Garantismo Penal e a Razão no Processo Decisório da Modernidade - Parte 1

25/06/2019 15:20


Garantismo Penal e a Razão no Processo Decisório da Modernidade - Parte 1

Partindo-se do pressuposto de que “O homem é a medida de todas as coisas” vê-se que esse precisa viver em sociedade. Toda sociedade para harmonizar os indivíduos que a compõe tem de ser submetida a sanções pela conduta considerada socialmente imprópria, daí a existência das penas desde os tempos imemoriais e primitivos como uma forma de promover a convivência social. Contudo, com a evolução da sociedade, as penas também evoluíram e foram reformuladas.

Existiram, a título de exemplo, penas cruéis, que se dividem em penas de morte, de açoites e mutilação, os castigos corporais e outros diversos tipos de repressão penal. Havia também a pena de perda do patrimônio que alcançava os descendentes do infrator, pois a pena ia além da pessoa do condenado e não tinha o caráter personalíssimo que tem hoje. No Brasil, Tiradentes foi condenado pelo crime de Lesa Majestade, sua pena foi cruel e chegou até à pessoa de seus descendentes.

Antes mesmo da vingança privada, houve a época do vínculo totêmico, em que se acreditava na ligação entre os indivíduos pela mágica e pelo místico e, caso não ocorresse punição ao autor de um delito, os Deuses enviariam pragas, chuvas, terremotos, vulcões em erupção, sendo que as sanções eram desproporcionais e não tinham ainda o caráter punitivo que viria a nascer posteriormente.

Após a época do vínculo totêmico, segue-se a vingança privada ou vínculo de sangue, em que a própria comunidade se dirigia ao autor da conduta criminosa, configurando-se o que se entende de “fazer justiça com as próprias mãos”. Daí surge a lei de Talião, como ferramenta moderadora da pena, onde se aplicava ao infrator o mesmo mal que ele tivesse causado à vítima, de forma proporcional. Nesta mesma linha, não se pode deixar de mencionar a adoção do código de Hamurabi, da Lei das XII Tábuas, do Código de Manu e etc. Vale frisar a relevância e o reflexo evolutivo na história do Direito Penal a partir da lei de Talião em razão da mesma estabelecer limites e critérios para a punição. As penas passaram a ser desproporcionais e geraram maior violência, razão por que surge a terceira fase chamada de vingança pública, onde se escolhia um terceiro para solução do conflito, que geralmente eram os líderes das tribos, de clãs, sendo estes chamados de Pretor. Pela ausência de conhecimentos técnicos, assim como pela falta de parcialidade, as decisões favoreciam das pessoas detentoras de posses.

Mais adiante tem-se a composição que estabelecia a possibilidade de o ofensor comprar sua liberdade, com dinheiro, gado, armas, etc. e sua aplicação estendeu-se entre os povos babilônicos, hebreus, indianos e ainda no Direito Germânico, incluindo indenizações cíveis e multas penais.

Vários pensadores analisaram as razões e formas de penalidades existentes e, por consequência, passaram a estudar concepções mais pedagógicas da pena. A título de registro histórico, tem-se a figura do sofista Protágoras, na Grécia Clássica, que examinou tais formas de penalização, pois para ele o castigo tinha como finalidade a correção do homem infrator. Acreditava-se ainda que a virtude pode ser ensinada e aprendida. Sendo o homem portador de inteligência, pode ele aprender a virtude. Para Sócrates, opositor ferrenho dos sofistas, não dependia do esforço humano tornar os homens bons.

A ideia que preponderou por muito tempo foi de que a pena e o crime são forças e que a primeira não dá para ser explicada por teorias jurídicas.

A “virtude aristotélica” defendia que a pena e o crime devem estar interligados à procura de uma justa medida, onde a ponderação deve ser aplicada.

Importante destacar a dualidade existente na idade média entre a religião e o Estado (pecado e crime). Logo, a pena visava punir o aspecto moral da conduta, ou seja, o pecado. Eram aplicadas penas de forma cruel e desumana aos plebeus e penas de forma branda (multas) aos nobres, cuja responsabilização penal era mitigada.

A modernidade trouxe diversas transformações atreladas ao modelo estatal em que a razão e o arbítrio apresentaram maior valoração e destaque. O homem, produtor desta modernidade, deixou de ser conduzido por uma divindade dando lugar ao pensamento racional. Há uma transição do teocentrismo para o antropocentrismo. O homem natural passa, neste contexto, para a condição de indivíduo.

Na atualidade, a Carta Maior de 1988 salvaguarda os direitos fundamentais de cunho principiológico e penal, que foram essenciais para assegurar maiores garantias ao cidadão, evitando-se assim que as sanções, mesmo de natureza penal tenha respeito à dignidade da pessoa humana, reduzindo-se o nível de arbitrariedade, com base numa razão proporcional intimamente ligada ao garantismo penal, que deverá observar uma adequação do Poder punitivo do Estado em relação à liberdade do indivíduo.

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