Artigo: A importância de não entender, a construção de soluções em tempos de covid-19 e a salvação do ano letivo de 2020

22/04/2020 18:22

Por João Augusto Bandeira de Mello


Artigo: A importância de não entender, a construção de soluções em tempos de covid-19 e a salvação do ano letivo de 2020

 

“Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo (...)” Clarice sendo Clarice. E mais uma vez o pensamento da nossa querida Clarice Lispector aclara e traz luz para a condução dos propósitos neste momento de pandemia tão complexo e complicado que estamos vivendo.

 

Mas o que a autora quis dizer por não entender? Na minha humilde opinião, ela diz (e daí que vem a luz, a claridade de Clarice) que não podemos nos conformar com o óbvio, com o sempre foi assim, com o padrão de tradição que paralisa e sufoca nossa capacidade de modificação da realidade. 

Neste sentido, o entendimento é claustrofóbico, é aprisionador, é terminativo. Ele não indaga além do que já está posto, ele não contesta, ele não avança sobre as fronteiras do que deveria e do que poderia ser. (Fronteiras que são diuturnamente desbravadas por crianças, poetas, artistas, cientistas, profetas, filósofos e tantos outros que não entendem os déficits de humanidade, por exemplo, que estão postos).

E, trilhando o caminho do título, agora, mais do que nunca, é importante esta postura proativa, criativa e transformadora, na busca de soluções de normalização da dinâmica social, nestes tempos de COVID-19.

O mundo não será mais o que era. As relações humanas, econômicas e sociais também não. O futuro que já batia à porta com o uso de tecnologia da informação e inteligência artificial, nas atividades comerciais, de saúde e educação, inseriu-se a fórceps em nosso presente. Uso de aplicativos para compras, para consultas, para reuniões, para o ensino tornou-se regra nesta quarentena. E nada indica que, mesmo com a quebra do isolamento, este paradigma irá mudar ou retornar ao parâmetro anterior.

Por isso, este é um tempo de estranhamento, um tempo onde o novo se achega e nos acarinha, nos cutuca ou nos bate, a depender de que como ele se impõe e de como o recebemos.

Neste prisma, em época de novidade, incerteza, de consequências não sabidas, de previsões inconclusas, não adianta empregar as soluções preconcebidas do passado. Os raciocínios de entendimento automáticos que são tirados da cartola ou da prateleira para serem utilizados, como se fosse a colocação de correspondências em uma caixa de correios. É preciso não entender, é preciso esticar o raciocínio, é preciso estipular as prioridades, buscar a essência das coisas (o significado de cada elemento para o humano e para a natureza), para saber a solução a ser preconizada.

Nesta linha de pensamento, mais uma vez trilhando o caminho do título, é que devem ser construídas as soluções a serem adotadas pelo Poder Público em relação à mitigação dos efeitos da pandemia, ou mais especificamente, para não fugir do tema, como que devem ser tomadas as decisões em relação à volta às aulas e ao cumprimento do ano letivo de 2020. 

Para tanto, como tenho atuado junto ao grupo interinstitucional “Pacto pela Educação Sergipana”, que une relevantes atores do fomento da Educação em Sergipe, sinto-me no dever de externar algumas ideias acerca do que pode ser feito neste momento.

A primeira ideia que quero desenvolver, e a mais óbvia, é a de que qualquer solução que envolva a continuidade do ano letivo de 2020, tem de ser aquela que una, a um só tempo, a responsabilidade com a não disseminação do COVID-19, e a mais vigorosa tentativa de garantir um padrão de qualidade do ensino para os alunos sergipanos. Lembrando sempre que temos dívidas educacionais tremendas, e que não podemos esmorecer com a pandemia e nos conformarmos com o degrau de inferioridade que estamos no cenário educacional brasileiro (Sergipe está em escala ascendente, mas ainda tem ocupado reiteradamente as posições finais do ranking brasileiro em termos de índices educacionais).

A segunda ideia, e que é uma absoluta continuidade do que foi dito até aqui, é a de que o planejamento educacional para o término de 2020 de cada ente público, não pode ser do tipo cara-crachá, ou seja, baseado simplesmente em parâmetros objetivos e abstratos. Não. Ele tem que ser refinado e absolutamente sintonizado não só à realidade de cada Município, mas adequado às diferentes peculiaridades de cada divisão municipal entre sede e povoados. 

Tudo porque educar/aprender é modificar e ampliar o horizonte de cada aluno, sendo que este horizonte muda de acordo com condição socioeconômica, local geográfico, meios à disposição, etc. E não se pode jamais imaginar que um adolescente morador de um local que não tem acesso à internet, utilizará com desembaraço o ensino remoto. (Se a decisão for ensino remoto, tem que pensar no modelo eficiente e em como todos os alunos disporão dos meios necessários – nenhum aluno pode ficar para trás deve ser um mantra).

A terceira ideia é a de que em época de incertezas, ninguém sabe tudo, e mais do que isso, não é momento para criação de arestas e embates. E como superar voluntarismos e perda de energia em discussões? Pelo consenso. E este é o momento exato em que todos os atores vinculados à educação (os profissionais, os governos, os órgãos de controle, os conselhos, as famílias, os alunos, todos) devem se alinhar, colocando seus saberes, intuições e vontade no sentido do sucesso pedagógico deste ano de 2020. Registre-se que cada ser humano tem visões de mundo com focos específicos (e voltados de regra para sua realidade de profissional, de governo, de controle, etc); portanto, para construção da realidade, precisamos das visões de todos os atores, que somadas, produzirão um panorama mais completo e eficiente em prol do resultado almejado.

Por fim, a derradeira ideia, e que ilustra a parte final do tema do artigo: - temos que salvar o ano letivo de 2020. Não se pode deixar que a quarentena gere um desestímulo nos atores educacionais (notadamente os alunos), criando-se um sentimento de que este ano está perdido mesmo, que não há o que fazer, que agora só em 2021, e que daqui para frente é só para trás.

De maneira alguma. Tem que ser mantida a motivação em alta, a percepção de que há muito anda a ser feito em relação ao ano letivo de 2020; e que, na pior das hipóteses, mesmo que não se alcancem resultados compatíveis com a normalidade 100% presencial, vale a pena o esforço de tentar mitigar eventuais perdas, aproveitando-se o tempo e o labor de todos os profissionais e de todos os alunos para o aprendizado; pois, como dissemos acima, o tempo para Sergipe (e para o Brasil de uma maneira geral) urge, e avanços, ou ao menos minimização de prejuízos, são absolutamente necessários.

Aliás, se se trata de salvar o ano letivo de 2020, então demanda-se, de forma imprescindível, a eficiência, eficácia e efetividade das ações pedagógicas, não só para a convivência com a quarentena, mas também com as perdas econômicas e com a pandemia em si. Neste ponto, na linha do que foi argumentado até aqui, política pública boa, é aquela que funciona. E, para tanto, compromisso com resultados, planejamento, monitoramento, vigilância e correções de rumos são essenciais para que os objetivos sejam concretizados. (Daí, voltando ao exemplo, não adianta imaginar ensino remoto, se o aluno não tem condições de ser contemplado com a chegada das aulas virtuais. Precisamos de resultado, de desenho específico, da criatividade: - será que as rádios podem ser úteis para este fim? Precisamos que todos sejam contemplados e que se observe o mantra mencionado acima: - ninguém pode ficar para trás).

Tudo para que, retornando ao início do texto, crie-se uma onda de internalização e compreensão, em todos os cidadãos, de que não há espaço mais para perda de tempo no processo educacional de nossas crianças e adolescentes. E mais do que isso, que a Educação é um interesse coletivo, seja em termos altruísticos, de alteridade, econômicos e de paz social. Igual ao COVID-19, fracassos educacionais machucam toda a sociedade. Qualquer entendimento em contrário, deve ser rechaçado, combatido, e com a clareza de Clarice, não entendido.

 

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