Artigo: o pós-pandemia e os filmes que escolheria para ver e rever pelo resto de minha vida

08/07/2020 19:48

Por João Augusto Bandeira de Mello


Artigo: o pós-pandemia e os filmes que escolheria para ver e rever pelo resto de minha vida

Uma vez indagado sobre qual tinha sido o maior desafio durante seu longevo reinado como soberano de Utopia, Edutriv, sem muito pensar, disse: - O maior desafio, sem sobra de dúvidas, tem relação com as escolhas. Reinar é escolher prioridades e objetivos, que se bem monitorados, transformam-se em frutos para os cidadãos. Frutos para o bem e para o mal. Quem escolhe é o senhor dos resultados. E estes resultados podem ser bálsamo e guia, ou maldição e sofrimento.”. E arrematou revelando o segredo do sucesso de sua gestão: - Um governante, como todos os seres humanos, nasce para servir. E daí ele opta por servir a si mesmo, por servir a alguém (que normalmente serve a si mesmo), ou por servir ao coletivo. Eu apenas fiz a escolha certa:  ser servidor dos cidadãos do meu país.

Edutriv estava certo. Nossa trajetória depende e é fruto de nossas escolhas. Desde sempre. Se vamos seguir ou não conselhos de pai e mãe; se vamos ou não estudar matemática; se vamos ou não fazer exercícios; se a dieta começará ou não; se faremos exames; onde aplicaremos nossos recursos (e se vamos ou não comprar aquele sapato maravilhoso); se reservaremos algum tempo para o outro; se decidimos que a nossa viagem será em excursão ou sozinho. (E daí uma escolha puxa outra, em força de redemoinho e efeito borboleta e nos traz para onde estamos hoje).

Escolhas mais simples, escolhas mais complexas. Para as escolhas mais triviais, como escolher livros para ler, escolher para onde ir no final de semana, escolher que série acompanhar no Netflix, normalmente estamos mais bem preparados, pois tivemos maiores chances de errar no passado (e o desacerto pretérito pode ser o maior o professor no momento de decidir). Ademais, para eventos corriqueiros, as escolhas não têm muitas consequências – no máximo uma ligeira decepção ou um breve aborrecimento. Não gostou, escolhe outro, e refina seu procedimento de escolha para a próxima vez. 

Já para as grandes escolhas da vida: casamento, profissão, que sentido atribuir à existência; a dificuldade é maior. Seja pelas consequências (em termos de sofrimento ou de tempo), seja pela complexidade (como vou saber se vou realmente gostar da profissão que escolher), seja porque, para muitas escolhas, o esperado é que só as façamos uma única vez (muitas vezes sem muita informação, e sem oportunidade de refinar o mecanismo de escolha). Sendo certo que nada é necessariamente para sempre, mas, normalmente, refazer a escolha, traz sempre sofrimento. (E sofrimento é sempre um desincentivo para a mudança, mesmo que a escolha original não seja plena ou perfeita). 

Escolhas são sempre momentos importantes. E por falar em escolhas, seguindo o caminho do título, fui instigado pelas minhas filhas a escolher três filmes que eu levaria para uma ilha deserta. (Ou para o meio da floresta, por uma viagem infindável pelo oceano, ou para uma estação espacial. Não importa. A regra do jogo é que somente poderia ver, em termos da sétima arte, estes três filmes pelo resto de minha vida). Ora, neste ponto, o que seria uma escolha trivial, passa a ser uma escolha muita séria e com repercussão por toda a vida. (Como se sabe, este povo que gosta de refletir filosoficamente é complicado, e aí, até para perguntas inocentes, para responder, tem que pensar bastante, e até escrever artigos...)

E, como toda escolha envolve uma oportunidade, e diz muito sobre quem escolhe (ou sobre quem o escolhedor decide ser). Aproveitei este momento hipotético de pergunta, para imaginar que decisões de filmes fariam meu porvir mais interessante e mais rico. E mais, que filmes poderiam agregar uma mensagem interessante para os tempos difíceis de pandemia que estamos vivendo. Eis os meus filmes, mas antes os meus critérios.

Ora, como critério básico, entendi que os filmes eleitos deveriam refletir algo de útil em relação ao cenário pós-pandemia. Principalmente em relação às mudanças estruturais pelas quais a nossa civilização passa, e pelas duras disrupções de obrigações, sentimentos e comportamentos pelas quais atravessamos. Não há dúvidas de que o meu, o seu, e o nosso para sempre, refletirá um cenário diferente de tudo o que vivemos até aqui. 

E isso explica todo o cansaço, o medo, a apreensão que estamos sentindo. É como se estivéssemos em uma estrada escura, desconhecida, com medo de assaltantes e de que o carro quebre. Em cada movimento, atenção; cada barulho é interpretado; diferentes visões do desconhecido são lançadas a cada instante. Não há relaxamento. Há sim alerta, pois a ameaça pode vir de qualquer lugar e a qualquer instante. Ou seja, tudo o que vem de agora por diante, virá impregnado com as lembranças da quarentena: as dores da doença, as angústias constantes, os sabores da reclusão, a saudade dos que se foram; e também com a necessidade de despertarmos para a construção de novos cenários (e quiçá melhores).

Neste prisma, o primeiro filme escolhido foi “Matrix” (aquele de homens e mulheres com capas pretas e que se desviavam das balas com movimentos do corpo), pois, além de ser um excelente filme de ação, ele se mostra como um filme enigmático, cheio de pistas, mensagens e citações filosóficas (o que justificaria ver e rever o filme diversas vezes, sempre aprendendo ou captando algo a cada visita – o que preencheria o tempo e justificaria vê-lo, revê-lo e vê-lo novamente). 

Mas mais do que isso. Matrix é um filme sobre descobertas, sobre a percepção do mundo real, sobre o sentimento da essência das coisas. Ele insinua, tendo por base a metáfora de um mundo distópico, que vivemos e reagimos à base de condicionamentos sociais, de diversos “temos que”. No caso de nossa sociedade, os temos que ter sucesso, que usar roupas caras, que ter um carro bonito, que temos que ter determinados padrões de beleza. E que o ser humano pode despertar deste condicionamento, e, na perspectiva sartreana, libertar-se e ser livre. 

No filme, os seres humanos libertam suas consciências da vida desenhada pela pela Matrix, e abrem seus olhos para o mundo real. Um mundo cheio de imperfeições, mas onde cada um pode tentar construir seu próprio destino. E vejo esta possibilidade, trazendo para o que vivemos, como um possível legado da quarentena, onde, com o aprendizado destes dias terríveis, possamos, talvez, no futuro que se avizinha, nos libertar de tantos compromissos sociais, de tanta pompa e circunstância, de cabelos milimetricamente pintados e arrumados, de sapatos novos, de carros potentes e passeios estritamente consumistas cujos instantes se resumem a fotos a serem postadas nas redes sociais de plantão. (E que se perderam na realidade entre quatro paredes).

Quem sabe, de agora por diante, não valorizaremos mais o correr pela grama, a maravilha que é ter os raios solares percorrendo nossa pele, esquentando nosso corpo e ter o abraço da brisa nos levando a uma simples caminhada pela rua, pelo parque, aproveitando a natureza, e, como diria o eterno Luiz Gonzaga em Estrada de Canindé, aproveitando e vivenciando “coisas qui, pra mode ver, um cristão tem que andá a pé”.

E, eis que vamos para o segundo filme, que teria que ser um filme de amor (o amor é sempre o centro de tudo); mas não poderia ser simplesmente um filme romântico, daqueles que nos enche o coração de ternura (teria que sim, encher nosso coração de ternura, mas não só isso). Teria que ser um filme que também abordasse a temática da transformação, pelo amor, pela compreensão e pelo aprendizado. Neste ponto, tenho como segundo filme, o clássico “Uma Linda Mulher” estrelado por como Julia Roberts e Richard Gere. Mas o que este filme teria de instrutivo para o momento atual e o nosso futuro?

Destaco dois momentos da estória. O primeiro, dele para ela, quando ela vai a uma ópera e, mesmo sem entender muito do que estava acontecendo, a personagem de Julia Roberts se emociona profundamente. Foi cativada pela arte, pela sensibilidade, pela cultura. Mudou. Mudou para sempre. Mudou para melhor, realizando o mundo que vai além da maquinal frieza das relações superficiais de débitos e créditos sociais, e escancarou suas percepções para o que há de mais belo na possibilidade humana: - poder viajar pelos sentimentos, e enxergar o mundo pela imaginação e emoções que a expressão artística nos propicia.

 E o segundo, dela para ele, quando ele percebe que simplesmente comprar empresas para depois revendê-las, demitindo empregados e desamparando famílias, não é algo salutar em termos do mundo melhor que todos temos que construir. O personagem de Richard Gere percebeu, em uma epifania influenciada pelo amor, aquilo que John Rawls pregava de que a desigualdade somente é aceitável, na medida em que é utilizada para sua própria redução. Ou seja, de que o sistema social tem que tender a um equilíbrio e não tender a um colapso. Tudo para que não aconteça o que é denunciado pela música “xibom bombom” do grupo musical “As Meninas”, onde na cadeia hereditária de nossa sociedade “o rico cada vez fica mais rico e o pobre cada vez fica mais pobre”, (...) e no final, “o de cima sobe e o de baixo desce”. (Quem disse que o cancioneiro popular não é sábio?)

Ou seja, tal qual a revelação da saída da Matrix, eles, pelo amor, enxergaram um mundo novo, e se transformaram neste mundo vislumbrado. E isto é tudo que espero neste mundo pós-pandemia: que este amor que nos envolve na valorização e cuidado com o outro do qual estamos com saudade de conviver e abraçar; este amor que nos revigora na realidade (ou redescoberta) dos relacionamentos diários, que na quarentena têm que se tornar verdadeiros pela ausência da possibilidade de fugas; que nos une na dor da doença e da partida daqueles que nos são muito queridos; este amor que é único e que dá o último e  verdadeiro sentido a toda a existência, possa ser percebido, cantado e exaltado; e que este amor que nos faz melhores, possa impregnar de bondade e igualdade a sociedade que se constrói a partir de agora. 

Bem, mas e o terceiro filme? Este vou ficar devendo de propósito, pois ainda estou pensando. Isto porque, da mesma forma que respondi às minhas filhas, entendo que este tem que ser um filme que eu ainda não vi. Algo inédito. Melhor seria um daqueles lançamentos que ainda ninguém assistiu e que se faz fila para comprar o ingresso por antecedência (algo do tipo Vingadores ou Star Wars). E por que isso? Por dois motivos, um mais prosaico e outro mais filosófico. O prosaico é o de que se eu não terei direito a outros filmes pelo resto de minha vida, que, pelo menos, em um momento, eu assista a um filme que eu ainda não vi (e que a trilha da curiosidade faça o seu trabalho). E o motivo filosófico é o de que, na linha da reflexão do daqui para frente, a única certeza que há, no nosso futuro, é que trilharemos, de agora por diante, caminhos totalmente novos; e, daí, neste contexto, uma abertura mental para o desconhecido, com a devida aceitação das surpresas e dificuldades que este novo normal trará, será efetivamente de grande valia para alcançarmos a evolução social e pessoal que é desejada. (Que venha este novo filme!)

E, para finalizar, voltando às escolhas, e exortando a todos a que façam escolhas tendentes à libertação, à essência das coisas, ao amor e à humanidade; trago mais uma vez Edutriv, que sempre valorizou o papel do amor em sua filosofia administrativa (e em sua vida, embasando e qualificando suas escolhas): “o desconhecido é sempre impenetrável em um primeiro momento, mas se você escolhe enfrentá-lo amparado pelo amor às leis divinas e ao seu próximo; o caminho correto a escolher, que era tão difuso e complexo de decidir,  vai se revelando a cada sorriso de empatia, a cada gesto de solidariedade, a cada abraço de amor e carinho”. Fico por aqui. E você? Que filmes você escolheria para ver e viver pelo resto de sua vida?

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