O coronavírus, dorothy, o bálsamo de ferrabrás e o que esperar do poder público, e de todos, neste momento de crise

18/03/2020 19:30


O coronavírus, dorothy, o bálsamo de ferrabrás e o que esperar do poder público, e de todos, neste momento de crise

Eu li o Mágico de Oz quando tinha aproximadamente uns 10 anos. O livro foi presente de minhas tias paternas (que inevitavelmente me davam livros de presente), e foi um dos precursores, junto com Monteiro Lobato e a turma do Sítio, em me fazer dar asas à imaginação, e viajar por universos paralelos, que, no caso de Oz, tinham naturalmente bruxas, macacos voadores, espantalhos, homens de lata e leões falantes.

Hoje, adulto, rememorando a história, e depois de ver o magnífico filme de 1939, trago o que, na minha visão, é o principal ensinamento da saga de Dorothy, que acho que pode ser útil neste momento de apreensão e incerteza, em relação ao coronavírus, Covid-19. Vírus que ameaça a nossa conformação social e econômica e que demandará muito do Poder Público e de nós mesmos.

A lição almejada diz respeito à necessidade de buscarmos nosso poder de autodeterminação, com vista à superação dos problemas que nos afligem. No livro, Dorothy e seus amigos seguem a estrada de pedras amarelas em busca de uma audiência com o Mágico de Oz, mago que teria o poder de levar a menina do Kansas de volta para casa, de dar ao homem de lata um coração, de conseguir um cérebro para o espantalho e de fazer do leão um ser muito corajoso.

Acontece que, na estória que todos conhecem, o Mágico de Oz não tem verdadeiros poderes, e não poderia pela mágica ajudar os nossos amiguinhos. Porém, o mágico, muito inteligente, deu um placebo para resolver o problema de três dos personagens, no caso, um relógio em forma de coração para o homem de lata, um diploma de PHD para o espantalho e uma medalha de coragem para o leão. Para Dorothy, a solução não veio do mago, mas da bruxa boa do Sul.

E, como se sabe, todos conseguiram seus objetivos, Dorothy estava com a solução para a sua volta, o tempo todo junto a si, com os sapatos mágicos que ela usava desde o início da história. E os outros três amigos, realmente acreditaram que seus desejos tinham sido atendidos, e passaram a agir exatamente como eles almejavam ser: o homem de lata com sentimentos, espantalho cheio de ideias e leão apto a qualquer desafio.

Ou seja, o mágico de Oz, mesmo não sendo mágico, fez a magia acontecer dentro cada personagem, e demonstrou, e isto ocorre na maioria esmagadora das vezes, que normalmente as soluções para nosso futuro já estão encaminhadas dentro de nós, e se nós acreditarmos e nos esforçarmos, podemos conseguir.

E tal aprendizado vale muito para o combate e convivência com as consequências do Covid-19, já que, por tudo exposto até aqui, grande parte dos melhores resultados para a crise trazida pelo novo vírus depende de intensa adesão social, notadamente em termos de medidas para evitar a disseminação da doença, e no tocante à manutenção da calma e do bom-senso para que não haja pânico ou caos social.

Certo, cada de um de nós tem que fazer sua parte. Mas o que esperar do Poder Público? Duas coisas principais. Primeiro, tal qual o mágico de Oz, devem os agentes públicos empoderar a população, em termos de demonstrar (e convencer) o melhor modo de convívio com a crise, informando todos os passos e condutas que devem ser seguidos pelos cidadãos (capacitar cada pessoa do caminho certo para a crise). Tudo porque, em um cenário de extrema incerteza, e muita desinformação, urge que a informação seja repassada de modo preciso, cognoscível e com a certeza de que a mesma foi assimilada (e existe vasto arsenal de técnicas de psicologia comportamental para isso).

Neste ponto, releva explicitar que, se por um lado, a infecção causada pelo Covid-19, na imensa maioria dos casos, não é grave; por outro, isto não é motivo para negação do problema (que é sempre uma tendência do cérebro humano, em momentos de incerteza), porque, segundo os especialistas, uma parcela da população, notadamente os mais idosos, necessitarão de algum atendimento médico, e tem-se que trabalhar para que o número de casos que demanda atenção médica não ultrapasse a capacidade de atendimento da rede hospitalar.

Por isso, as medidas de contenção de shows, eventos, espetáculos, de circulação de pessoas, de orientação para diminuição do contato entre as pessoas e dos cuidados para com a higiene. Não é só para que as pessoas não fiquem doentes; é para que, se ficarem, não fiquem todas doentes ao mesmo tempo. Fato que, se acontecer, pode sim trazer problemas de atendimento nos hospitais e repercussões negativas para a ordem social, principalmente para a economia. 

Urge, portanto, explicar as razões das restrições à circulação, para conseguir a plena adesão das pessoas ao sentido da restrição. Tudo porque, por exemplo, pessoas liberadas do trabalho em função do Covid 19 podem acabar usando o tempo livre para se aglomerar na praia, o que perderia totalmente o sentido com a medida tomada.

 Um segundo ponto que se espera do Governo (de todas as esferas) é que sejam tomadas medidas efetivas para ampliação do atendimento médico neste período, notadamente na rede pública. Isto porque, conforme salientado acima, fatalmente a demanda hospitalar aumentará nos próximos dias e semanas (e daí a importância que somente busque atendimento médico quem realmente esteja precisando), e é necessário um plano de contingência para que não fique ninguém desatendido.

Serão necessários mais leitos, mais equipamentos de assistência à respiração, aumento da quantidade de profissionais de saúde para o aumento da demanda e para eventual substituição temporária (até porque muitos deles, enquanto seres humanos, também pegarão o vírus). Devem ser tomadas medidas regulatórias para que não faltem itens de higienização como álcool-gel, papel toalha e papel higiênico; e, em um cenário macro, devem ser tomadas medidas de sustentabilidade da economia, uma vez que a indústria do turismo, dos eventos e espetáculos já está fortemente prejudicada; e havendo reflexos para outros setores.

Deve, portanto, o poder público dar prioridade máxima ao equacionamento das ações para o enfrentamento dos desafios citados, e sempre, e isto é muito importante, sempre adotando soluções técnicas baseadas em evidências e estudos científicos. Não é momento para achismos, fake news ou voluntarismos, que somente agravam a situação. 

E o bálsamo de Ferrabrás, famoso unguento que cura todos os males usado por D. Quixote de la Mancha, que tomei conhecimento quando li a versão da história do fidalgo espanhol para crianças, trazida por Monteiro Lobato? Seria solução? Como o querido leitor já deve imaginar, o referido bálsamo cuja fórmula se perdeu na ficção, não existe e não é eficaz contra o Covid-19. Nem ele nem todos os outros remédios milagrosos que chegam no zap de cada um. Como nas gripes, o coronavírus é combatido por nosso sistema imunológico. Vale, neste ponto, os conhecimentos imemoriais, que valem por eficazes, e reconhecidos pela ciência: repouso, boa alimentação, evitar stress, e reforçar o sistema imunológico para vencer a doença.

Assim, respondendo à pergunta trazida pelo título, precisamos do Poder Público, e precisamos de soluções que atentem para os direitos fundamentais, e que sejam inspiradoras e eficazes no combate à pandemia. E principalmente, necessitamos de soluções que sejam justas para o coletivo e para cada um individualmente. Porém, sem nunca esquecer que o Poder Público em si, a mola coletiva que move a sociedade, também está em nós; logo, não olvidemos que estamos inseridos neste contexto, cabendo a cada um não apenas cobrar soluções, mas ser parte dela para vencer este inimigo que ameaça a todos. (Esperamos muito do Poder Público e de cada um de nós).

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