Artigo: Seu Zé do Coqueiro - Por Juviano Garcia

02/05/2021 08:30


Artigo: Seu Zé do Coqueiro - Por Juviano Garcia

Artigo: SEU ZÉ DO COQUEIRO - Por Juviano Garcia                          

Seu Mendes era um velho solteirão de fala mansa, que morava na Caiçara e vivia do cultivo de mandioca, milho e outros produtos agrícolas típicos da região. Trabalhava sua terra diariamente até às três horas da tarde, quando vinha pra casa tomar banho e preparar seu café , que, invariavelmente, consistia de cuscuz com leite e café preto, que ele mesmo torrava e pilava. O seu quintal era um frondoso pomar, repleto de mangueiras, jaqueiras, cajueiros, jenipapeiros, laranjeiras cafeeiros e um coqueiro, que seu Mendes, cuidava com carinho de pai, mantendo sempre uma coroa limpa ao seu redor, sua copa podada, adubado com esterco de gado. Era o filho que nunca teve.

Diariamente, após o café, que ocorria às cinco da tarde, seu Mendes sentava-se na calçada para fumar seu bagoga. O ato de fumar para ele era um verdadeiro ritual. Primeiro a escolha do fumo: nada de fumo de Arapiraca nem dos cigarros vendidos na feira em papel Itacolomy, picado por seu Rosalvo e enrolado pelas irmãs Dalva e Jerusa, que, de passarem a semana inteira trancadas em casa enrolando cigarro, apresentavam a tez empalidecida; o único fumo que lhe servia era cultivado por seu Germano na Baixa da Areia, sem agrotóxico, sem adubo químico (hoje dir-se-ia fumo orgânico). Seu Mendes usava sempre a mesma faca para picar o fumo e só picava o necessário para um cigarro de cada vez. Para envolvê-lo nada de papel Itacolomy, seu Mendes só usava palha de milho seco, escolhida dentre as mais sadias e viçosas, cortada com a mesma faca usada para picar o fumo. Depois de cortada a palha era dobrada e, com a faca, amaciada várias vezes. Pronto o cigarro, era aceso num tição retirado do fogão (fósforo deixa um cheiro de enxofre no cigarro, dizia) e lá ia seu Mendes sentar na calçada, observar o movimento da rua a pitar o seu cigarrinho.

Para seu desgosto foi morar numa casa vizinha à sua, uma senhora, também solteirona, que todas as tardes, saía para comprar pão na bodega de Flodualdo e, ao passar por seu Mendes, lhe cumprimentava dizendo: boa tarde, seu Zé do coqueiro.

Após alguns meses ouvindo, todas as tardes, esse mesmo cumprimento, seu Mendes tomou uma decisão radical, que lhe doeu nas entranhas da alma: de posse de um machado, cortou o seu querido coqueiro, deixando apenas o toco. À tardinha lá vem dona Dete, como era conhecida a solteirona, e lhe diz: boa tarde seu Zé do toco. A frase ecoou no cérebro de seu Mendes como a voz de um juiz que lhe proferisse a sentença de culpa pelo seu grande crime de ter cortado o seu querido coqueiro. Após algumas semanas ouvindo, todas as tardes, esse veredito, que lhe roubava, todas as noites, algumas horas de seu precioso sono, num belo sábado, seu Mendes acordou bem cedinho e tomou em suas mãos uma picareta, foi para o quintal e arrancou o toco do coqueiro, deixando um buraco no chão, como se fosse uma cova aberta para sepultar sua consciência. Pronto. Agora a velha jararaca vai me deixar em paz, pensou.

Para sua triste surpresa, dona Dete passou a cumprimenta-lo com a frase: boa tarde seu Zé do buraco. Que tristeza, parecia um castigo. Seu Mendes começou a cogitar de vender sua casa e se mudar para bem longe daquela jararaca, mas isso seria uma sentença de morte para ele, deixar sua casinha, onde viveu desde que foi gerado por seus saudosos pais e, pior, dar-se por vencido por aquela megera. Não, jamais tomaria tão desastrada decisão, porém, como última tentativa de se livrar dos cumprimentos maliciosos da sujeita, tomou em suas mãos uma enxada, tampou o buraco que havia deixado, pensando que dessa vez a velha lhe deixaria em paz. Ledo engano, dona Dete, naquela tarde, lhe cumprimentou com a mais vergonhosa sentença: boa tarde, seu Zé do buraco tapado.

Dessa vez foi demais, seu Mendes passou a noite em claro, matutando que decisão tomar com relação à jararaca. Pensou em carregar sua espingarda e despejar nela uma cacada de chumbo grosso, mas não era homem de cometer um crime desses por nada desse mundo. De repente uma ideia lhe assomou à mente. Mal o dia amanheceu, começou a por em prática a sua última tentativa de calar os comentários jocosos da bruxa. Foi à casa de seu Germano e lhe pediu um cacho de semente de fumo, foi para casa, fez um tapume em redor do lugar onde outrora viçou seu amado coqueiro e plantou lá um pé de fumo, adubando-o com esterco de galinha e, pasmem, adubo químico, o famigerado adubo químico (mas, já dizia Maquiavel: “os fins justificam os meios”). Quando o pé de fumo atingiu a altura de quase dois metros, (que enorme e viçoso ficou o pé de fumo de seu Mendes) destruiu o tapume e foi para a calçada aguardar a passagem de dona Dete, pensando: “Quero ver agora como essa desgraçada vai me dar boa tarde – seu Zé do fumo grosso, Seu Zé do fumo viçoso ou seu Zé do fumo grande?. Já começava a escurecer, seu Mendes perdia as esperanças de ver a velha passar, quando ela apontou na sua porta e, em passos apressados, passou por ele calada e cabisbaixa. Seu Mendes não se conteve: “boa tarde dona Dete da língua presa! A senhora não viu meu fumo?” Meses depois dona Dete vendeu a casa e se mudou não se sabe para onde, deixando seu Mendes em paz pelo resto dos seus dias, que não foram poucos, a pitar, todas as tardes, o seu cigarro de palha na calçada da Caiçara.

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