ARTIGO: O desconhecido desconhecido, o derramamento de óleo em nossas praias, e um necessário exercício da humildade.

15/10/2019 16:42


ARTIGO: O desconhecido desconhecido, o derramamento de óleo em nossas praias, e um necessário exercício da humildade.

*João Augusto Bandeira de Mello

De onde veio o óleo não se sabe ainda. O que causou é não sabido. Quem é o responsável, ninguém sabe. Os prejuízos ao ambiente e à vida do Nordeste, ainda não foram calculados. A incerteza que envolve este terrível acontecimento nos intriga, nos angustia, nos faz procurar respostas efetivas.

A incerteza e o desconhecido estão em todos os campos de nossas vidas: seja na escolha de uma profissão; em começar uma nova carreira; iniciar um relacionamento; empreender em uma nova área; na eleição de um representante. A vida simplesmente se apresenta e temos que tomar decisões onde muitas vezes não temos todas as informações para embasar o caminho escolhido. O caminho pode ser tortuoso, mas tem que ser trilhado.

Estou lendo um livro muitíssimo interessante sobre como lidar com o este desconhecido, ou seja, com assuntos ou situações que não têm respostas prontas e cujas decisões têm que ser tomadas em seara de incerteza.  No percorrer do livro (que ainda não terminei), intitulado “Not Knowing” (que seria, em tradução livre, “Não sabendo”), dos autores Steven D’Souza e Diana Renner; estes realçam que o absoluto controle é sempre uma ilusão, e que temos que ter a maturidade, a racionalidade e a resiliência necessárias para lidar com o incerto, procurando maximizar os acertos e principalmente aprender com o caminho.

E, nesta toada, segundo os autores, talvez o maior perigo neste trato (luta) com o desconhecido, seria exatamente considerar uma situação onde paira e assombra uma incerteza, como se fosse algo plenamente controlado. Para tanto, citam lapidar frase do Secretário de Defesa americano durante a Guerra do Iraque, Donald Rumsfeld, que, discorrendo sobre a existência ou não de evidências de armas de destruição em massa sob o domínio de Saddam Hussein, sintetizou as esferas cognitivas que se apresentam ao ser humano responsável pela tomada de decisão. 

Disse Rumsfeld (também em tradução livre): “Existem conhecidos conhecidos; ou seja, há coisas que sabemos que nós sabemos. Existem conhecidos desconhecidos, que quer dizer, existem coisas que, para este momento, sabemos que sobre as quais não temos conhecimento. Mas há também os desconhecidos desconhecidos – coisas que nós não sabemos que não conhecemos. (...) E estes últimos são as mais difíceis de lidar. 

Para aclarar vejamos exemplos do que se quis dizer, a começar pelo conhecido conhecido, que é representado por aquela situação, para a qual a experiência/ciência já tem o procedimento ou a solução. Conceito que vale para o ato de fabricar um carro, ou um remédio; para fazer uma transmissão via internet; para transformar água salgada em água potável, entre tantas outras coisas de nosso cotidiano. 

Como conhecidos desconhecidos, temos aquelas situações para as quais há protocolos científicos ou de experiência de que não se sabe a resposta ou a solução, tais como: a obtenção de uma cura em massa para a AIDS ou para o câncer (uma cura que atinja todos os casos e a qualquer tempo); ou como impedir fenômenos catastróficos da natureza, que sabemos que irão acontecer. Neste campo, trabalha-se efetivamente na convivência com os fenômenos, tentando prevenir os danos e/ou mitigando os seus efeitos.

 Mas o pior de todos, como disse Rumsfeld, é o insidioso desconhecido desconhecido, ou seja, algo que não sabemos, que está fora do radar e que está subrepticiamente esperando para acontecer e nos ameaçar. O desconhecido desconhecido representa exatamente aquela variável que não contemplamos, quando fazemos nossas expectativas de resultados; e pode resultar, grosso modo, de duas situações: a) de que, por desídia, por interesse pessoal ou excesso de confiança, aquele aspecto não foi suscitado na análise das expectativas; ou de que, b) simplesmente, aquela variável não era conhecida, mesmo com todos os deveres de cuidado, por ocasião do procedimento de estimativa e planejamento.

O primeiro caso, que poderia ter sido superado pelo emprego de maior cuidado, estudos e atenção, infelizmente, ocorre muito em obras públicas, quando sondagens insuficientes do terreno, mapeamentos precários dos equipamentos existentes no subsolo (tubulações de gás, por exemplo) ou erros de planejamento fazem com que a obra não tenha o curso desejado, demandando a necessidade, muitas vezes, de seu refazimento, ou sua total reestruturação em termos de orçamento, prazos e custos. 

O segundo caso, que seria o desconhecido desconhecido propriamente dito, acontece quando, mesmo observados todos os protocolos técnicos, todos os deveres de cuidado e planejamento, a situação foge de todos os paradigmas sabidos e surpreende a todos, causando prejuízos financeiros e/ou vítimas. Vê-se muito este tipo de situação, no que pertine aos eventos da natureza que surgem de forma surpreendente e inesperada (chuvas fora do normal, tempestades insólitas e fora do padrão, tsunamis inéditos os quais a ciência não foi capaz de prever. Sendo certo que, se o evento da natureza for previsível, este não se enquadaria neste conceito, e estaríamos no primeiro caso, no da desídia).

E o que isso tem relação com o derramamento de óleo que tem castigado duramente o litoral nordestino, prejudicando o meio ambiente, o turismo, a fauna e a flora, os seres humanos, a economia, e que pode gerar transtornos imensuráveis na qualidade de vida dos lugares atingidos?

Exatamente porque o malsinado evento envolve um desconhecido desconhecido, já que não se sabe o que causou, quem causou, quais as consequências e ainda não foi estabelecido o que poderia ter sido feito para evitá-lo.

Mas será que esta incompletude de conhecimento significa então que nada pode ser feito? Que temos que nos conformar que eventos desta natureza, de tempos em tempos irão ocorrer? Vamos nos resignar a simplesmente rezar para que a situação não mais se repita? Agora, que o fato já ocorreu, quais seriam as cenas do próximo capítulo? O que ele nos reserva em termos de lição, notadamente em termos de política regulatória, de ação dos órgãos de fiscalização e cobrança da sociedade em geral? Temos algumas ideias, que passamos a expor.

Em primeiro lugar, considerando que, de tempos em tempos, o imponderável, seja por desídia não detectada, seja por não cognoscibilidade, acaba por acontecer; tem-se que ter um plano de contingência para mitigar os danos em casos de desastres. No caso específico do derramamento de petróleo, sabendo-se que há extração e transporte de combustíveis pelo mar, tem-se que ter um plano de contingência/emergência efetivo e dispositivo, prestar a ser acionado a qualquer momento em caso de catástrofes. 

Tem-se que ter um protocolo devidamente atualizado e treinado, em que cada órgão e instituição tem que saber efetivamente o que deve ser feito. O que não pode acontecer é, depois de o desastre acontecido, haver hesitação sobre o que é responsabilidade de quem, e não se tomarem as providências devidas para que seja minimizado o dano ao ambiente e aos seres humanos. (No caso do derramamento de óleo em nossas praias, considerando a necessidade de se acionar a justiça para que providências mais decisivas fossem tomadas, o sentimento é de que o protocolo não estava devidamente estabelecido).

Em segundo lugar, movimentados todos os esforços necessários para identificar a causa do derramamento de óleo, tem-se que entender o vício que gerou o problema e trabalhar para que o mesmo não mais se repita, adotando-se uma política de prevenção proativa, onde se pense de modo concatenado e consistente sobre quais são as vulnerabilidades identificadas e sobre todas as variáveis que devem ser neutralizadas para que o desastre não ocorra novamente.

Sendo que, no caso específico do derramamento de petróleo, desde já se demanda uma regulação mais efetiva dos oceanos, com fiscalização mais rigorosa dos navios e das operações com combustíveis. Haja vista, por exemplo, os indícios de que possam existir navios fantasmas (navios sem identificação que não se reportam às autoridades náuticas), e que podem ter causado toda esta confusão.

Em terceiro lugar (indo além do derramamento de óleo e pensando em todos os casos), é necessário o desenvolvimento geral de uma política geral de prevenção de riscos (inclusive os riscos oriundos de eventos incertos), onde a prevenção vá além da mera repetição dos paradigmas do passado, e alcance-se a possibilidade de inserir nos algoritmos de prevenção, também o surgimento de variáveis ainda não mensuradas/identificadas. Dizemos isso para, principalmente, lutar contra o viés do excesso de confiança, erro de avaliação que se revela em achar que somente porque uma conduta deu certo até o momento, ela continuará tendo sucesso a todo o tempo. 

Deve-se sempre ter em mente que as circunstâncias do Planeta mudam a cada instante e uma cultura de prevenção tem que ser tão agressiva e efetiva quanto a cultura de transformação. Merecendo sempre que se lembre que, desde o século passado, pela primeira vez na história, o homem, pela quantidade de energia que maneja, pelos materiais combustíveis e explosivos que criou e operacionaliza, tem condições de efetivamente destruir o nosso hábitat. É, portanto, um absoluto dever ético evitar que isto aconteça.

Para tanto, e chegando ao último tópico do tema, o que se apresenta é, enfim, um exercício de humildade. Humildade para compreender que a preservação do meio ambiente é um dever ético que temos uns para com os outros, mas principalmente para com as gerações futuras. Humildade para perceber que, se este dever ético de preservação não prosperar, a vida humana, apesar de todos os avanços tecnológicos, pode não persistir, encerrando seu ciclo neste Planeta. Humildade para saber que sabemos muito, mas que, sob inspiração Socrática, a melhor medida do muito que sabemos é reconhecer que sabemos muito pouco. Humildade para aprender com as tragédias, desastres, hecatombes e acidentes, pois o erro é mais didático que o acerto, e é no erro que vislumbramos a mudança de rumo para o caminho certo. E, por fim, e talvez principalmente, humildade para nos sabermos imperfeitos, e que temos que trabalhar muito para fazer desaparecer esta mancha de óleo em nossos olhares, para que possamos talvez enxergar finalmente um futuro, um porvir onde estas manchas nunca mais voltem a aparecer. 

*Pernambucano e sergipano, possui graduação em Engenharia Eletrônica e Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. É Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Sergipe (MPC/SE), exercendo atualmente a função de Procurador-Geral do MPC/SE 

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