ARTIGO: Minha caneta azul, o design da possibilidade e o caminho de Santa Dulce.

04/11/2019 17:27


ARTIGO: Minha caneta azul, o design da possibilidade e o caminho de Santa Dulce.

*João Augusto Bandeira de Mello

Caneta azul, azul caneta. Não, caro leitor, pode ficar tranquilo. Não vamos discutir neste artigo, o fenômeno atual da internet, acerca de uma música que tem como tema, a sofrida perda de uma caneta azul e o apelo emocionado para que a mesma fosse devolvida. Puxo a caneta azul, apenas para lembrar de minha primeira caneta (que aconteceu de ser azul), comprada a partir da minha lista de material para a terceira série do primeiro grau menor. E esta simples caneta, minha primeira caneta, tem uma grande simbologia em minha vida, por dois motivos principais.

O primeiro, pelo signo da responsabilidade: a partir daquele momento, meus atos, pelo menos os relativos aos deveres escolares, tornar-se-iam perenes ao serem escritos a tinta, e não poderiam mais ser apagados. (Poderiam ser riscados, rasurados, mas não mais poderiam ser extraídos do mundo pelo uso de uma borracha.) Ou seja, tudo o que eu fizesse com aquela caneta deixaria rastros, marcas, cicatrizes do que pensei e escrevi. E este era um passo relevante rumo à vida adulta.

E o segundo, que vem a reboque do primeiro, provinha do fato de que, a partir daquele momento, começaria de forma mais efetiva, o meu treinamento para ser um copartícipe do desenho do mundo; já que todos nós, de forma mais ou menos consciente, com nossas mentes, nossas almas, nossas mãos e decisões, moldamos aquilo que chamamos de realidade, de presente e principalmente de futuro.

E sobre desenhar o mundo, eis que surge então, o segundo assunto do presente texto, que é o design da possibilidade. Mas o que seria isto? (Para aprofundamento, sugiro pesquisar o termo design thinking, e o vídeo no Youtube do TED-TALKS, da palestrante Juliana Proserpio.) Expliquemos.

Ora, normalmente nos aproximamos do termo design, pensando na beleza ou utilidade de um móvel, artefato ou utensílio: uma cadeira moderna, um sofá confortável, um conjunto de escritório ergonômico, uma ferramenta mais prática, uma jarra bonita. Mas o termo design pode ser utilizado também para o desenho de um processo, de um modelo de negócios, de um método de abordagem para modificar uma realidade.

Sendo que, no caso, o design thinking seria exatamente o campo sistematizado de estudos tendentes a que as práticas da vida possam ter seu desenho modernizado, aperfeiçoado, ou mesmo para que seja criado algo absolutamente novo e disruptivo, para tornar mais acessíveis (e isto é muito importante para todos, mas especialmente para pessoas idosas e com deficiência), mais fáceis, mais eficientes ou simplesmente mais prazerosas, as atividades e serviços do dia-a-dia. Devendo ser aplicado, como dito, não só aos objetos, mas a todo e qualquer procedimento tendente à efetivação de um serviço.

E por falar em serviço, é cediço também que o Poder Público deve se pautar pelo Princípio da Eficiência; neste escopo, seus processos e procedimentos, notadamente aqueles vinculados a serviços públicos, devem ser otimizados. 

Será que não há uma maneira de alocar mais inteligentemente os pacientes, de modo a permitir maior número de atendimentos? Será que podemos diminuir a frequência de faltas em datas marcadas para exames? Será que não se pode tornar mais didática uma aula de matemática para que o aprendizado seja aumentado? Será que determinados serviços precisam mesmo de tanta documentação? Ou será que precisam efetivamente de atendimento presencial? 

São reflexões que têm de ser feitas no cotidiano de qualquer organização, e mais ainda no âmbito do serviço público, que é demandado por todas as pessoas, especialmente aquelas mais carentes e que têm menos possibilidade de opção, caso o serviço público falhe.

Mas, como deve se proceder para se alcançar este design otimizado? Segundo lições sobre o tema, deve ser observado o seguinte caminho (que em última análise é o caminho para resolver qualquer problema): a) identificação da questão a ser resolvida ou aperfeiçoada; b) montagem de equipe multidisciplinar envolvendo os aspectos econômicos, jurídicos, administrativos, psicológicos, de tecnologia (essencial, hoje em dia), dentre outros profissionais; c) conversa com os usuários para entender a melhor maneira de prestar o serviço, utilizando-se da empatia (é imprescindível entender as dificuldades e angústias dos usuários); d) montagem de programas piloto para testar a solução; e) ampliação e efetivação da solução para todos, sempre com o devido monitoramento; e f) implantação de mecanismos de avaliação e aperfeiçoamento contínuos.

E o design da possibilidade falado no título do artigo? Este seria o mesmo design thinking, com os mesmos procedimentos, mas observando-se uma dimensão filosófica mais ampla e mais ambiciosa, que vai até os limites da possibilidade material da inovação, não se conformando com barreiras consolidadas pelo costume burocrático; ou com uma mera replicação de fazeres anacrônicos, mas que se enraízam notadamente no âmbito do Poder Público; ou simplesmente não se conformando com a falta de aspiração/inspiração de que algo pode ser feito de uma maneira diversa.

Sendo certo que os limites do impossível no Poder Público às vezes são muito próximos e irreais, tendo-se como impossível algo que simplesmente demanda uma autorização superior; ou a aquiescência de outro órgão; ou o consenso entre entes federativos; ou o convencimento dos atores envolvidos de que aquela é a melhor solução; ou ainda, o peregrino problema da busca por financiamento. (E, na maior parte das vezes, com criatividade e boa-vontade, tais barreiras podem ser superadas).

Para tais casos, vale a frase, que não é minha: “não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. Lembrando-se sempre que servir é também resolver problemas, e que um bom serviço demanda uma resolução eficiente das questões apresentadas. Desta forma, todo servidor público deve ser também um desenhista de soluções inovadoras e efetivas que ultrapassem as dificuldades que se apresentam, e alcancem o bem-estar coletivo que deve ser a meta principal de atuação para o Poder Público.

Por fim, porém mais importante, temos Santa Dulce dos Pobres, nossa Santa que tão bem encarnou a situação retratada neste texto. Primeiro, porque ela não acreditava em problema sem solução: ela acreditava no exato oposto, de que todo sofredor deveria ser acolhido, e nesta medida jamais se conformou com negativas e barreiras, e sempre as superou para que o sofrimento fosse extinto ou minimizado. Ela vislumbrava a possibilidade de sucesso, e o fazia acontecer. Atitude que deve servir de inspiração a todos os que têm o privilégio de trabalhar no serviço público. (Ela encarnava em serviço, o design da possibilidade).

E segundo, porque, além de todo o caminho de solidariedade que deixou, Santa Dulce agracia o Estado de Sergipe com a oportunidade maravilhosa de poder ser valorizado o legado de sua passagem por nosso Estado: seja na perspectiva histórica de sua consagração como freira em São Cristóvão; seja nos milagres aqui realizados; seja principalmente no legado de fé e caridade que estão inexoravelmente unidos à sua lembrança. Neste sentido, a Igreja Católica, o Governo do Estado, e outras instituições, como o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, estão se irmanando para desenhar um roteiro de fé e turismo religioso, celebrando a passagem da Santa por estas Terras. 

Assim, à guisa de concluir, faço uma exortação para que este roteiro abrace (como Santa Dulce abraçava, as dificuldades e os sofridos) e abarque todos os aspectos necessários, sendo eficiente, operacional e reverente ao cumprimento do seu mister. Sendo, neste escopo, muito bem e responsavelmente desenhado em termos de: acessibilidade para todos; infraestrutura (estacionamento, banheiros, segurança, etc);  comércio (inclusive como meio de inclusão social de pequenos empreendedores); sinergia com outros roteiros e monumentos (Nossa Senhora Aparecida, Divina Pastora, Tomar do Geru, dentre outros); e, principalmente, ressaltando os aspectos de cultura e fé, porque, alfim, como dito, a valorização do exemplo, do legado espiritual e das histórias de transformação advindas da atuação da querida Santa Dulce, são as questões mais relevantes deste processo. Que a Santa Dulce, por sua bênção e o exemplo, inspire a todos! 

*Pernambucano e sergipano, possui graduação em Engenharia Eletrônica e Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. É Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Sergipe (MPC/SE), exercendo atualmente a função de Procurador-Geral do MPC/SE 

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