Casamento, controle, gestão pública e Ubuntu

12/07/2019 13:10


Casamento, controle, gestão pública e Ubuntu

Não, caro leitor (e digo logo para evitar confusão), a ligação do casamento do casamento e o controle neste texto não é pela via da fiscalização e coerção; em estipular horários e limites, que são verificados ao som (e muitas vezes imagem) de brigas e disputas. Não é isso. A ligação que quero entre casamento e controle é pela via da construção, da construção de um futuro auspicioso (para o casal, para os filhos, família, amigos e sociedade). E daí - Ubuntu (o que é Ubuntu?). Vejamos como isto funciona, a começar pela própria cerimônia em si.

 Realmente, o comprometimento de um ser humano para com outro é imemorial, como também remonta aos primórdios, as cerimônias de casamento, que hoje, com as tradicionais festas, traduzem um verdadeiro espetáculo de organização e de amor.

Imagine que não é simples acomodar duzentas, trezentas pessoas, normalmente para dois eventos - uma cerimônia religiosa e uma festa -; fazendo-se toda a devida sincronização para que celebrante, noivos, pais dos noivos, padrinhos compareçam no horário. Para que a estrutura do evento aconteça a contento (com música, decoração e até antes, com os convites). Para que a festa seja agradável e inesquecível aos convidados (serviço de buffet, doces, nova decoração, banda, segurança...).

Ou seja, cada festa de casamento que testemunhamos, com toda esta complexidade, é um evento que começa muitos meses antes. E as maravilhas que usufruímos, são resultado de um intenso trabalho de coordenação e planejamento, que é construído aa partir de um consenso alinhado pelos noivos (normalmente pela noiva, kkk) que conseguem partilhar seus sonhos com todos os profissionais envolvidos, gerando um clímax de espetáculo com a cerimônia e a festa de celebração.

E toda esta celebração, em casamentos felizes, espraia-se também pela vida do casal; sendo certo que esta felicidade também não é fruto de um acaso afortunado; mas sim resultado de um comprometimento recíproco, um misto de amor, planejamento e trabalho árduo, onde o “dar certo” é apenas a face visível da plenitude de entrega de dois seres humanos que prometem para si e para o outro, construir um caminho único, e, mais do que isso, chegarem ao final deste caminho juntos.

Consenso, compreensão, fusão de horizontes, ver o mesmo futuro, trabalhar com os mesmos valores, ter os mesmos pontos de partida e chegada. Alinhamento, mesmo quando há dissonância de ideias. Estar junto, mesmo havendo concepções opostas. Uma união alinhavada pelos mesmos propósitos, amor e carinho.

Certo, mas e o controle e a gestão pública? O que têm a ver com casamento? Muita coisa, exatamente porque um dos maiores problemas do gerenciamento da coisa pública é exatamente a atomização dos ideais, ou seja, um total desalinhamento de propósitos, no âmbito do serviço público.

E como isto se revela? No simples de fato de cada caixinha do organograma de uma determinada Secretaria, Departamento, Diretoria ou Autarquia somente pensar em seus objetivos ou seus fins, analisando estes fins e objetivos desvinculados das metas maiores do ente Municipal ou Estadual. Setor de pagamentos somente pensa em pagamentos, compras somente pensa em compras, atendimento em atendimento, serviços gerais em serviços gerais. E o todo? A visão sistêmica?

Ou ainda, cada Secretaria somente pensar em seu quinhão, e todos se esquecendo que não se faz Saúde, sem Educação; que não se faz Turismo sem Segurança; que não se faz Assistência sem Finanças; e que não se faz nada sem Planejamento e Controle.

E aí, temos que gestão pública sem alinhamento, é como um casamento sem comprometimento e sem amor: revela apenas (citando Millôr Fernandes) um conjunto de duas pessoas com a chave da mesma casa...

Muito bem, mas e como resolver isto? (Estamos em uma época em que já conhecemos grande parte dos problemas, precisamos, portanto, de descobrir as soluções). Qual poderia ser o fio condutor de alinhamento na gestão pública, que leve a melhores e mais eficientes resultados?

Entendo que este elo de união pode ser exatamente o Controle Interno. E por quê? Porque é exatamente o Controle Interno o elemento de gestão que se espraia por toda a Administração Pública para verificar o cumprimento dos procedimentos legais (face mais comum) e para avaliar o cumprimento de todas as metas relativas aos programas de governo (face menos usual, mas que precisa mais ativada e compreendida).

Ou seja, tendo liberdade e estrutura para agir como deve agir, o Controle Interno representará um elo de união para todos os objetivos do ente público. E sendo estes objetivos bem discriminados e legitimados pela Sociedade, teremos maior possibilidade de cumprimento dos anseios sociais. E mais do que isso. Temos maior possibilidade de alcançar uma maior congruência e representatividade do mandato político dado ao Governador ou ao Prefeito, com as aspirações da população que foi às urnas. (E daí: consenso, alinhamento de ideias, parceria de propósitos, crescimento social conjunto. E mais uma vez - Ubuntu).

Deixei propositalmente para o final, a explicação do termo Ubuntu (para aqueles que eventualmente não estejam familiarizados com o mesmo). Ubuntu é um conceito filosófico da cultura africana, que significa “Humanidade com os outros”; denotando que a essência humana somente se completa e aperfeiçoa em uma noção de solidariedade e de conjunto. A união faz a força. É impossível ser feliz sozinho (grande Tom Jobim).

É famosa a fábula africana de que foi proposta uma corrida a uma série de crianças, para que ao vencedor fosse outorgada uma cesta de doces. Ao ouvir a partida para que a corrida começasse, todas as crianças deram as mãos e correram juntas em direção à chegada. Indagadas do porquê daquilo, elas explicaram que não tinha sentido uma delas ganhar o prêmio sozinha. Que não poderia haver prazer e felicidade em vencer e usufruir do prêmio em uma conquista individual. Ou seja, que a suprema e verdadeira felicidade é sempre coletiva. Os doces para todos. Todos felizes. Ubuntu.

Finalizando, uma certeza que cada um de nós pode trazer consigo, é que podemos ser melhores dia após dia. Seja no nosso microcosmo familiar (alinhando consensos e procurando ser um agente de felicidade para nossos pares, filhos e parentes); seja como integrante da Sociedade (por meio de agendas comuns fazendo sempre uma conexão empática com o outro); seja como indutores da boa gestão pública (e controles internos estruturados são imprescindíveis, como fio condutor de uma unidade administrativa); seja como nação (tendo o interesse coletivo como foco exclusivo da atuação pública). Ubuntu, nesta medida é possível. Para tanto, devemos cobrar, mas mais do que isso, devemos fazer acontecer (e fazer deste conceito uma decisão de vida). Até porque, lembrando este momento de chuvas, estamos todos no mesmo barco (E cabe a nós levar este barco a um porto seguro e feliz).

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