ARTIGO: breves comentários sobre as agências reguladoras

12/08/2019 18:13


ARTIGO: breves comentários sobre as agências reguladoras

As agências reguladoras foram criadas no Brasil com o escopo de controlar e regulamentar os serviços públicos e as atividades econômicas específicas que passaram a ser ofertados pela iniciativa privada. A criação dessas agências foi resultado da implementação do Programa Nacional de Desestatização (instituído pela Lei 8.031/1990, substituída pela Lei 9.491/1997).

O Estado, após um grande ciclo de intervenção direta na economia, constatou a sua ineficiência na prestação de alguns serviços e, a partir daí, foram postas em prática uma série de medidas visando a diminuição de suas funções, tais como a abertura da economia ao capital estrangeiro e, principalmente, a transferência da execução de serviços públicos à inciativa privada. 

Com a falência do liberalismo e do Estado social como modelos político-econômicos aptos a fornecer todas as necessidades sociais a cargo do Estado, seja do ponto de vista econômico ou do ponto de vista social, desenvolveu-se uma terceira via, na qual buscou-se incorporar as melhores qualidades do liberalismo –  no que tange à sua qualidade de produtor de bens e de prestador de serviços, garantindo, deste modo, o desenvolvimento tecnológico – e do Estado social – por meio da intervenção moderada do Estado, em especial a intervenção indireta na economia –, formando um conjunto híbrido, derivado daqueles tipos ideais ou puros. 

No Estado regulador, a Administração se coloca enquanto orientador das atividades econômicas executadas pelos particulares e de prestador de atividades econômicas de segundo escalão, consubstanciado no princípio da subsidiariedade que se infere do art. 173 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), na qual o Estado só prestará diretamente as atividades econômicas quando houver relevante interesse público ou por necessidade de se preservar a segurança nacional. 

Quanto à função regulatória dos serviços públicos, costuma-se dizer que a Administração realiza uma atividade executiva, uma “quase legislativa” e uma “quase judicial” (JURUENA, 2008, p. 3). O objetivo inicial da regulação dos serviços é o fomento da competição harmoniosa, que traga benefícios aos usuários (ou consumidores), como a melhoria na prestação do serviço e o acesso mais amplo aos serviços e às informações. Quando não é possível a competição, a atenção se volta para a repressão da formação de monopólios e oligopólios.

A função regulatória adquire finalidade diferenciada quando a regulação é da atividade de polícia administrativa. Diferentemente da regulação dos serviços públicos, em que se busca ampliar a concorrência para melhorar, expandir e baratear a prestação do serviço público, aqui a finalidade é “prevenir o abuso, mas não necessariamente garantir a modicidade, que é imperativo nos serviços públicos, porque esses, por lei, foram reconhecidos como indispensáveis à evolução da sociedade enquanto tal” (JURUENA, 2008, p.8).

Nos Estados Unidos da América, a Administração Pública é toda baseada no conceito de agências. Existem, contudo, algumas distinções entre as agências lá existentes. A primeira distinção observada é entre as regulatory agencies (agências reguladoras) e as non regulatory agencies (agências não reguladoras). Enquanto as primeiras têm poder normativo delegado pelo Congresso Nacional para tratar de matérias técnicas e setoriais, a última não possui esse tipo de competência. A segunda distinção existente é entre as executive agencies (agências executivas) e as independent regulatory agencies or comissions (agências ou comissões reguladoras independentes). Neste caso, a diferença reside no fato de que, na primeira, os seus dirigentes são livremente destituídos do cargo pelo Presidente da República, enquanto na segunda têm a exoneração condicionada às razões previstas na legislação.

Na criação das agências reguladoras o legislador pátrio se inspirou no modelo norte-americano, prezando pela sua ampla autonomia atribuída àquelas – diferentemente dos modelos de autarquias com competências reguladoras que já existiam no País até então, como, por exemplo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE (existente desde 1962 e restruturado com a Lei 8.884/1994 e, mais uma vez restruturado pela Lei 12.529/2011).

Essas agências estatais são classificadas pela doutrina como autarquias de caráter especial, pois possuem como característica principal sua autonomia (político-administrativa e econômico-financeira) reforçada pela impossibilidade de exoneração ad nutum dos seus dirigentes, salvo em casos específicos. O conceito de autarquia é extraído do art. 5º, I, do decreto-lei nº 200/67. Desta forma, as agências reguladoras, enquanto autarquias, são definidas como pessoas jurídicas de direito público interno, que integram a administração indireta e submetidas ao regime jurídico administrativo. Ademais, exercem atividades típicas da administração, são dotadas de autonomia e possuem patrimônio e receitas próprias (BRASIL, 1967).

Contudo, ressalte-se que as agências reguladoras são dotadas de uma especificidade em relação às demais autarquias. Sobral de Souza (2011, p. 13) ensina que essas agências “possuem um regime especial: são possuidoras de maior autonomia em relação ao ente federado, com vistas a regular a atividade prestada sob critérios eminentemente técnicos, apartado de interesses políticos e governamentais.”

A competência para a regulação decorre da especificidade técnica, presente no âmbito das agências reguladoras, necessária para que a Administração Pública possa lidar, no exercício de sua atividade, com serviços e atividades econômicas que demandam conhecimento técnico-científico, ensejando, portanto, decisões pautadas pela técnica, e não pela política.

Ao observar o momento de criação das agências reguladoras, compreende-se a relação existente entre o contexto temporal de sua implantação e as atividades desenvolvidas por estas. Com o passar do tempo, as agências que foram criadas em um contexto de desestatização e tinham suas atividades regulatórias voltadas apenas para a área de serviços e de atividades foram diversificando suas atividades.

Neste contexto, observam-se três períodos históricos relacionados à atividade regulatória no âmbito federal: as agências reguladoras de primeira geração (1996 a 1999), as agências reguladoras de segunda geração (2000 a 2004) e as agências reguladoras de terceira geração (2005 a 2007). No primeiro, estão as agências instituídas no curso do processo de desestatização. Por esta razão, possuem a função clássica de fiscalização e controle dos serviços públicos e atividades econômicas transferidas para a iniciativa privada. Pertencem a esse grupo a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e a ANP (Agência Nacional de Petróleo). Já o segundo, não se relaciona diretamente com o processo de desestatização. Suas atividades passam a abranger novas funções, como o exercício do poder de polícia e a atividade de fomento. Destacam-se neste grupo a ANS (Agência Nacional de Saúde), a ANA (Agência Nacional de Águas), a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e a Ancine (Agência Nacional do Cinema). Por fim, o último período se caracteriza pela realização de diversas modalidades de regulação de forma simultânea. São denominadas por Mazza (2013, p. 223) de “Agências Pluripotenciárias”, uma vez que podem exercer o poder de polícia, fomento e controle simultaneamente. Faz parte deste grupo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

Aragão (2013, p. 271) preleciona que para a existência de uma agência reguladora não basta ter a autonomia reforçada pela legislação. É necessário que conjuntamente a essa característica se agreguem as competências reguladoras. Somente a conjunção destes dois fatores define uma autarquia como agência reguladora.

Nos termos do art. 5º do decreto-lei nº 200/67 (BRASIL, 1967), as autarquias são entidades autônomas, criadas por lei e com personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprios, que executam atividades típicas da Administração Pública que necessitem ser realizadas de forma descentralizada, para sua realização mais eficiente.

A autonomia das agências reguladoras é definida como uma de suas principais características de cunho teórico. Contudo, uma dúvida se torna evidente: se as autarquias são dotadas de autonomia político-administrativa e financeira, qual o fator distintivo entre a autonomia atribuída às autarquias comuns daquela atribuída às agências reguladoras?

Para Mello (2012, p. 178-179), as agências reguladoras destacam-se em detrimento das demais autarquias no que diz respeito às disposições contidas no art. 5º, parágrafo único e nos art. 6º e 9º da lei 9.986/00 (LIMA, 2011) – que dispõem acerca da gestão de recursos humanos das agências reguladoras –, no que tange à investidura e fixidez do mandato dos dirigentes das agências, atribuindo-lhes uma certa estabilidade.

Além do mandato fixo, sem a possibilidade de exoneração ad nutum, Di Pietro (2012, p. 527) também destaca o caráter final das decisões, sem possibilidade de exame por outros órgãos e entidades da Administração, como outro fator distintivo.

Deste modo, afirma-se que a porção de autonomia destinada às agências reguladoras não é igual àquela conferida às autarquias comuns: é reforçada, caracteriza-se principalmente pela impossibilidade de livre exoneração dos seus dirigentes e pelo seu caráter de última instância administrativa.

O debate acerca do “controle das agências reguladoras” distingue-se minimamente quanto às outras esferas de controles, em consonância com a medida da autonomia conferida a estes entes regulatórios. 

Segundo Carvalho Filho (2014, p. 953), o controle da administração é “um conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de Poder”. Para a realização do controle da Administração Pública, é levado em conta precipuamente o princípio da legalidade, princípio basilar da atividade administrativa, que denota a necessidade de os atos administrativos compulsoriamente se guiarem pelo que está prescrito em lei, nos termos do caput do art. 37 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Não deve exceder, nem subestimar, os mandamentos legislativos, diferentemente da legalidade imputada aos particulares, com esteio no art. 5º, II, da CRFB/88, na qual há a livre vontade nos limites não estabelecidos na legislação: ou seja, o que não é proibido por lei, é permitido.

O controle externo da Administração no Brasil é realizado, notadamente, pelo Poder Legislativo – com o auxílio do Tribunal de Contas – e pelo poder Judiciário. Como não podia deixar de ser, uma vez que fazem parte da Administração Indireta, as agências reguladoras também se submetem ao controle externo do Legislativo e do Judiciário.

Em suma, diante da complexa gama de funções executadas pelo Estado e, também, da forte necessidade da eficiência e adequação da prestação de serviços à população, efetivou-se o princípio da descentralização, para atendimento a tais demandas sociais, criando entidades com a atribuição de auxiliar o poder público nesta função, em especial, as agências reguladoras.  Assim, a função regulatória exercida pelas agências reguladoras se baseia na existência de falhas no mercado a serem sanadas através de uma atuação estatal que reforça a razão de existir do Estado: a promoção do bem-estar dos indivíduos. 



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