Crônica: Estória de Caçador

22/02/2021 10:14

Por Juviano Garcia


Crônica: Estória de Caçador

São famosas e profusas as mirabolantes estórias de pescador contadas Brasil afora. Porem, em terras sertanejas, onde não há rios nem mares ricos em peixes, essas estórias, aos ouvidos dos sertanejos, soam longínquas. Mais loquazes e convincentes lhes parecem as peripécias contadas por caçadores, homens que se aventuram nas matas e florestas, enfrentando corajosamente todo tipo de animais selvagens e ferozes. O caçador é uma espécie de herói sertanejo.

Pois bem, embora não tenha sido caçador, nem muito menos pescador, tomo a liberdade de transmitir nesta oportunidade umas dessas estórias, que ouvi da boca de um amigo caçador por vocação (e por necessidade) conhecido pelo apelido de Totonho Verdadeiro, talvez em alusão às façanhas de que dizia ser protagonista.

Totonho residia no povoado Riachinho e era vizinho de Mané Labareda com quem gostava de prosear todas as tardes ao por do sol, contando suas aventuras na selva e ouvindo os reclamos de Labareda sobre as dificuldades da vida de trabalhador de aluguel. Eram os idos da década de 1960 e já estava o Brasil sob o governo militar. Numa dessas tardes Labareda comentou com Totonho que estava decidido a ir embora para a Amazônia, pois soubera que lá o governo estava distribuindo terra para todo sujeito que se dispusesse a trabalhar na agricultura e quem para lá ia estava ficando rico.

Totonho retrucou lembrando a Labareda que na floresta amazônica havia muito animal selvagem, principalmente serpentes de toda variedade.

- Oia, Mané, lá tem uma cobra, uma tal de surucucu pico de jaca, que morde e sai de baixo pro cabra não cair por cima dela.

- Ô Totonho, e eu lá sou homem de ter medo? São Bento antes da cobra.

E lá se foi Mané Labareda para o Norte. Conseguiu de imediato um pedaço de mata para derrubar, comprou as ferramentas mais necessárias: um machado, uma foice, uma enxada, uma cabaça e a indispensável espingarda. No primeiro dia, pouco tempo depois de começar a derrubar a mata, lhe surge, frente a frente, a temível surucucu pico de jaca. Labareda ficou tão estarrecido que não conseguia dar um único passo em direção à espingarda. A única coisa que conseguiu fazer foi exclamar:

- São Bento, peste, valei-me surucujaca pico de cu.

Mas voltemos a Totonho Verdadeiro e suas caçadas. Dizia ele que certo dia resolveu caçar veado na Serra da Onça, lá os bichinhos abundavam. Depois do almoço arriou seu burrinho, amarrou a capa gaúcha na anca do animal, um saco com farinha e um pouco de sal para as refeições, pendurou na cintura o facão de 17 polegadas, afiado como uma navalha alemã, sua espingarda de ouvido, muito chumbo e pólvora e ganhou o caminho da Serra. Ao cair da tarde já estava ele no pé da serra, à beira do riachinho, onde pretendia pernoitar para ao amanhecer começar sua caçada. Não necessitava de cachorro, veado lá tinha de churrio. Matou uma franga d’água para comer com farinha antes de dormir. Já era noite quando tirou a cangalha do burro e a colocou sobre um tronco de árvore caído. Comeu sua caça, forrou o chão com a capa e pegou no sono. 

No meio da noite o burro se espantou, Totonho deu garra da espingarda, achando que poderia ser uma onça, mas, em poucos minutos tudo voltou ao normal. Pela madrugada Totonho acordou e, dirigindo-se para o local onde deixou a cangalha, se deu conta de que nem ela nem o tronco estavam mais lá. Havia um trilho, por onde o tronco teria sido arrastado, que Totonho seguiu por cerca de quinhentos metros até dar com o mesmo com a cangalha sobre ele e qual não foi a sua surpresa quando viu que o tronco era, na verdade, uma jiboia de tamanho descomunal. Eu acreditei. Você acredita se quiser.

Mas a estória não para por aí. Era já perto de meio dia, quando Totonho se encontrava montando tocaia na beira do riacho, na espera de aparecer algum veado para beber, quando notou, na outra margem uma ave desconhecida para ele, que conhecia toda a fauna da região. Curioso, de fininho atravessou o riacho em direção à ave e foi aí que lhe veio a surpresa: a ave era um pinguim.

Nesse momento não consegui me conter e comentei:

- Mas Totonho, um pinguim? Você não acha estranho?

- Acho sim, cabra veio, tanto que garrei as asas do bichin e dixe: ô meu fio, qui diabo veio você fazer aqui neste sertão brabo?

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