ARTIGO: As queimadas da Amazônia, o perigo do cheque sem fundos e os porcos enormes

29/08/2019 16:52


ARTIGO: As queimadas da Amazônia, o perigo do cheque sem fundos e os porcos enormes

Esta semana o assunto primordial discutido na imprensa foram as queimadas na Amazônia. Não somente o Brasil, o mundo parou para discutir sobre o bioma amazônico e todo o seu eventual colapso. Trending topics no twitter, imagens desoladoras no facebook, argumentos para um ou outro lado nos grupos de whatsapp (atualmente o fórum de (des) orientação mais utilizado no momento).

O leitor amigo tem conhecimento seguro sobre o assunto? Eu não tinha. Sempre me interessei pela matéria ambiental amazônica, mas confesso que meu conhecimento é superficial.

Daí, com vista a um substrato mínimo para participar das discussões, saí em busca de informação jornalística, se a ameaça é real ou imaginária, iminente ou potencial, crônica ou aguda. E assim, vendo matérias na internet, assistindo reportagens e comentários na televisão e outros canais informativos (que não exaurem o assunto, mas indicam um caminho de conhecimento), cheguei a duas conclusões sobre a problemática.

A primeira de que, independentemente de qualquer coisa, a situação merece preocupação, já que efetivamente a Amazônia é um bioma importantíssimo para o nosso país e o mundo: seja pela diversidade vegetal; seja pelas múltiplas espécies de animais que somente lá vivem; seja pelas comunidades indígenas que dependem da floresta; seja pelas riquezas que lá existem; seja pela soberania nacional envolvida. Sendo certo que efetivamente há um processo de devastação ali instalado que tem que ser coibido.

A segunda nuance que percebi é que o debate (aliás, como quase todos os debates), na maior parte das vezes, parte de premissas falsas e enviesadas que tendem, ora para um alarmismo catastrofista, ora para um desdém desarrazoado, a depender do interesse primeiro que está sendo defendido. Em poucos casos (salvo em falas de cientistas e jornalistas reconhecidamente sérios), vi opiniões balizadas em medições, números ou projeções, que pudessem diferenciar o que seria uma continuidade das más condutas e desatenções do passado (ou seja, uma continuidade da inaceitável e existente degradação ambiental na Amazônia) de uma catastrófica e impensável tragédia de destruição, com um aumento exponencial da degradação daquela floresta.

Sendo este, ao meu sentir, um ponto de maior importância: separar o que seria a necessidade de um reajuste (urgente) de uma política pública; de uma calamidade inimaginável que poderia dizimar, em pouco tempo, um dos mais importantes ecossistemas de nosso Planeta.

Tudo porque, para cada um dos pólos (do problema e o da calamidade), demandam-se ações distintas, aproximações distintas para a solução, e, principalmente porque, encarando-se um problema como uma calamidade, há espaço para geração de pânico e controvérsia, que podem, não só gerar uma reação exagerada do Poder Público (o que gera desperdício), como também gerar prejuízos em outras searas (ambiente de negócios, confiabilidade, relações internacionais, entre outros).

Dou como exemplo a saúde pública. Sempre que sai uma notícia de mortes de pessoas por doenças infectocontagiosas, acende-se um sinal de alerta nas pessoas. O inimigo indeterminado que pode estar em qualquer lugar, faz inicializar no cérebro todas as medidas de proteção para as potenciais ameaças – podendo, inclusive, gerar pânico. E muitas vezes o pânico é instalado, mesmo quando o caso noticiado da doença aconteceu na mesma proporção dos casos esperados para aquele ano específico. (Ou seja, muitas vezes não se trata de nada atípico, devendo ser tomados os cuidados necessários, sem necessidade de alvoroço, desespero, ou mudança radical de hábitos).

Repito, não defendo que não haja preocupação, nem carência de atuação do poder público (o cuidado, a proteção e a precaução devem prevalecer sempre); defendo apenas que toda ação pública deve ser demandada na medida de sua proporcionalidade. A ação pública é complexa e deve garantir a proteção de inúmeros bens jurídicos; e o erário é um só para garantir proteção ambiental, educacional, de saúde, segurança, investimentos, entre outros aspectos.

Ou seja, os recursos públicos não provêm de uma fonte inesgotável apta a suportar todos os dispêndios. Os governantes não detêm um talão de cheques com saldo ilimitado. E os recursos devem ser utilizados na medida exata de racionalidade e necessidade. (Lembro quando era criança, e queria algo para o qual os meus alegavam não ter dinheiro, eu dizia: passa um cheque! Imaginando aquele talão como um papel de cunho mágico que comportava qualquer gasto, e qualquer valor poderia ser ali colocado. Hoje as crianças dizem para colocar no cartão; e muitos adultos dizem para o Poder Público, que devem ser criados direitos, sem estipular a fonte de custeio...)

E o que fazer? O que fazer para resolver o problema das queimadas na Amazônia? Esta talvez seja a pergunta que tem faltado para o debate ser proveitoso (já que tem sido procurados mais culpados, e ganhos políticos do que resolver o problema). A resposta exata eu não sei, mas entendo que deve ser utilizada a aproximação cabível para a resolução de qualquer problema: a) com base em dados científicos e de realidade, obtidos em observação direta e não em ouvir dizer, identifique-se o problema; b) estipule-se de forma técnica a sua dimensão e os meios aptos para, contingenciá-lo no curto prazo, e, no médio e longo prazo, resolvê-lo; e c) execute-se o plano, agindo-se de forma proporcional, nem a mais e nem a menos.

Os seres humanos são seres enviesados. Cada um tem suas crenças e visão de mundo criadas pela sua interação com a sociedade e o ambiente cultural, e de uma maneira geral analisamos o mundo a partir destas crenças intuitivas (para aprofundamento destes temas, recomendo a leitura do livro Rápido e Devagar de Daniel Kahneman). Assim, é normal que as técnicas de convencimento tentem manipular estas crenças e emoções de modo a construir um convencimento (e uma pós-verdade).

E como remédio, é dever de cada um de nós, e principalmente dos governantes tentarem não entrar neste jogo, agindo de modo racional e transparente, desconfiando dos achismos, das verdades ideológicas, dos lugares comuns. E, principalmente, laborando a partir de medições, soluções e processos. Medições para identificar e diagnosticar de forma real os problemas; soluções para que efetivamente sejam resolvidos os problemas; e adoção de processos eficientes, porque nada é resolvido em um passe de mágica, sempre se demanda uma série de providências racionalmente concatenadas, desde o diagnóstico até a completa solução.

No caso das queimadas amazônicas, o debate, apesar do pânico, parece que gerou algum conhecimento seguro, e um indicativo prático de providências em termos de mobilização do aparelho estatal para solução do que foi apresentado. Mais do que isso, além do Estado, mobilizou-se a sociedade e o mundo. E é certo que, para grandes questões, necessita-se da atuação de todos os envolvidos. Quando todos se unem, não para criticar a problemática, mas para resolvê-la, a solução tende a acontecer.

E os porcos enormes? Meu pai contava uma estória de um fazendeiro de porcos, que enriqueceu e viajou para a Inglaterra nas férias para passear. E de lá voltando, foi perguntado sobre o que achou do Reino Unido. Para a surpresa de todos, ele respondeu desprezando Big Ben, Westminster, Stonehenge e outros, dizendo, para espanto de todos: “- adorei a Inglaterra, nas fazendas de lá, os porcos são enormes! Conto este causo, para dizer que cada um vê o mundo baseado em suas experiências e vieses (vemos o que pensamos e acreditamos). E, sabendo disso, cabe a cada um, a cada momento, duvidar um pouco do mundo que se apresenta, e com reflexão, procurar expungir os nossos vieses e os vieses dos discursos dos outros, para tentar construir algo mais racional, mais verdadeiro, mais próximo da realidade, e principalmente mais eficiente e efetivo em termos da real resolução dos problemas, não só ambientais, que afligem o Brasil.

 

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