Artigo: O apoio do brasil aos refugiados venezuelanos sob a ótica dos direitos humanos

17/08/2019 17:30


Artigo: O apoio do brasil aos refugiados venezuelanos sob a ótica dos direitos humanos

É crescente o número de refugiados venezuelanos que cruzam a fronteira do Brasil, mais precisamente pelo Estado de Roraima. A Constituição Brasileira de 1988 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da qual o Brasil é signatário, visam proteger os refugiados como pessoas dotadas de direitos, as quais os Estados devem acolher, auxiliar e integrar, pois, em razão de contextos políticos e econômicos são forçadas a migrarem de seus países, e de suas culturas, para preservar suas vidas ou integridade física, culminando, muitas vezes, quando a ameaça é por razões políticas, em pedidos de asilo internacional. 

Um dos maiores objetivos da ciência do Direito deve ser a busca por respostas quanto a assistência nas relações humanas, bem como na resolução dos conflitos sociais. Destarte, a situação dos refugiados, especificamente a dos venezuelanos, revela-se preocupante quanto à adaptação, e, principalmente, à recepção ofertada pelo Brasil, que mundialmente é reconhecido como país acolhedor. Porém, não é assim quando se trata de asilo aos refugiados.

É imperioso destacar as diferenças existentes entre as três terminologias: refugiados, imigrantes e asilados políticos, pois, apesar da convergência quanto ao aspecto do massivo deslocamento de pessoas de seus locais de origem, apresentam, entre si, distinções. 

Segundo a Declaração de Cartagena sobre os Refugiados de 1984, refugiado é todo aquele indivíduo, que em razão da violência, risco à sua vida, integridade física ou mental, segurança e liberdade, ou pela violação maciça aos Direitos Humanos, fora forçado a fugir de seu país de origem. 

Noutro giro, o asilo político é regulado pelo art. 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e se difere do refúgio, no aspecto formal, para sua concessão. Enquanto no refúgio há legislação própria, o asilo político é previsto apenas pela Constituição Federal, e é concedido pelo Presidente da República, para pessoas em situações parecidas ou idênticas às dos refugiados.

 Logo, o asilado político é indivíduo singular, que solicita proteção ao país em que escolhe como seu novo destino, e, após avaliação das motivações que ensejaram o pedido, o chefe do Poder Executivo, poderá, ou não, conceder a benesse. 

Já no refúgio, não há o poder de escolha do Presidente, que deverá, necessariamente, conceder o apoio aos solicitantes, tendo em vista a legislação específica, no caso, a Lei 9.474/97. 

Por último, migrante é qualquer pessoa que esteja em trânsito, ou seja, não há a motivação política ou de proteção à vida, segurança e paz.  Não são esses motivos que o leva a sair de seu país de origem e se transferir para outro, mas outras razões, como ofertas de emprego, situações sociais mais favoráveis, entre outros motivos meramente pessoais. 

A Venezuela sempre foi um país marcado por discussões e disputas políticas, outrossim, ao final dos anos 90, assumiu o papel de líder da chamada “Revolução Bolivariana”, o tenente-coronel Hugo Chávez, que, com o seu grande poder de retórica, oratória e populismo exacerbado, tomou o poder do país, na chamada “retomada do poder pelo povo, contra as classes dominantes e opressoras”, ao que também atribuiu, como sendo a segunda libertação da Venezuela. 

Impulsionado pela força popular e pelo grande trunfo econômico do país, o petróleo. Chávez assumiu papel de destaque não só no âmbito sul-americano, mas também no jogo político internacional, sendo considerado exímio articulador. Para os cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, Chávez era um “outsider político” que atacava a classe política, a qual denominava de corrupta, e que usaria o poder do petróleo, e o seus ganhos, em favor do povo. 

Porém, a vida política venezuelana nunca logrou períodos de paz. Ao contrário, o próprio partido chavista, o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), sempre disputou, desde os primórdios de sua criação, o poder do país. 

Por alguns anos, a pequena república sul-americana conseguiu obter indicativos de progresso, e até relativo crescimento econômico. Segundo o site de notícias G1, entre 1998 a 2009, em que o número de exportações venezuelanas aumentou mais de sete vezes, e, na visão do economista Pedro Silva Barros (2009), o Brasil foi o país que mais se favoreceu ao longo desse período, nas relações comerciais com o país chavista.

Então, o que efetivamente levou a Venezuela, com economia emergente e de destaque no mundo, à crise humanitária atual, que se reflete no amplo êxodo de sua população? Essa pergunta é complexa, e pode ser explicada por vários fatores, dentre eles, a morte do líder bolivariano. 

O ano de 2013 foi marcado por grandes acontecimentos no país. Se por um lado a população perdeu seu grande líder, acometido de câncer, por outro, elegeu seu sucessor, Nicolás Maduro que participou, em momentos anteriores, do governo chavista. Um revolucionário, como Hugo Chaves, líder sindical, representante dos motoristas de ônibus do país, e um dos fundadores do partido governante. 

O novo mandatário, menos popular, e até sem o preparado do seu antecessor, adotou sucessivas políticas que levaram à atual crise de seu governo, acompanhada por uma série de fatores externos. De início, houve a queda, em 2014, do valor mundial do já citado principal produto da Venezuela, o petróleo, juntamente com a retração de sua produção, impossibilitando, dessa forma, o aumento das exportações.  

Consoante dados do Fundo Monetário Internacional, somente entre 2013 e 2017, período da administração de Nicolás, o PIB do país sofreu uma dura queda de 37%. 

Para piorar a situação econômica venezuelana, a inflação estourou, contribuindo para o aumento da dívida interna e externa do país e dos preços aplicados à população, fato que levou esta a não possuir o poder de compra mínimo que lhe garantisse a subsistência, dando início a outra problemática, a fome, e desaguando na retirada em massa da população para os países vizinhos, tais como Colômbia e o próprio Brasil. 

O aumento da inflação foi ocasionado por uma soma de fatores, como a dependência, quase que total, de importações, somado ao grande número de sanções internacionais e embargos, além do desastroso método de “controle de preços” que apenas ajudou a alavancar a dívida pública existente.

Em contrapartida, acompanhando um movimento mundial recente de engrandecimento e fortalecimento da extrema-direita, países vizinhos, e estrategicamente parceiros da Venezuela, sofreram alternância no poder, a exemplo de: Brasil, Paraguai, Argentina e Chile. Tem sido um duro golpe para um país administrado, assumidamente, pela extrema-esquerda, a inexistência, atualmente, de um mínimo diálogo com as nações citadas, configurando-se num dos motivos da criação do Grupo de Lima, bloco político criado para oferecer resistência ao governo de Maduro, e apoiar o líder governista, Juan Guaidó, reconhecendo-o como Presidente Interino da Venezuela. 

Com o caos vivido, e com a fome enfrentada pela maior parte da população, decorrente da perda da sua capacidade aquisitiva, acompanhada pela alta dos preços, e da crise jurídica e política, deu-se início a uma grande diáspora, um verdadeiro êxodo em massa, tendo somente, em 03 anos, deixado o país, mais de três milhões de venezuelanos, segundo dados oficiais da ONU.  

Não obstante aos dados trazidos e já mencionados, há quem discorde que a Venezuela enfrenta questões humanitárias, e até mesmo quem duvide da crise instaurada no país. 

É o pensamento defendido pela doutora Grace Livingstone, professora da Universidade de Cambridge, e autora do livro “America’s Backyard” (O quintal dos Estados Unidos). Seu entendimento é de que não existe ditadura no país bolivariano, mas sim, em verdade, há uma constante preocupação em relação aos direitos civis e políticos perante a sua população.

 Em contramão ao seu pensamento, o autor Juan Carlos Hidalgo, especialista em Políticas Públicas sobre a América Latina, acredita que não apenas existe uma crise humanitária na Venezuela, mas que seu Presidente é um ditador.

A postura de perseguir opositores, fechar jornais e rádios contrários à sua gestão, aliado ao fato de não permitir a entrada de ajuda humanitária no país, contribuiu para a análise de Juan Carlos, inclusive, para Boaventura de Sousa Santos, a censura e a perseguição aos canais de TV, à imprensa escrita, vinculam Maduro à figura de chefe autoritário e perseguidor. 

Sendo o vizinho imediato da Venezuela, o Brasil, líder do Mercosul e maior país da América do Sul, seja em termos econômicos, ou mesmo em extensão, tem enfrentado problemas para administrar e resolver a situação de recepção dos refugiados. 

Embora a União tenha adotado medidas de acolhimento, há quem tente barrar o ingresso dos venezuelanos no país. É o caso do Estado de Roraima, unidade federada com maior número de refugiados oriundos do país chavista, que através da Ação Civil Originária nº 3121, pediu ao Poder Judiciário a limitação do número de venezuelanos que venham cruzar seus limites territoriais, pugnando ainda pela aplicação de medidas restritivas que visem anular ou impedir novos ingressos no país, com a exigência de passaporte para que os refugiados consigam fruir dos serviços públicos brasileiros, violando a Constituição, que garante a todos, inclusive aos estrangeiros, a disponibilização destes serviços.  

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu um Decreto do mesmo Estado, autor da ação retro mencionada, que limitou o ingresso de refugiados venezuelanos no Brasil, através de sua fronteira, alegando a ministra que o Estado violou garantias individuais dos venezuelanos imigrantes, sendo este, inclusive, o entendimento da Advocacia Geral da União, autora do pedido concedido. 

De acordo com a Lei 9.474 de 1997, refugiado é aquele indivíduo que se encontra fora do seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas; que não tem nacionalidade ou está fora do país onde antes teve sua residência habitual e não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas anteriormente; que devido à greve e generalizada violação de direitos humanos é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país (art. 1º).

A referida legislação dispõe sobre critérios de reconhecimento da pessoa como refugiado, o procedimento a ser seguido para concessão da proteção a este, além de conferir aos refugiados direitos e deveres específicos diferentes daqueles concedidos aos estrangeiros, dispondo mais sobre a entrada, o pedido de refúgio, as proibições à deportação e expulsão, dentre outras questões.

Muito embora a lei seja um importante instrumento para os refugiados, não é muito difundida no Brasil, o que obsta uma proteção mais eficaz àqueles que estão em condição de refúgio. Inobstante esse fato, o ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – reconhece o regramento nacional como modelo para uma legislação unificada na América Latina.

Neste passo, a Lei 13.445/17 (Lei do Migrante) instituiu princípios para a política migratória brasileira, dentre eles: o da não criminalização da migração; promoção de entrada regular e de regularização documental; acolhida humanitária; garantia do direito à reunião familiar; igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares; acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social; além das garantias dos migrantes como o direito de reunião para fins pacíficos; o direito de associação, inclusive sindical, para fins lícitos; isenção das taxas de que trata a referida lei mediante declaração de hipossuficiência econômica, na forma de regulamento, entre outras (artigos 3º e 4º). 

A Lei do Migrante ainda dispõe sobre a acolhida humanitária que será concedida ao apátrida ou a qualquer nacional de outro país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses previstas em lei (art. 14, §3º). 

Da mesma maneira, os vistos diplomático e oficial poderão ser transformados em autorização de residência, o que importará cessação de todas as prerrogativas, privilégios e imunidades decorrentes do respectivo visto (art. 15, parágrafo único). Prevê ainda ao apátrida um processo de naturalização simplificado (art. 26, caput), como também a possibilidade de, após ser consultado, adquirir a nacionalidade brasileira (art. 26, §6º).

Nos termos do art. 31, §4º da Lei 13.455/17, o solicitante de refúgio, asilo ou de proteção ao apátrida fará jus a autorização provisória de residência até a obtenção de resposta ao seu pedido. Já o parágrafo único do art. 45 assevera que ninguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política. 

Nesta toada, a MP 820/2018 foi posta em vigor com a intenção de apresentar ações emergenciais de acolhimento aos refugiados venezuelanos. Já a Medida Provisória 880/2019 destinou recursos extraordinários da ordem de R$ 223.800.000,00 (duzentos e vinte três milhões oitocentos mil reais), para serem aplicados em políticas básicas e assistenciais à população imigrante. 

A primeira MP foi recepcionada pelo Congresso Nacional, de forma tempestiva, o que deu lugar à Lei 13.684/2018, tornando permanente as medidas de assistência aos refugiados, quais sejam: proteção à vida, oferta de atividade educacional, assistência à saúde e outras. Outrossim, também estabelece medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária visam à ampliação das políticas de proteção social; atenção à saúde; oferta de atividades educacionais; formação e qualificação profissional; garantia dos direitos humanos; proteção dos direitos das mulheres, das crianças, dos adolescentes, dos idosos, das pessoas com deficiência, da população indígena, das comunidades tradicionais atingidas e de outros grupos sociais vulneráveis; oferta de infraestrutura e saneamento; segurança pública e fortalecimento do controle de fronteiras; logística e distribuição de insumos; e mobilidade, contemplados a distribuição e a interiorização no território nacional, o repatriamento e o reassentamento dos vulneráveis (art. 5º). 

Já a segunda MP está pendente de votação pelo Congresso, e se não for votada até outubro do corrente ano, perderá a eficácia e caducará, retirando, dessa forma, a verba destinada aos refugiados oriundos da Venezuela. 

Pelo exposto, é de destacar que a partir da Segunda Guerra Mundial, os fluxos migratórios tomaram proporções de maior dimensão, sendo que é visível a crise de refugiados em várias partes do mundo, o que suscita a necessidade de preparo e responsabilidade dos Estados-destino em relação a essas pessoas. 

O Brasil, tradicionalmente, concede abrigo e proteção a pessoas que deixam seus países de origem por questões políticas, raciais, religiosas e sociais. Neste sentido, há as colônias de imigrantes instaladas no Sul no Brasil que até hoje marcam a difusão de costumes que tanto enriquecem a cultura brasileira.  

Nessa linha de ação, a Lei 9.474/97 tem como função primeira garantir a defesa dos direitos fundamentais dos refugiados e definir condições para concessão de refúgio no país. Ainda que haja muito a se fazer, há um esforço do Brasil para instrumentalizar a segurança e ampla proteção aos direitos humanos dos refugiados.

Em que pese as questões apresentadas, é de se dizer que a crise humanitária venezuelana é real e não pode ser ignorada, devendo o Brasil continuar a apoiar os nossos vizinhos, tendo em vista que, acima de qualquer ideologia ou crença, são seres humanos, assim como os brasileiros, e jamais poderão ser alvo de medidas xenófobas ou até mesmo racistas, que contrariem a Carta Maior. Infere-se, portanto, que o Brasil deve assumir o papel de destaque que lhe é inerente na garantia dos direitos humanos, sendo necessário acolher e incluir os refugiados na sociedade brasileira, trazendo-lhes vida digna e paz, como deve ser para qualquer ser humano.

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