Artigo: Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais.

10/02/2020 17:55


Artigo: Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais.

Anunciação, este hino de amor, saudade e esperança de Alceu Valença talvez possa ser um mantra para todos nós brasileiros, especialmente os sergipanos, para este ano de 2020. Aos desconfiados e pessimistas peço minhas vênias e minhas escusas, mas vejo (finalmente) motivos reais de otimismo para este ano que ora se inicia.

Todos nós construímos expectativas, que dependem muitas vezes de nosso humor momentâneo. Ainda em estado de neutralidade, pesquisas mostram que nossas projeções são enviesadas positivamente em nosso favor, já que o cérebro humano é programado, como instinto de sobrevivência (e regulação geral de um sentimento de ordem e continuidade), com uma tendência de acreditarmos que as coisas melhorarão no futuro. (Por isso, fazemos financiamentos de casa própria para 35 anos, compramos carros com parcela residual para o final de 3 anos, fazemos viagens para somente começar a pagar depois do São João, e prometemos entregar um relatório em uma semana e ele não fica pronto antes de um mês...)

Mas meu otimismo, no caso, já sabendo de todos estes vieses que puxam as avaliações para cima, é (ao menos em tentativa) baseado em perspectivas concretas e mensuráveis. Em razões e argumentos que entendo defensáveis logicamente. Vejamos se consigo convencer o leitor amigo deste meu ponto-de-vista.

Ora, quem laborou na temática do Controle da Administração Pública sergipana ao longo dos últimos 15 anos, facilmente percebeu que as duas maiores ameaças a um futuro de desenvolvimento do Estado de Sergipe são o déficit previdenciário, e os maus números apresentados em sede da Educação em nosso Estado.

E uma grande angústia que devorava a todos aqueles que tinham esta mesma convicção era exatamente uma falta geral de percepção da sociedade e do Poder Público em relação a estes problemas. Eles não eram colocados em escala de prioridade, não faziam parte das grandes preocupações sociais e muito menos era estabelecida uma ordem de providências para especificá-los em números, e/ou contingenciá-los, e/ou enumerar ações tendentes a mitigá-los nos curto e médio prazos, e resolvê-los no longo prazo.

Costumo dizer que gestão pública é como um jogo de sinuca. Não se consegue ganhar o jogo sem um bom planejamento de jogadas. A escolha da bola que se tentará matar depende não só da posição da bola a ser encaçapada, mas também da preparação do posicionamento da bola branca para as jogadas subsequentes. Encaçapa-se uma bola, já preparando a próxima e assim sucessivamente.

Do mesmo modo nas ações estatais, não se pode pensar educação sem pensar saúde; pensar segurança sem pensar desenvolvimento econômico; pensar investimento sem diminuição dos gastos públicos com custeio, etc.

Neste ponto, somente para ilustrar este raciocínio, e levando em conta as áreas objeto deste texto, podemos relacionar os motivos pelos quais uma educação sem qualidade e um elevado déficit previdenciário impedem o desenvolvimento sustentável de Sergipe.

Com efeito, Sergipe evidentemente ainda não é um Estado pronto. Desta forma, há muito ainda a que se construir/investir em termos de infraestrutura, para que haja fomento de atividade econômica. Cito dois exemplos básicos: primeiro, o Centro de Convenções, em obras já há algum tempo, que, se pronto, poderia incrementar o turismo de negócios favorecendo hotéis, restaurantes, e o comércio em geral. E segundo, as estradas que, algumas em mau estado, dificultam o transporte de mercadorias, bens e serviços, trazendo aumento substancial de custos; seja em termos de eficiência, tempo, e o pior de todos: o custo social, quando acontecem acidentes com vítimas e vidas são ceifadas. (Poderia citar outros: portos, melhoramento da qualidade genética de rebanhos e plantações, atração e financiamentos de empresas de tecnologia, etc etc etc).

E como se poderia investir mais, com o orçamento cada vez mais compromissado com despesas de pessoal? E de forma crescente e exponencial. A solução? Entendo que começa a ser vislumbrada. No curto prazo, com o aprendizado (e prática efetiva) da colocação da variável previdenciária na composição dos custos das políticas de governo (temos visto que todo e qualquer reajuste salarial passou a ser avaliado em termos de sustentabilidade fiscal e previdenciária ao longo dos anos, o que não se fazia no passado). E no longo prazo, com medidas duras e austeras no sentido de conter e efetivamente mitigar o déficit previdenciário. Está aí a aprovação da Reforma da Previdência, com relativo consenso, demonstrando que os atores sociais aceitaram que a ameaça é real, grave, e que deve ser objeto de preocupação e providências fortes para sua solução. 

Falamos da previdência impactando o futuro. E a educação? O impacto é talvez ainda mais relevante, porque mexe diretamente na possibilidade de desenvolvimento das pessoas. Ora, é cediço que a formação educacional de uma pessoa impacta o seu futuro, em termos de evolução pessoal, social e profissional, também em termos de oportunidades propiciadas, de percepção crítica do mundo e da própria autodeterminação do indivíduo.

Mas a educação tem impacto coletivo também? Claro que sim. E não só em termos de escolhas coletivas, como controle social do outro e das instituições, e eleição de governantes; mas também tem um componente econômico muito significativo. Tudo porque uma mão-de-obra qualificada é essencial em termos de produtividade e inovação. Sendo que, por exemplo, por mais que venham investimentos em termos de petróleo e gás para nosso Estado (outra perspectiva alvissareira), se não tivermos mão-de-obra sergipana qualificada para propiciar e tornar local esta riqueza, boa parte da mais valia aqui produzida acabará sendo exportada para outros Estados.

Ou seja, sem uma formação educacional sólida, teremos severos prejuízos para fazer frente aos desafios sociais e econômicos da modernidade, notadamente aqueles advindos da disrupção tecnológica e da mudança da matriz econômica para atividades de maior valor agregado. 

E de onde vem a esperança em termos de educação? De todo um movimento envolvendo Governo Estadual, Municípios e órgãos de controle (dentre eles o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe e o Ministério Público de Contas de Sergipe) no sentido da melhoria das perspectivas de educação em nosso Estado.

Um fruto deste movimento, tive oportunidade de presenciar na última sexta-feira, em um Teatro Atheneu lotado, com o evento celebrando a abertura do ano letivo de 2020 da Educação Pública Estadual. Naquela assentada, além do estabelecimento de um cronograma unificado de início das aulas em toda a rede educacional estadual (e como é importante um calendário certo, previsível e que contemple toda a carga horária prevista para cada série escolar), foram homenageados e premiados professores e alunos que se destacaram durante o ano de 2019. Mais do que honrarias e bons prêmios (os vencedores de concursos literários foram premiados com notebooks), o que se viu foi uma distribuição de esperança, para todos que estavam ali, e para todos os sergipanos. (E como é relevante o aspecto motivacional das pessoas para superar grandes desafios).

Uma vez disse a minha filha, mais ou menos com estas palavras: - o futuro depende em grande medida da construção que é feita por nossas escolhas, dia após dia. Raso ou profundo, denso ou fluido, com sonhos maiores ou menores, sempre haverá um amanhã, que surgirá sempre a certeza de que, como diz Benjamin Disraeli (em frase atualmente lembrada e difundida pelo Professor Mario Sérgio Cortella): “a vida é muito curta para ser pequena”.

E, voltando ao início do texto,  o sentimento de esperança é extremamente gratificante, e tão belo como a Anunciação de Alceu Valença, que retrata  alguém muito saudoso, que sabe que o seu amor vem numa manhã de domingo, “numa bruma leve das paixões que vêm de dentro, tu vens chegando pra brincar no meu quintal. No teu cavalo, peito nu, cabelo ao vento. E o Sol quarando nossas roupas no varal”.  Tão belo quanto o sorriso dos alunos, professores e dirigentes educacionais que vi na sexta-feira passada; tão belos e singelos quanto os sonhos dos mais humildes sergipanos, que podem vir a se realizar, se o caminho certo continuar a ser trilhado. (Valendo sempre a lição de que com um jogo de sinuca bem jogado, não se entra em uma sinuca de bico).

Compartilhe

Veja Também

Receba Notícias Pelo WhatsApp