Crônica: A entrevista que eu não fiz com João chapéu de couro

29/11/2020 21:33

Por César Cabral


Crônica: A entrevista que eu não fiz com João chapéu de couro

No dia 12 de março de 1990, João Alves Filho, então ministro do Interior, ligou para mim (à época diretor de jornalismo da TV Jornal – Canal 13) dizendo que gostaria de me conceder uma entrevista a fim de poder fazer um relato sobre a sua gestão no Ministério do Interior, que se encerraria a poucos dias (15/03), com a posse do presidente Fernando Collor de Mello. Lembro-me de que esse contato ocorreu pela manhã, por volta das 9h.

Escolhi o paletó e a gravata, pedi que arrumassem o estúdio e ficamos, eu, o cinegrafista e um editor de imagens desde então, prontos, à espera do Negão. As horas foram passando e, ao longo do dia, recebia orientação para que aguardássemos mais um pouco que ele estaria vindo.

E assim, passamos todo aquele dia com um olho no padre e outro na Missa, aguardando pelo ilustre entrevistado. Já no final da tarde, o próprio João Alves ligou para mim, pedindo desculpas pelo atraso e dizendo que àquela hora seria impossível, pois estaria indo para casa, “se arrumar” para a solenidade de lançamento de um livro seu, no Centro de Criatividade. Pediu-me, elegantemente, que eu fosse com a equipe para o referido local que, após a solenidade nos reuniríamos em um local apropriado e faríamos a tal entrevista.

Assim foi feito, e por volta das 20hs estávamos lá, todos a postos, pronto para fazer ouvir o amigo ministro. Entretanto, o número de pessoas presentes superou qualquer expectativa. Foram centenas de sergipanos que entraram na fila para que João autografasse o livro adquirido. Para resumir a ópera, João Alves autografou o último exemplar por volta das 23he30. Extremamente cansado, ele me pegou pelo braço, olhou para mim e disse: “Meu filho, estou um bagaço! Deixe lhe dizer uma coisa... Você se importa de ir comigo até Brasília? Lá, no Ministério, a gente faz essa entrevista. Eu quero fazer, é muito importante para mim”. 

Prontamente concordei e ele me disse: “Ótimo!! Amanhã, às 7h, no aeroporto. O avião da FAB está pronto, para nos levar. No trajeto a gente vai alinhavando os pontos que gostaria de abordar”.

Assim foi feito e no dia seguinte, no horário combinado, partimos rumo á Brasília. Não levei ninguém pois ele me disse que lá haveria uma equipe para filmar. Durante o voo, conversamos muito e ele foi enumerando algumas ações que realizou no Nordeste, enquanto ministro, sobretudo em Sergipe. Desembarquei em Brasília afiado e com os temas anotados. Na minha cabeça era “pá e bola”. Ou seja, era sentar, contar um, dois e três e gravar! Isso porque, ainda no voo, ele me disse que ao desembarcar iríamos direto para o Ministério, fazer isso.

Ao pisarmos o solo da Base Aérea de Brasília avistamos um comboio de três veículos. Eram assessores do ministro que foram recebe-lo com a missão de levá-lo até a presença do presidente José Sarney, para despacho de assuntos urgentes. Ele, então, pediu que eu seguisse para o Ministério onde o amigo jornalista Paulo César Gonçalves já estava me aguardando com a equipe de jornalismo. Dito e feito, fui para lá e passei todo o dia 13 de março ao lado do PC Gonçalves, tomando cafezinho, jogando conversa fora, enquanto o ministro era visitado por deputados, senadores e assessores diversos. E, assim, a entrevista foi ficando para o final da tarde, início da noite.

Por volta das 19h e 30, João Alves abriu a porta da sala onde estávamos, olhou para mim sorrindo e disse: “Vamos jantar?” O pessoal aqui (servidores) preparou um jantar de despedida numa churrascaria do Lago. Você é meu convidado. Vamos lá”.

Resultado: jantamos, conversamos bastante, ouvi muitos relatos dos servidores sobre João Alves e, ao final, ele me disse que dormiríamos na sua residência oficial (mansão) e, no dia seguinte, antes do café da manhã, gravaríamos a entrevista. Dito e feito, partimos para os braços de morfeu. 

João Alves, na década de 80, na campanha de Tancredo Neves para presidente da RepúblicaNo dia seguinte, 14/03, véspera da posse de Fernando Collor, às 6h eu já estava na sala, com a equipe pronta para entrar em ação. Um pouco antes das 7h, João Alves chegou, já tomado banho e de paletó, cumprimentou a todos e sentou-se ao meu lado para então, finalmente, falar das suas obras enquanto ministro do interior. Mal o cinegrafista fazia o enquadramento e éramos interrompidos pela funcionária dedicada D. Tomires, que anunciava alguém ao telefone. Deputados, senadores, ministros, interromperam por várias vezes o início da entrevista.

Em dado momento, João Alves chamou D. Tomires e disse-lhe textualmente: “A partir de agora, não atenderei a mais ninguém. Vou gravar essa entrevista que há dois dias tento e não consigo. Pelo amor de Deus!”.

Atenção!!! Luz, câmera, ação!!! Um, dois, três... GRAVANDO!!!

Tão logo iniciei a abertura, cumprimentando os telespectadores da TV Jornal, Canal 13 de Aracaju, eis que D. Tomires interrompe, novamente, e olha para João Alves e diz: “É o presidente Sarney”.  O ministro olhou para nós e disse: “Bem, esse eu tenho que atender (risos)”. 

Passados uns 20 minutos, volta João Alves, transtornado, fisionomia completamente mudada, cara de preocupado e diz: “O presidente eleito, Fernando Collor, pediu ao presidente Sarney, que decrete amanhã (15 de março de 1990) feriado bancário que se estenderá por mais dois dias. Agora, quem não tem condições de falar sou eu. Como vou sacar dinheiro para pagar os trabalhadores da Habitacional, que recebem semanalmente? São várias obras... Muitos pais de família precisam receber...Onde e como arranjar dinheiro?”

Sem clima, a entrevista foi, definitivamente, cancelada. João Alves pediu à sua assessoria que providenciasse minha passagem de volta, para aquele mesmo dia, pois caso contrário, eu teria dificuldade de voltar logo para Sergipe, face ao congestionamento de aeronaves e voos lotados que partiriam de Brasília, após a posse de Collor. 

Ao relatar esse fato, presto uma homenagem a este grande homem chamado João Alves Filho que, de natureza humilde, sempre se preocupava com as pessoas simples. Um ser de luz que muito fez por Sergipe e por sua gente. Esse foi o João que conheci. João da Água. João do Povo, João da Gente!

Obrigado pela entrevista que não me deu. Sem ela, pude conhecer mais de perto esse seu lado humano. Siga em paz, João! 

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