ARTIGO: a participação e o controle social como aliados à transparência da administração pública

26/08/2019 13:41


ARTIGO: a participação e o controle social como aliados à transparência da administração pública

1 Introdução

Para fortalecer o exercício do controle social nas políticas públicas, resta indispensável superar uma cultura com caráter soberano e autoritário, existente ainda nas relações históricas de poder no Brasil. Muitos governos corroboram, em princípio, com a participação popular, no entanto, na prática, atuam sem levá-la em conta. 

Com efeito, a integração da sociedade no controle social fortalece a implementação das políticas públicas, tornando-as mais efetivas quanto ao concreto cumprimento das necessidades sociais. Outrossim, o controle social colabora para a democratização da administração pública, à medida em que há uma maior participação dos agentes sociais. 

A participação da sociedade em debates, em diálogos e por meio do controle social, é fundamental para garantir a efetividade dos objetivos das políticas públicas, em prol da melhoria e segurança dos serviços disponibilizados à população. 

De fato, a atividade do controle social fornece uma compreensão do cenário atual, tanto para gestores quanto para os sujeitos insertos na sociedade, visto que diante deste envolvimento todos eles, através de suas necessidades individuais, analisam e identificam a relevância do diálogo.

Ademais, é necessário reduzir, sobremaneira, as desigualdades de classe, sexo, raça, educação, que dificultam o direito à participação popular de maneira clara e adequada, impedindo, muitas vezes, o acesso à informações na administração pública.

No que concerne aos locais de controle social, deve haver uma aproximação/trabalho entre governo e o cidadão, robustecendo a transparência das informações e dados acerca das políticas públicas, com vistas a alicerçar a prática da participação social. 

Os principais instrumentos de controle social no Brasil são: Conselhos de Política Pública, observatórios sociais, orçamento participativo, audiência pública, consulta, ouvidoria, direito a representação, ação popular, entre outros.

2 Direito de representação

O direito de representação de representação está assegurado a todo e qualquer cidadão brasileiro no inciso XXXIV, “a”, do art. 5º da Constituição da República. Ele se consubstancia no direito que tem qualquer pessoa física ou jurídica de, gratuitamente, peticionar junto ao Poder Público, representando contra ilegalidade, abuso de poder ou na defesa de seus direitos que entenda por violados. 

É, então, uma das mais vigorosas, senão a mais vigorosa ação que o cidadão tem para agir contra ilegalidades ou violação de direitos, contra o Estado que assim age. O amplo acesso ao Judiciário, via ação popular, é uma das faces deste direito. Frise-se, ainda, que no âmbito do controle externo da Pública Administração, o art. 74, parágrafo segundo, da CF/88, autoriza que qualquer cidadão ou pessoa jurídica é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante os Tribunais de Contas ou Conselhos de Contas (art. 75 da CF/88).

É, destarte, poderoso o direito de representação, não só pela sua amplitude, como, também, pela sua eficácia, eis que a esta denúncia, sob pena de prevaricação, não é possível negar o seu exame para decisão final e motivada.

3 Ouvidorias

As ouvidorias são veículos de comunicação entre o cidadão e a Administração Pública. Destina-se a receber não apenas reclamações, denúncias, solicitações ou sugestões, mas também elogios e críticas construtivas sobre o atendimento e atuação de servidores acerca da prestação de serviços públicos.

A ouvidoria ocupa papel de relevância à medida em que aumenta a consciência participativa do cidadão, mormente quanto ao acesso às informações, em busca de uma maior transparência, assegurando o direito de manifestação do cidadão para o melhor funcionamento da instituição.

Deste modo, foi fundamental o advento da Lei de proteção e defesa dos direitos dos usuários dos serviços públicos (nº 13.460/2017), que completa o entendimento da Lei de Acesso à Informação (nº 12.527/11), ao estabelecer seu art. 13, I, que as ouvidorias deverão promover a participação do usuário na Administração Pública, dentre outras assertivas.

4 Audiências e Consultas Públicas 

A audiência pública é compreendida também como um instrumento de controle social, em que a população intervém com o poder público nas deliberações acerca de certa questão. 

A audiência pública é utilizada como um mecanismo para obter conhecimentos, de uma forma geral, ou seja, para adquirir depoimentos, sugestões, opiniões de especialistas, dados, documentos e críticas. A audiência pública, dessa forma, apresenta-se como um meio democrático disponível aos cidadãos, aos seus representantes, às fundações, aos sindicatos e aos conselhos de classe de exporem sua opinião, críticas e aprovações sobre um tema relevante a ser debatido.  

Em relação a sua finalidade precípua, visam promover o diálogo entre o governo e a sociedade. Desta forma, os interessados podem integrar e influir no processo decisório da Administração Pública. Distintamente à consulta, a audiência pública requer a presença física do cidadão. Logo, é muito comum se verificar em sites governamentais diversos espaços a consultas públicas, como é o exemplo do site do Senado Federal. 

Na lei do processo administrativo federal (Lei n° 9.784/99), ressalta-se o seguinte exemplo, presente no art. 32: “Antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo.” (BRASIL, 1999). 

Ressalte-se que na audiência pública existe a discricionariedade da autoridade, que pela essencialidade da matéria, pode suscitar debates a respeito, de modo a melhor subsidiar o processo decisório. Contudo, em muitos momentos as audiências públicas não atendem ao espírito das respectivas leis, constituindo-se num mero conjunto de pessoas, cuja finalidade é “atender por atender” a uma necessidade legal. Este estado de coisas resulta na lotação de salas até que seja alcançado o quantitativo de participantes, exigido por lei, o que não condiz com o pensamento efetivo da sociedade no que concerne a uma questão ou deliberação de sua relevância para a coletividade.

A Lei n° 9.784/99 trata de diversas disposições incentivadoras da participação popular. Dentre esses dispositivos, merece destaque o artigo 31, caput e §1° da Lei em comento. Dessa forma, com análise do dispositivo supramencionado, o instituto da consulta pública deverá ser aplicado em fatos que envolvam assuntos de interesse geral, ou seja, inerentes à coletividade. Nessa senda, deve ocorrer a adequada publicização, oportunizando-se aos interessados a análise de documentos e a garantia de sua manifestação. 

O Portal Brasil, do Governo Federal, conceitua a consulta pública como o processo democrático pensado para criação conjunta de políticas públicas firmadas entre governo e sociedade. Caso ocorra a colaboração dos cidadãos, das empresas, dos movimentos e das organizações sociais, naturalmente as ações e programas do governo terão oportunidades de executarem seus objetivos, aperfeiçoando-os em consonância com as demandas coletivas (BRASIL, s/d.). Consta ainda, no mesmo Portal, um rol com as consultas disponíveis no âmbito federal, para que o cidadão possa colaborar e dialogar com outros participantes ou conhecer o contexto da participação social.

5 Conselhos Públicos

É sabido que no Brasil, os Conselhos integrados por membros da sociedade, foi uma das principais mudanças institucionais ocorridas durante o período de redemocratização do país. Nesse viés, Tatagiba (2002, p.361) considera que “[...] os Conselhos são arranjos institucionais profundamente promissores no sentido da reforma democrática do Estado” 

No panorama conceitual, os Conselhos são locais públicos, compostos de membros representantes da sociedade, de caráter deliberativo ou consultivo, com o escopo de criar e controlar a atuação das políticas públicas de cada setor social. Existem nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal). Alguns exemplos de Conselhos Públicos são: Conselho de Alimentação Escolar, Conselho Municipal de Saúde, Conselho de Controle Social do Bolsa Família, Conselho do FUNDEB, Conselho de Assistência Social.

Ao se tratar das espécies de conselhos, cabe oportuno destrinchar acerca dos conselhos consultivos. Tais conselhos juntam sujeitos com capacidade e conhecimentos específicos em determinada área da política e são compreendidos como órgãos com a função de assessorar e subsidiar à tomada de deliberações pelo governante. Por outro lado, os conselhos deliberativos detêm a capacidade de tomar decisões vinculantes acerca de prioridades, estratégias, beneficiários, financiamento, bem como para efetivar o controle público sobre a atuação do Estado tomador dessas decisões. 

Os Conselhos Públicos são meios de descentralização do poder, através da participação efetiva da sociedade. Isto afirma o entendimento de que a Administração não é constituída apenas pelos representantes estatais, pois essas agremiações possuem a função de fiscalizar o uso dos recursos públicos.

Em relação a execução institucional, ressalte-se que boa parte dos conselhos locais pesquisados têm representantes desconhecedores das condições dos fundos, dos recursos que dispõem, como também desconhecem a que se destinam. 

Ocorre uma centralização das informações pelo Poder Executivo, isto é, apesar de haver relativa autonomia na escolha dos representantes nos conselhos, a ausência de conhecimentos adequados sobre os métodos, fundos e recursos impede o pleno desenvolvimento das funções dos conselhos públicos. Daí a importância da capacitação dos conselheiros. 

Através da verificação das atividades dos Conselhos Estadual de Assistência Social (CEAs) e Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA), constata-se que a escolha dos representantes não-governamentais dos conselhos ocorre, na maioria das vezes, autonomamente, ou seja, sem intervenção direta do poder público municipal. Apesar de os representantes serem eleitos ou indicados, todavia isto não é suficiente para garantir a natureza democrática das atividades chamando a atenção de acadêmicos, políticos e lideranças sociais. É de se dizer ainda que às vezes faltam condições materiais para o seu funcionamento, como instalações adequadas, informatização e etc.

Os conselhos públicos, em síntese, são fundamentais meios de participação popular. São instrumentos efetivos que fomentam e concretizam a cidadania na sociedade, como direito e, em especial, como realidade. A sua relevância encontra-se na função precípua de fortalecer a participação democrática da sociedade com vistas à boa aplicação de recursos nas políticas públicas.

6 Observatórios Sociais

Definidos como instituições independentes, os Observatórios possuem a responsabilidade de exercer as atividades de controle sobre os gastos e de fiscalização das contas públicas. Criados a partir das iniciativas autônomas da sociedade, têm como pano de fundo a ética, a justiça social, ações preventivas, com visão de longo prazo.

Dessa forma, o controle social efetivado pelos observatórios sociais, desvinculados da intervenção do poder público, colabora para uma atividade voltada à efetividade do cumprimento das necessidades da sociedade, uma vez que eles são compostos somente por representantes da sociedade e possuem um latente entendimento acerca das reais necessidades dos cidadãos voltadas à eficiência da gestão pública.

Assim, os observatórios sociais são associações que atuam como pessoa jurídica, formados por profissionais voluntários, das mais variadas áreas de atuação, como aqueles inseridos nas Sociedades Civis Organizadas, especialmente junto ao Conselho Federal de Contabilidade e seus Conselhos Regionais, em que visam transformar a inércia em atitude, fiscalizando a gestão pública em diversas frentes, por exemplo: a educação fiscal, ao monitoramento da produção legislativa, a inserção nas licitações públicas das micro e empresas de pequeno porte, a fiscalização,  acompanhamento da arrecadação de impostos, dentre outros. 

O monitoramento dos recursos públicos ocorre desde a publicação do edital da licitação até a efetiva prestação do serviço, entrega do produto ou execução da obra. Cooperam para a geração de emprego e comparam os resultados dos indicadores da gestão pública com outros observatórios de outras cidades. Devem prestar conta do seu trabalho à sociedade a cada quatro meses, seguindo normas do Observatório Social do Brasil que procura padronizar uma metodologia para os vários observatórios existentes. Enfim, como um todo, os observatórios contribuem para a melhora efetiva da gestão pública (FAVRETTO; RICCIO, 2017).

7 Considerações Finais

Pode-se inferir que a trajetória da humanidade, em todos os tempos, encontra-se diante da eterna luta pelo reconhecimento de direitos - direitos civis, políticos, sociais para a sua efetiva existência e exercício.  

O destaque que se fez no presente ensaio foi quanto a participação e ao controle social assente na Administração Pública, como meio positivado da atuação e implementação da cidadania e da democracia. 

O controle social e a participação popular na Administração Pública são exigências legais, previstas na Constituição de 1988. Almeja-se que no momento do seu exercício, o cidadão execute o adequado controle da Administração Pública, efetivando, desta forma, as bases da democracia e, consequentemente, garanta a ocorrência do bem maior encontrado no verdadeiro interesse público. São atos de cidadania, visto que definem a corporificação de direitos, por meio de ferramentas adequadas que a Constituição enumerou como garantias fundamentais, inclusive relativamente à destinação da verba pública, por meio dos orçamentos participativos, e pela Lei da Transparência. 

Portanto, a noção sólida de Estado democrático de Direito é inseparável da participação popular, bem como do controle social, ou seja, não há de se falar em genuína democracia, sem que o povo se envolva diretamente nas políticas públicas, que se viabilizam por meio de: deliberação, manifestação, participação na formulação de propostas de melhorias, etc.

É imprescindível que o povo utilize dos instrumentos disponíveis para concretizar a fiscalização e o acompanhamento de políticas públicas, bem como para o fortalecimento de sua participação através dos conselhos de políticas públicas, dos observatórios sociais (que se multiplicam no cenário nacional), da ouvidoria, das audiências e consultas públicas, que atuam como elo entre o cidadão e o poder público.

O controle social é fragilizado em razão do panorama cultural político-autoritário, historicamente atrelado às relações de poder no Brasil, apontando a necessidade de alteração do modelo estrutural dos conselhos de políticas públicas, no que abrange as suas competências, responsabilidades de deliberação e a sua autonomia; bem como alargar a discussão sobre a questão do controle social, com o fim último de elaborar estratégias cabíveis para adentrar nos espaços públicos.

Neste sentido, iniciativas já implementadas pelo Tribunal de Contas, Ministério Público e Poder Judiciário (audiências públicas em processos, por exemplo) devem ser ampliadas e analisadas por meio de práticas educacionais e fiscalizatórias. Com efeito, o processo para conscientizar a sociedade quanto à real importância da utilização dos mecanismos de participação é um processo demorado e deve ser aprimorado, pois requer a aplicação de diversas medidas para concretizar sua efetividade.

Ante o aludido, em vez de ceder à inércia, todos devem integrar, de forma efetiva, fiscalizando, acompanhando e denunciando os atos inapropriados praticados pela Administração Pública, para reduzir eventuais equívocos ou irregularidades, promovendo, deste modo, a cultura democrática cidadã viabilizada pela transparência e pelo controle social.

 

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