ARTIGO: A estruturação dos controles internos e a busca do maior tesouro dos Municípios.

22/11/2019 21:44


ARTIGO: A estruturação dos controles internos e a busca do maior tesouro dos Municípios.

*João Augusto Bandeira de Mello

Reza uma antiga lenda, aqui adaptada para os nossos tempos, que, em uma pequena cidade do interior do Nordeste, havia um menino de seus dez anos, órfão de pai, e criado de maneira humilde e honesta pela mãe. Este menino, muito interessado nas coisas do mundo, um belo dia, quando estava na porta de sua casa observando o movimento, reparando em que ia e vinha e nos porquês daqueles deslocamentos, foi interpelado por um sujeito alto, com uma face meio misteriosa, vestido de forma simples e com uma grande mochila meio surrada. O homem parecia meio apressado e ofegante, e certamente não era brasileiro, pois falava de modo lento, enrolado e trocando as concordâncias dos artigos. O homem que veio de longe não demorou muito, disse que estava com pressa, e queria apenas lhe deixar um presente: livro - um livro que, segundo ele, continha o mapa de um tesouro. Antes de o menino fazer qualquer pergunta, o gringo puxou um belíssimo livro azul com letras douradas, escrito em uma língua esquisita e cheio de símbolos. O menino boquiaberto não entendeu nada. O homem disse que explicaria, apenas pediu um pouco de água. O menino foi buscar e, quando voltou, não havia mais ninguém lá. Ficara apenas o livro.

O menino cresceu na intenção daquele livro. Ele realmente acreditara que ali continha o caminho para um tesouro. E quis entender o que havia ali contido. Primeiro descobriu que o livro estava escrito em alemão, e por isso, com enormes dificuldades, começou a aprender a língua, exatamente para decifrar a indicação de onde estaria aquele legado de riqueza. Esta foi uma tarefa que levou alguns anos, mas que lhe rendeu bons resultados, tanto no livro, que ele já conseguia compreender, pelo menos nas palavras, quanto em termos de renda, pois a vivência com o alemão lhe levou ao gosto pelo inglês e ele passou a ser um professor de línguas e tradutor, não só em sua cidade, mas também nas cidades vizinhas maiores.

O livro continha muitos símbolos, muitas coordenadas e grande número de nomenclaturas matemáticas, então ele percebeu que precisaria decifrar aqueles enigmas de lógicas e números. Estudou cartografia, engenharia, astrofísica, entre outras ciências, para entender o mapa e o universo. Tanto se esforçou, que ganhou bolsas de estudo; primeiro, para se preparar para o vestibular em um colégio particular da capital. Depois, já na universidade (pública), pelo conhecimento de línguas, fez cursos no exterior.

Mas ele ia e sempre voltava. Não esquecia a mãe, e não esquecia o livro. Já adulto e muito capacitado, decifrou que o livro alemão trazia coordenadas para uma pequena cidade no Sul do Brasil, onde ele supostamente conseguiria a indicação final do mistério do tesouro. E assim, aproveitando férias, ele e sua esposa, uma colega engenheira, grávida já de dois meses, rumaram ao destino apontado no livro enigmático.

E lá chegando, viram que as coordenadas apontavam para uma pequena casa, muito arrumada, com estilo alemão e cheia de flores no jardim. Tomaram coragem, bateram na porta meio sem saber o que dizer, e atendeu uma senhorinha muito simpática que, ao ver o menino, hoje um homem, começou a chorar. O casal ficou atônito, mas a senhora, recobrando o equilíbrio, perguntou, falando português com dificuldade, se eles vinham por causa do tesouro do livro. Eles disseram que sim. Então, ela entregou a eles uma carta, uma carta com uma foto, que era exatamente daquele mesmo homem que tinha dado o livro ao menino.

A carta explicava que aquele homem era seu pai, que por inconsequência não tinha acompanhado seu crescimento, que no momento de entrega do livro estava muito doente e que precisava se tratar no exterior, e que enquanto ele se tratava, o livro seria uma maneira de tentar substituir um pouco seu papel de pai, criando um sentido e um objetivo para que o menino crescesse na vida. Que ele pretendia voltar e vê-lo antes de morrer, mas que a doença foi mais rápida (e o último contato era aquela carta); que sua avó queria conhecê-lo, mas quando ela soube da sua existência, ele já havia se mudado e não tinha sido mais localizado; que o menino, hoje homem, por favor entendesse que  não havia baú de riquezas, mas que havia dois tesouros: o caminho do conhecimento percorrido até ali (e que fizera do menino um grande homem); e o conhecimento de sua avó, mãe do homem do livro, um dos grandes tesouros de sua vida.

Sim, mas e os controles internos? O que têm a ver com o menino do livro? E com o tesouro? Vamos explicar, mas antes façamos um pequeno suspense ...

Ora, o Controle Interno é o sistema montado pela própria Administração Pública com o fito de garantir: a) que os resultados planejados sejam alcançados (metas dos programas orçamentários, dos serviços públicos, dos anseios da população, entre outras); b) que as normas que norteiam o funcionamento dos serviços públicos sejam observadas (fazer licitação, empenho, concurso público, etc); c) que as obrigações de transparência impostas pela Constituição e pelas Leis, como assim as requisições dos órgãos de controle sejam atendidas. Entre outras atribuições relevantes.

Acontece que, de uma maneira geral, o sistema do Controle Interno, que visa, como vimos, o atendimento de obrigações tendentes a que a gestão pública se aproxime de um ideal de eficiência no desenrolar da função administrativa; muitas vezes, não é visto como algo relevante (e ele é relevantíssimo); ou não é tratado como algo essencial (ficando relegado a uma equipe pequena que nada contra a maré...); ou não é percebido como um aliado para a consecução dos grandes objetivos do Município. (Quando, na realidade, todos os caminhos que levam ao desenvolvimento passam pela modernização e eficiência da gestão).

E pior, muitas vezes esta falta de reconhecimento externo é irradiado para dentro das equipes controladoras, fazendo com que os próprios integrantes do Controle Interno não acreditem em seu papel de centralidade. O que faz com que não creiam que as obrigações exigidas em termos de Responsabilidade Fiscal, Transparência, de gestão de contratos e de bens móveis e imóveis e almoxarifado são primordiais para o bom gerenciamento e aplicação dos recursos públicos; ou que não enxerguem sentido nos relatórios gerenciais solicitados pelos órgãos de controle (como as informações prestadas em termos de IEGM e SAGRES,  por exemplo); ou que não percebam que tais dados são absolutamente importantes e muito úteis para a consecução das metas e finalidades da Administração Pública. 

Fato que acaba por revelar um terrível ciclo vicioso, onde a legislação impõe obrigações; os órgãos de controle externo cobram; e tais obrigações, seja por falta de estrutura, priorização, ou mesmo por carência de crença ou ênfase; são adimplidas de qualquer jeito, apenas para cumprir tabela, exclusivamente para evitar punições. E assim, acabam por não cumprir sua finalidade legal, tornando-se, lamentavelmente, uma grande perda de tempo e de oportunidades.

Neste sentido, retornando à estória que iniciou este artigo, e aos tesouros que o menino encontrou, temos que os Controles Internos (e por extensão toda a gestão pública) também podem encontrar seus tesouros. Como o menino, podem achar o primeiro tesouro, aquele não está no fim do caminho, mas sim no exercício da jornada. Neste caso, se for montada uma estrutura técnica de controle interno (e de gestão), profissionalizada, respeitada e prestigiada; que esta cuide das obrigações de transparência, licitação, finanças, educação; que guarde e evidencie todas as ações respectivas; que saiba que o dever de prestar contas é inerente, e, para tanto, é necessário ter as informações sempre à mão.

E que principalmente entenda que todos estes aspectos não se desenvolvem de maneira isolada, precisando de harmonia entre todas as secretarias; e que é preciso acreditar para que este trabalho funcione; esta estrutura não somente dará conta das obrigações respectivas, mas também, e principalmente, acabará por gerar uma gestão eficiente, pois terá o controle de todos os objetivos e metas; cuidará para que os resultados não alcançados sejam corrigidos (identificando onde houve os erros); e, principalmente gerará colaboração e sinergia para que o Ente Público alcance todos os anseios da Sociedade.

E, neste ponto, então, teremos o nosso segundo e mais importante tesouro, pois se o menino encontrou sua avó e sua origem, entendendo plenamente o seu lugar no mundo; temos que, alcançando a gestão pública, uma plena sintonia com os objetivos que tem de alcançar, haverá a efetiva comunhão entre Poder Público e vontade do povo.

 E isto se chama legitimidade. Um tesouro para o gestor, para o sistema de controle interno, e para todos os órgãos e servidores públicos: saber que a criança na escola, o doente no posto de saúde, que o cidadão nos serviços públicos, estão sendo bem atendidos. E que o futuro daquela coletividade, revela-se alvissareiro, feliz e promissor. 

 

João Augusto Bandeira de Mello é pernambucano e sergipano, possui graduação em Engenharia Eletrônica e Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. É Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Sergipe (MPC/SE), exercendo atualmente a função de Procurador-Geral do MPC/SE 

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