicada a pena de multa. Inocorrência de dupla punição, dado que a inclusão do nome do administrador público na lista não configura punição. II. - Inelegibilidade não constitui pena. Possibilidade, portanto, de aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Compl. n. 64/90, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. III. - A Justiça Eleitoral compete formular juízo de valor a respeito das irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas, vale dizer, se as irregularidades configuram ou não inelegibilidade. IV. - Mandado de segurança indeferido.
(STF, MS 22087, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 28/03/1996, DJ 10-05-1996 PP-15132 EMENT VOL-01827-03 PP-00444)

SEGURANÇA. LISTA DE INELEGÍVEIS ENCAMINHADA AO TRE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA CONCLUIR SE HOUVE IRREGULARIDADE. COMPETÊNCIA JUSTIÇA ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA EXTINTO. SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. INCOMPETÊNCIA JUSTIÇA ESTADUAL. A inclusão na lista de gestores com irregularidades não necessariamente acarreta em sua inelegibilidade, mas apenas e simplesmente ilustra a situação irregular das contas apresentadas, cabendo à justiça eleitoral avaliar se resultarão em inelegibilidade, ou seja, a eventual inelegibilidade não é consequência da inclusão na lista, mas sim de avaliação da justiça especializada. 3. Ministério público opinou pela extinção do feito sem julgamento do mérito. 4. Mandado de Segurança extinto sem julgamento de mérito. (TJ-AM - 40027600720168040000 AM 4002760-07.2016.8.04.0000, Data de publicação: 21/08/2017)

 

Quanto ao tema, também necessário evidenciar que no RE n° 848.826-CE[1], ao qual foi atribuído Repercussão Geral, discutiu-se no Supremo Tribunal Federal se, para fins da inelegibilidade prevista no art. 1°, I, g, da LC n° 64/90, é suficiente a existência de pronunciamento do Tribunal de Contas que rejeita as contas do Prefeito que age como ordenador de despesas, em sede de recurso contra decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Por maioria do STF e vencido o relator, o STF decidiu pela negativa. Prevaleceu, portanto, o posicionamento dos ministros que entenderam que a Constituição Federal optou por atribuir a competência para julgamento dos chefes do poder executivo, inclusive prefeitos municipais, ao Poder Legislativo, não se fazendo distinção quanto à natureza das contas apresentadas, se de gestão ou de governo.

Contudo, na tese fixada em Repercussão Geral, o plenário do Pretório Excelso restou consignado que “para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, a apreciação das contas de prefeito, tanto as de governo quanto as de gestão, será exercida pelas Câmaras Municipais, com o auxílio dos Tribunais de Contas competentes, cujo parecer prévio somente deixará de prevalecer por decisão de 2/3 dos vereadores” .

Da leitura da tese firmada, vê-se que não há outra interpretação a não ser a de que, somente para fins de análise de inelegibilidade, deve-se aguardar o julgamento dos Prefeitos pelas Câmaras Municipais, tanto nos casos de contas de governo, como para as contas de gestão, caso dos que atuam como ordenadores de

despesas. Assim, percebe-se que não houve alteração de competências e atribuições das Cortes de Contas, mas somente fixação de tese de entendimento no tocante à análise da inelegibilidade, que é feito pela Justiça Eleitoral, e não pelos Tribunais de Contas.

Ainda, destaca-se que, de acordo com o art. 31, § 2°, da Constituição Federal, “o parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal”. Nesses casos, não havendo decisão de 2/3 dos membros da Câmara Municipal, prevalece o parecer prévio do Tribunal de Contas, sendo esse último o que será analisado para fins de inelegibilidade pela Justiça Eleitoral.

Constata-se, destarte, que não cabe aos Tribunais de Contas a análise sobre a inelegibilidade, como demonstrado. Contudo, sendo declarada a inelegibilidade pela Justiça Eleitoral ou pelo Poder Legislativo é possível a indicação de pessoa assim declarada para exercício de cargo em comissão com responsabilidade de ordenação de despesa?

Nesse ponto, nota-se que não se vislumbra vedação à nomeação de servidor inelegível para cargo em comissão na Lei da Ficha Limpa ou na Constituição Federal.

Entretanto, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição n° 284/2013, com objetivo de alterar “o inciso I do art. 37 da Constituição Federal, para vedar a designação para função de confiança ou a nomeação para emprego ou para cargo efetivo ou em comissão de pessoa que esteja em situação de inelegibilidade”.

Verifica-se que a referida proposta tem por objetivo garantir a probidade e a moralidade públicas na nomeação tanto de cargos efetivos quanto de cargos em comissão, em respeito aos ditames constitucionais, o que, inclusive, já encontra amparo em algumas decisões judiciais[1] e em leis estaduais e municipais[2], tais como o Estado do Rio de Janeiro (Emenda à Lei Orgânica n° 50/2011 e Lei Complementar n° 143/2012), o município de São Paulo (Emenda à Lei Orgânica n° 35/2012) e o Distrito Federal (Emenda à Lei Orgânica n° 60/2011). Em suma, os Tribunais de Contas em suas decisões não podem declarar inelegibilidade do gestor, esta cabe ao Judiciário ou às Câmaras Legislativas ou às Câmaras Municipais, como se vê na ementa do acórdão do RE 848826/2017.

 

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