Garantismo Penal e a Razão no Processo Decisório da Modernidade - Parte 2

28/06/2019 14:41


Garantismo Penal e a Razão no Processo Decisório da Modernidade - Parte 2

O Direito Penal é fruto de diversas transformações filosóficas, jurídicas e sociais e será passível de outras, conforme o caráter histórico de evolução social. Seria razoável abolir o Direito penal, utilizar a sua aplicação mínima e extinguir as prisões? Haverá uma resposta satisfatória quanto a forma de punição do Estado em relação aos fatos puníveis, sem se chegar ao arbítrio? Como se falar em arbítrio diante de uma realidade democrática insculpida em uma Constituição Cidadã?

A percepção de que o homem vive diante de um universo de fatos não compreendidos inteiramente e fora de controle, gera a ideia de que não se pode obter um conhecimento ordenado sobre o aparelhamento social. Para analisar o fenômeno, não basta inventar novos termos, deve-se olhar novamente para a natureza própria da modernidade que é plena de perigos. Essa constatação tem contribuído para a perda da crença no progresso e, por consequência, para alterações ou mesmo perdas de narrativas da história.

 A racionalidade, decorrente da modernidade, causou a transformação do homem em seu próprio servo, visto que a própria instituição do capitalismo não teria efetivamente se desenvolvido sem o uso da razão. Com o advento do Iluminismo (era da razão), o Século das Luzes, os intelectuais da época se mobilizaram no sentido de promover uma reforma social, mormente quanto aos abusos da Igreja e do Estado. Tal movimento trouxe novas ideias que repercutiram além Europa, na Declaração de Independência dos Estados Unidos e na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, esta que teve repercussão global, divisor de águas da história. Tudo isso resultando num Direito Penal mais humanitário, liberal, laico, longe das amarras do catolicismo. Observa-se que, na Revolução Francesa, a burguesia, ao romper com o regime absolutista da época, lutou por Direitos, dentre estes o Direito à Liberdade, direito de primeira geração que parte da premissa de o Estado dever intervir o menos possível na vida privada, refletindo, portanto, na intervenção maior do Estado na sociedade e no Direito Penal. Nomes importantes como Espinosa, Locke, Montesquieu e Voltaire muito contribuíram para a eclosão desta grande transformação política e social.

O Marquês de Beccaria escreveu “Dos Delitos e das Penas”, obra que se perpetuou até os dias hodiernos por criticar toda uma ordem de atrocidades das penas aplicadas até então, como: tortura, pena de morte e infamantes e toda a sorte de desigualdades. Na verdade, ele advogava a legalidade, a proporcionalidade das penas aos delitos, afirmando que o direito de punir deveria ter uma utilidade social, a humanização das penas, a publicidade dos processos, como também a separação do poder judiciário do poder legislativo.

Beccaria acreditava que só boas leis poderiam impedir os abusos. Também se apoiou na ideologia do Contrato Social, desenvolvida por Rousseau, cuja finalidade da pena era evitar a repetição do ato criminoso pelo delinquente e por outros cidadãos, através da certeza da punição e não pelo rigor da Lei. Deste modo, o indivíduo passa a ser figura preponderante em relação ao Estado, pois esse nada mais é que um instrumento para o indivíduo que o compõe. Assim, novos caminhos estavam sendo abertos para garantir igualdade e justiça à humanidade. A pena passa a ter um caráter utilitarista, ou seja, a pena deve ser aplicada levando em consideração o bem de todos (coletivo) e deve prevenir para que o agente não volte a delinquir, entendimento defendido por Jeremy Bentham e Stuart Mill. A contrário sensu, Kant e Hegel defendiam não ser concebível punir o homem como método para procurar outro fim, ou seja, o fim da criminalidade.

Para Kant, o criminoso precisava reconhecer o quanto vale aquilo que fez. A pena seria absoluta (não estaria ligada a nada). Defendia suas ideias com base no imperativo categórico em que a pena seria cumprida por acreditar-se nela e não apenas por imposição da mesma.

Para Hegel, a pena é castigo e tem função reativa, metodológica e dialética (negação – tese – síntese – antítese). Relaciona pena e crime. O crime nega o direito e a pena nega o crime e restaura o direito. O princípio da taxatividade ganha destaque na fase do iluminismo, isto é, só haverá crime quando a conduta estiver emoldurada dentro do tipo penal, sendo que este deve estar previamente disposto em lei (nullum crimen sine previa legem). Neste contexto, relevante foi a escola clássica para o direito penal, visto que foram sistematizados os institutos penais da imputação da pena, da culpabilidade, dentre outros, ainda hoje utilizados na atualidade. O crime e o criminoso não eram os focos principais desta escola. O livre arbítrio foi rejeitado, mas defendiam um homem livre e determinista (determinismo biológico e determinismo social). Os maiores expoentes foram Carrara, que desenvolveu um programa de direito criminal, com pressupostos do crime e da culpabilidade do agente, e Feuerbach que criou o Código Penal da Baviera (1813), dando suporte ao princípio da legalidade.

Com tais assertivas acerca das Escolas Penais vê-se que esses estudos foram fundamentais para a teorização do arcabouço penal que existe nos tempos hodiernos. Ato contínuo relevante tratar das teorias da pena (absoluta e relativa). Destaque-se a função da Teoria absoluta (exerce a pena como castigo atributivo) e da Teoria Relativa (pena com caráter preventivo).

A Teoria Preventiva, mais necessária para o reforço da temática em estudo, abordava a pena como um projeto de transformar e melhorar o indivíduo. Tem-se: a prevenção especial que se dirige àquele indivíduo infrator; a prevenção geral que se dirige a toda a comunidade e pode ser negativa e positiva, sendo a primeira como elemento de ameaça e coerção psicológica, e a segunda consistindo no resgate do sentimento de realidade do direito, sendo um instrumento de reafirmação deste último, e foi defendida posteriormente por Günther Jakobs da escola funcionalista radical.

É cediço que não há consenso sobre a questão da pena. Trata-se de um tema aberto. A dogmática jurídica não consegue definir a pena como prevenção ou castigo. Há ambiguidade de posicionamentos. Enfim, a pena não dá para ser explicada apenas pelas Teorias Jurídicas. A questão central da pena é a impunidade.

Há de se mencionar ainda o funcionalismo moderado defendido por Roxim que tinha o direito penal como fim eminentemente preventivo.

A escola cartográfica afirmava que o crime deve ser analisado por meio de estatísticas, em razão de ser um fenômeno concreto. Neste mesmo período surgiram como expoentes Lombroso, Ferri e Garófalo, defensores da escola positivista. Tal corrente via o homem como um ser pré-determinado e considerava o criminoso como um doente que precisava ser tratado (aplicação da medida de segurança). Acreditavam que o homem não age por livre arbítrio, mas que há na sua ação a influência de fatores endógenos (hereditários) e exógenos (sociais).

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