Artigo: Tentando escutar o muro: a vitória se conhece por seus bons frutos

18/08/2021 18:15

Por João Augusto Bandeira de Mello


Artigo: Tentando escutar o muro: a vitória se conhece por seus bons frutos

Vivemos em busca de vitórias. Nossa caminhada é moldada neste sentido. Sonhamos com grandes vitórias: como conquistar o reconhecimento de pais e amigos; o elogio na sala de aula; a aprovação ao final do ano; o triunfo no vestibular e ingresso na faculdade; conseguir o beijo da pessoa amada; para sempre, o amor verdadeiro; sorrir com o primeiro emprego; sonhar com aquela promoção; ver o sucesso dos filhos; a tão almejada aposentadoria. Tudo com a intenção de alfim, poder olhar para trás com sentimento de gratidão, satisfeito com a história a ser contada.

Mas nos motivamos também com as pequenas vitórias do dia-a-dia: o time do coração ganhar, ser campeão (ou não perder, ou não ser rebaixado); o desconto na compra do sapato; comer a comida favorita; terminar a série do Netflix; acertar a consistência do pudim, ou o crescimento do bolo; ver seu candidato vencer as eleições (e muitas vezes, decepcionado, torcer para o adversário na próxima); vibrar com as medalhas nas Olimpíadas (falaremos mais disso depois); passar de fase em um jogo, ou simplesmente cumprir um checklist de dezoito coisas (que envolviam desde a roupa na lavanderia, até o cancelamento da TV a cabo – que vitória!).

Sentimento de triunfo. Ativamos o circuito de recompensa do cérebro. Começa a circular a dopamina, e instantaneamente aumenta a alegria e a motivação. Temos um momento de euforia, de modo a registrar a felicidade efêmera daquele instante -- sensação gratificante que faz com que queiramos sempre repetir aquela moldura de prazer. Daí a busca por novas vitórias, novas recompensas, grandes ou pequenas. E tudo isto funciona mais ou menos como a utopia para Eduardo Galeano, que tão brilhantemente diz: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar. ”

As vitórias servem para isso. Elas nos fazem caminhar. Nos fazem desbravar os meandros da vida. Mas eis que surge a pergunta do milhão: - Todas as vitórias, enormes ou singelas, são válidas? Elas nos fazem caminhar, mas será que sempre por um caminho alvissareiro? Ou será que podem nos levar a espinhos e despenhadeiros? Será que não há vitórias que são verdadeiras derrotas, individuais ou coletivas? Será que a felicidade do instante de dopamina, sempre sustentar-se-á no tempo? Será que toda vitória vale a pena? (Mesmo que a alma não seja pequena?) Ou pode ser que em algum momento, ela seja apenas aquela vitória do apostador viciado, cujo vencer momentâneo, somente serve de impulso, para que ele vá cada vez mais rápido ao fundo do poço?

Pois é. E se nem todas vitórias são válidas, então existem derrotas honrosas e construtivas? Em que se olha para trás e não se arrepende do caminho trilhado? E que fazem olhar para frente com esperança em um novo (e ainda mais brilhante) futuro desejado? 

São perguntas relevantes e de respostas difíceis. Edutriv, o mais sábio soberano do mitológico Reino de Odatse, traz uma lição reflexiva para o tema, por meio de sua resposta, quando indagado, se ele se sentia um vencedor ou um derrotado, após a deixar o trono, depois do mais longevo reinado daqueles tempos. Disse ele com propriedade:

Vence-se e perde-se de muitas maneiras. A vitória de hoje pode ser a derrota do amanhã e vice-versa. Pode-se perder ganhando e se vencer perdendo. Mas, em todo este tempo, aprendi que as minhas verdadeiras vitórias ocorreram, quando escolhi bem as minhas batalhas, quando meus triunfos transcenderam a esfera pessoal e fizeram diferença na vida de alguém; e, principalmente, minhas maiores vitórias ocorreram quando venci a mim mesmo...

Daí, porque, completa nosso herói: vivenciei em minha experiência, que vitória é uma palavra composta. Ela demanda um fruto. Se o fruto é bom, é vitória e é valorosa. Se o fruto é ruim, ou não há frutos, se há o vencer somente por vencer, ou um exclusivo projeto pessoal; a vitória é perniciosa ou de nada vale (ou vale menos que uma derrota). Se o futuro começa antes, a verdadeira vitória somente se conhece depois. O tempo julga todas as trajetórias.... Assim, ele, o tempo, decidirá a qualidade do meu legado que ficará registrado na história...

Realmente, diferenciar vitórias e derrotas realmente depende da grandeza da perspectiva com que se olha. Disse que voltaria a falar das Olimpíadas de Tóquio, recentemente finalizadas; e volto agora, dizendo que naqueles Jogos Olímpicos, vimos uma multiplicidade de situações, que, aparentemente, em um olhar mesquinho e imediatista, poderiam ser consideradas derrotas. Mas que, reajustando a atenção, e a intenção de perceber a virtude, devem ser consideradas verdadeiras vitórias.

Tudo porque, ao lado do favorito que consegue se manter no auge anos a fio e ratifica sua vitória (e como é difícil chegar ao topo e permanecer no auge); junto ao concorrente surpresa, que silenciosamente treinou todo o ciclo olímpico para chegar no ápice durante a última prova e ganhar a medalha de ouro (e como é difícil superar os grandes campeões); do mesmo modo que aquele que por qualquer circunstância venceu sob os olhares de perplexidade de todos; há outros grandes vencedores que precisam ser descobertos pelo olhar atento da virtude.

O que dizer do atleta que superou todas as dificuldades da pandemia, sem lugar adequado para treinar, padecendo de Covid-19 no período de preparação, e que ainda chega entre os cinco primeiros do mundo? Ele se superou e serviu de exemplo de superação. É ou não, um vitorioso? E da atleta multicampeã que teve coragem de enfrentar/deixar transparecer todas suas dificuldades e fraquezas perante todos, limitando-se a disputar aquelas competições que não prejudicassem sua saúde? Que exemplo, ao reconhecer a sua falibilidade e assumir que problemas sérios não devem ser colocados em segundo plano, por preconceito ou medo da repercussão.

O que falar dos guerreiros de esportes sem tradição e sem patrocínio, que improvisam uma carreira, em meio a sangue, suor e lágrimas, e ainda conseguem disputar uma Olimpíada? E daqueles que foram injustiçados pela atuação de árbitros e juízes, e que fizeram do seu choro combustível para competir mais à frente? 

São, todos, com ou sem medalhas, sem dúvidas, grandes vitoriosos. Seguem o dizer de Edutriv, pois de suas condutas, do seu agir, foram geradas vitórias pessoais, superação de obstáculos, e, principalmente, muitos bons frutos. Frutos de inspiração, que, como dito, servem de exemplo. Exemplos de força, transcendência, resiliência, corporificando a mensagem de que a medida do futuro é o sonho, o esforço, a honestidade e a estratégia experimentados. E todos estes vivenciaram este sonho; vencendo muitos, mas principalmente, vencendo dia-a-dia a si mesmos.

Aliás, por falar em vencer a si mesmo, e da importância deste aspecto, temos que falar de posturas que talvez sejam as maiores vitórias que um ser humano pode alcançar, superando-se a si mesmo. Que é o se alegrar pelo sucesso do outro, que é o se irmanar no êxito da postura coletiva, encaixando-se neste quebra-cabeça chamado humanidade, sendo a peça correta na busca da contínua da união na alteridade. Postura sintetizada nestas Olimpíadas em duas imagens de vitórias coletivas e altruísticas.

A primeira imagem é a do pessoal do Skate, torcendo uns pelos outros e vibrando com as manobras dos adversários. Queriam ganhar? Queriam. Mas não pela dor, pelo erro, pela negatividade perante o outro. Queriam sim vencer pela melhor manobra, pela poesia e encanto do movimento. Queriam a vitória, mas a vitória coletiva da arte sobre rodas. E que todos ficassem de pé, reverenciando a beleza do agora. (E quantos aqui de fora, torceram para alguém cair, para que a medalha fosse nossa?)

A segunda imagem, é a do trabalho incessante dos treinadores, dos técnicos, verdadeiros professores. Eles, os técnicos, longe dos holofotes, participam do mesmo sonho, do mesmo objetivo e rigor dos atletas. São, portanto, figuras essenciais que quase não aparecem, não protagonizam hinos e não sobem ao pódio. Sua alegria é a vitória do outro, seu pupilo. Seu prêmio é a consagração do outro, seu atleta. Sua láurea é o primeiro abraço de reconhecimento do medalhista, que sabe que toda vitória é coletiva, e que ele não teria chegado lá sozinho. (E talvez seja esta a alegria mais bonita, aquela que verdadeiramente possa se chamar de altruísta).

E as vitórias que são derrotas? Precisamos falar delas. E, para exemplificar este tema, saio do tema edificante das Olimpíadas e lamentavelmente vou para a vida pública, já que, país afora, apesar de tudo, a seara pública (apesar da nítida evolução em alguns campos) ainda tem sido frutífera em vitórias que são verdadeiros descaminhos daquilo que o povo, em sua justa expectativa, esperava ser trilhado.

Tudo porque, como dito, a verdadeira vitória tem frutos, é coletiva, é altruísta, tem a boa intenção como móvel e o progresso do ser humano como norte. Olhando por este prisma, não podemos dizer vitorioso, aquele que conquista o poder (por voto, concurso ou escolha), mas que age estrategicamente unicamente em prol de seus interesses. Que decide não com base na excelência, mas em função de um pedido ou conveniência. Que traça cenários olhando o porta-retratos. Que não labora seus poderes em prol do mais puro bem-estar coletivo. Muito pelo contrário, em termos de serviço público quem não pratica o ato de servir, não serve para o serviço. Tenta derrotar a Constituição no presente, mas como não há mal que sempre dure, a Constituição acaba por derrotá-lo pela força da evolução e da história. 

(E como diz Edutriv, a história, com a agudez de foice, julgará o tempo que se foi, e a oportunidade que se perdeu... E a posteridade é suficientemente longa para que a história faça o seu trabalho, reajustando vencedores e derrotados.)

 E em falando de vitórias de desdita, tudo isto me lembra aquela antiga anedota, que fala de um cidadão, aparentemente não muito centrado em suas faculdades mentais, que passa o dia com o ouvido encostado no muro. Isto intriga a todos que passam, até que alguém não se aguenta e pergunta: 

- Meu amigo, que está fazendo? 

– Estou escutando o muro!

- E o que ele está dizendo?

- Não sei, está sem novidades, há uma semana que não fala nada...

De algumas vitórias vemos frutos evidentes maravilhosos. Para outras, é preciso o olhar atento para ver a semente que cresce por baixo do instante de desânimo e decepção. E, por fim, há outras, que não merecem escrita (as vitórias da desdita), e que mais parecem mais o muro a que nos referimos ainda agora. Tentamos escutar algo de bom que venha delas, mas, de tanto silêncio, e aguçando a atenção, chegamos a escutar o choro dos que precisavam de ajuda e foram decepcionados; e o tic-tac do tempo que jamais volta, ceifando as oportunidades perdidas e desnudando o sofrimento que se alimenta das decisões egoístas.

Compartilhe

Veja Também

Receba Notícias Pelo WhatsApp