Artigo: A asa do avião é importante, mas o leme e o consenso também são. Uma metáfora para a gestão pública.

15/08/2019 18:27


Artigo: A asa do avião é importante, mas o leme e o consenso também são. Uma metáfora para a gestão pública.

Um avião traz muitas lições e muitas emoções. Desde pequeno tenho o costume de sempre que posso, em um aeroporto, tentar ver um avião decolar. Acho lindo e realmente um prodígio (chego a me emocionar), assistir um artefato de tantas toneladas desafiar a gravidade e alçar voo até desaparecer no horizonte.

E o mais impressionante, em minha opinião, é que o que faz o avião voar é um princípio físico relativamente simples, baseado na pressão de baixo para cima – um empuxo -, que é gerado a partir de uma diferença de velocidades, do ar que passa por cima da asa, em relação ao ar que passa por baixo da asa.

No caso, para a aeronave subir, este empuxo (que leva o avião para cima) tem que ser maior que o peso do avião (força em função da gravidade, e que puxa o avião para baixo); de modo que, a depender da angulação da asa e da posição e velocidade do avião, consegue-se o uma diferença de pressão entre a parte de baixo e de cima da asa, que garante a subida do avião e sua sustentação. Sendo que, de modo contrário, se o avião embicar excessivamente para baixo ou para cima, ou se este desacelerar além do permitido, perde-se esta sustentação e, lamentavelmente, ele cai.

Muito bem, indo para a gestão pública, como dito no título, a metáfora da sustentação ou sustentabilidade da asa do avião é absolutamente relevante. Isto porque as finalidades públicas a serem alcançadas pelo Estado Brasileiro não são transitórias, os direitos fundamentais a serem assegurados aos cidadãos não são limitados no tempo.

Pelo contrário, os direitos fundamentais garantidos pela Constituição (vide art.5º da Lei Maior) seguem o cidadão desde o nascimento, até sua morte (em termos de liberdade de pensamento, de autodeterminação, de educação própria e de seus filhos, de saúde, de liberdade de ir e vir, segurança, entre outros), e mesmo transcendendo a morte, estendem-se até as gerações futuras.

Neste sentido, a atuação governamental deve ser sustentável (se o atuar do governo em determinado setor é representado por um avião, este não pode cair); mas não só no sentido ambiental (sentido mais comum para o vocábulo sustentabilidade) garantindo um meio ambiente equilibrado para geração atual e futura; mas também em todas as dimensões que repercutam na garantia de direitos. Nesta medida, demanda-se também uma sustentabilidade econômica e financeira, já que para garantir os direitos fundamentais, notadamente os direitos sociais, mas também os de liberdade, demanda-se a aplicação de recursos públicos.

Isto porque, para garantir saúde e educação de qualidade, por exemplo, são necessários equipamentos (postos de saúde, hospitais e escolas) e servidores públicos (profissionais de saúde e profissionais de educação) cujo custeio depende de recursos públicos, que devem ser mantidos ao longo do tempo (de forma sustentável, hoje e no futuro).

De outra sorte, para manter os aparatos mantenedores (como por exemplo, o Poder Judiciário) dos direitos de ir e vir, liberdade de pensamento, e outras liberdades, também são necessários recursos. Na célebre lição de Holmes e Sunstein: “A Liberdade também depende da arrecadação de impostos”.

Ou seja, não basta criar uma política pública, colocar um serviço público para funcionar. Deve ser garantido que o mesmo funcione, seja eficiente e perdure enquanto necessário. E se estivermos falando de políticas públicas contínuas como a saúde, a sua eficiência tem que ser estender ao longo dos tempos, sendo vedado o sucateamento e o retrocesso no oferecimento de tal serviço. (E o que mais vemos são políticas públicas sem o custeio e sem a gestão adequada, tornando-se pesadelos para os cidadãos que delas precisam).

Daí porque a sustentabilidade econômica tem sido muito evocada ultimamente, notadamente em termos de frear o aumento contínuo de determinados gastos públicos, notadamente a bola da vez, da reforma previdenciária, onde o que se quer é, exatamente, garantir a sustentabilidade do custeio da máquina pública, pois se os gastos previdenciários passarem a consumir cada vez maiores fatias dos orçamentos dos entes governamentais (pois as pessoas estão vivendo mais, e recebendo por mais tempo os benefícios), sobrarão menos fatias (e menos recursos) para outras políticas públicas essenciais.

 E sem o adequado custeio, setores como saúde e educação podem fracassar. (Este seria o grande argumento a favor da reforma da previdência – seria mais justo socialmente que as pessoas se aposentem mais tarde, fazendo com que sobrem mais recursos para se investir em outros setores estratégicos como educação e saúde).

A questão é que o problema é mais complexo, porque, como diz o título, se a asa do avião é importante, o leme também é. Se sustentabilidade é importante, sentido também é. Tudo porque, não adianta o avião se sustentar se estiver indo no caminho errado (o que inclusive pode gerar uma queda por falta de combustível); como também, como adiantamos acima, se o avião embicar excessivamente a sustentabilidade não se promove (não se gera o empuxo necessário). E quem dá o sentido é o leme do avião.

Trazendo esta imagem para a gestão pública, tem-se que não adianta haver recursos disponíveis, se os mesmos não estiverem sendo aplicados no sentido correto. Não adianta, por exemplo, investir em ampliação de vagas em escolas, se as turmas estiverem diminuindo (com a diminuição da natalidade). É mais eficiente (e econômico) investir em medicina preventiva do que deixar para curar depois de a doença instalada (isto é patente nos casos oncológicos). Não é viável aquecer a economia apenas pela via do endividamento e do consumo, sem que haja investimento em obras de infraestrutura e ganhos de eficiência com mão-de-obra qualificada.

E mais do que isso – e isto talvez seja o mais estratégico em termos de Brasil-, é necessário que as pessoas, os cidadãos percebam este sentido como algo válido e verdadeiro e construam um alinhamento em termos de consecução destes objetivos.

Tomemos como exemplo a própria educação, onde discussões sobre questões acessórias acabam por desviar o foco da questão central: não se pode admitir que crianças cheguem ao terceiro ano, sem serem alfabetizadas; que adolescentes cheguem ao nono ano sem perspectiva de cursar o segundo grau; que alunos terminem o terceiro grau, sem o mínimo conhecimento em matemática e ciências da natureza... (E se tudo isto acontece, e se gastam tantos recursos, fica claro que algo está sendo feito errado...)

Desta forma, se não houver consensos básicos sobre estes fins estratégicos que o Brasil deve construir (o sentido da educação, da economia, da saúde, da segurança pública, da proteção ao meio-ambiente, etc), certamente haverá perda de tempo, de recursos e de energia. E mais do que isso, o resultado desejado não irá acontecer.

Precisamos, portanto, superar todas as dissensões que, mais do que conflitos ideológicos, refletem uma disputa pelo Poder. É hora de construir consensos cívicos acerca do que o Brasil precisa. Sendo certo, para mim, que não há dúvidas de que precisamos de mais educação, saúde de melhor qualidade, segurança para ir e vir; e para tudo isso acontecer, precisamos de um salto de eficiência na gestão pública (e no gasto público).

Lembrando que em um avião de passageiros não se voa sem consenso. Aliás, outra coisa que me impressiona em um avião, é como as pessoas, de uma maneira geral, obedecem fila, avisos e comandos dentro de uma aeronave. Há um consenso sobre o que deve ser feito, e se sabe que se não houver a ordem necessária, o fim pode ser trágico.

Imagine, caro leitor, se todas as esferas de poder em nosso país resolvessem firmar um consenso sobre a melhoria dos aspectos básicos aqui mencionados na prestação de serviços públicos: políticas públicas eficientes, sustentáveis, consensuadas e com sentido voltado à eficácia do resultado. Neste diapasão, o voo brasileiro certamente seria muito alto e muito alvissareiro.

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