Crônica "Reminiscências" - Por Juviano Garcia

15/02/2021 07:26


Crônica

Reminiscências

Sempre que se aproxima a data do meu aniversário me vem à mente as comemorações que eram feitas na casa de meus pais. Minha mãe fazia um bolo de ovos e um pudim, que comíamos após o almoço, com suco de jenipapo. Não havia refrigerante, muito menos bebidas alcóolicas. Não havia convidados somente nós e os nossos avós. Eram de uma simplicidade absoluta. Ainda assim eu ficava a me perguntar que significado poderia ter comemorar um aniversário se nessa data nós nos aproximávamos mais ainda do dia de nossa inexorável morte.

Muitos anos se passaram e eu me detinha nessa linha de raciocínio; foram necessários alguns tantos fatos para me demoverem dela. O primeiro ocorreu quando, na minha adolescência, já estudante do curso técnico agrícola, voltando de férias para casa, me pus empolgado, na cozinha da minha avó, a relatar para o meu avô as modernas técnicas de manejo animal, de adubação, de seleção de espécimes etc. quando minha avó interferiu com uma frase mais ou menos assim: “meu filho, mais do que toda essa teoria que você está aprendendo, vale a experiência do seu avô.” De imediato esse comentário não me trouxe nenhuma reflexão relacionada à comemoração de aniversários. Mais tarde, lendo a Santa Bíblia, um versículo me trouxe à mente as palavras da minha avó (JÓ 12,12): “A sabedoria encontra-se nos velhos e a prudência numa vida dilatada”.

Outros fatos se juntaram a esses, mas de menor importância para a mudança de minha maneira de pensar, só definitivamente alterada quando, visitando a sepultura de uma pessoa amiga, numa lápide próxima, li a seguinte inscrição: “É uma consoladora verdade que se, com o perpassar dos anos, as louçanias da juventude vão desertando, uma a uma, o corpo que se alquebra, o espírito que nele mora, muito ao revés, sublima-se, retempera-se, aprimora-se”.

Naquele instante, liguei imediatamente os dois momentos anteriores e, num átimo, descobri a justificativa para a comemoração do nosso aniversário. A nossa vida é uma viagem, repleta de obstáculos, que vamos aprendendo a superar à medida que nela avançamos – é a vitória da experiência (que adquirimos por nosso próprio esforço, com nossos próprios erros) sobre o conhecimento teórico adquirido de outrem. A cada aniversário comemoramos então, não a proximidade da morte física, mas, sobretudo, o distanciamento da ignorância, o acúmulo do conhecimento, a aproximação da plenitude da verdade e da graça divina. A aproximação da morte deixou de ser um ponto de chegada, um fim de linha e passou a ser visto como o início de uma nova jornada, o troféu pela vitória da sabedoria sobre a ignorância. Envelhecer fisicamente passou a significar rejuvenescer espiritualmente.

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