Crônica: O paraíso é aqui!

13/05/2021 12:35

Por Juviano Garcia


Crônica: O paraíso é aqui!

Fomos a Cuiabá, Madriselva e eu, passar alguns dias com nosso filho Adriano e, num domingo decidimos ir à Chapada dos Guimarães. Nossa primeira parada foi na reserva do Véu da Noiva. Ao descer do carro senti um forte e delicioso aroma que há mais de trinta anos eu não o sentia: o cheiro de capim gordura maduro, tão comum na minha adolescência. Imediata e instintivamente meus olhos se moveram na direção de onde provinha aquele cheiro celestial, que às minhas narinas é mais agradável do que qualquer perfume francês. Avistei, numa quebrada logo ali, uma touceira de capim gordura, da qual tirei alguns ramos, que segui cheirando por toda a viagem e até no dia seguinte, no apartamento de Adriano.

Um dilúvio de recordações de imediato me povoou a mente. Lembranças per permaneciam latentes no meu subconsciente. De repente me tele transportei para a fazenda Carvão onde, na minha infância e adolescência, vivi dias de imensa felicidade. Na minha mente, naquele instante, se confundiam a impressionante paisagem que os meus olhos captavam do Véu da Noiva, aquela imensa cachoeira, despencando sobre o vale coberto de frondosas árvores, com a quebrada da Grota de João Tabocas, que o meu subconsciente fazia jorrar para fora de si, como se quisesse me dizer: “você voltou, está aqui comigo, no Carvão”.

É-me quase impossível descrever o turbilhão de sentimentos que de mim se apossou naquele momento, por isso nem tentarei fazê-lo neste relato. Direi apenas que discretas lágrimas, misto de felicidade e saudade, afloraram dos meus olhos. Não tentei nem de longe, disfarça-las de Madriselva e Adriano, pois, pela felicidade que manifestei ao cheirar o raminho de capim, nada poderia passar indiferente aos dois.

As recordações do Carvão afloravam qual uma enxurrada do Riacho do Carvão. Parecia-me estar, de novo, sob a sombra do juazeiro que ladeava o curral, em algum longínquo agosto, olhando, estarrecido, a encosta do Alto da Urtiga, onde viçava o capim gordura florado. Nenhum sinal de qualquer que fosse outra planta, somente ele, o rei da paisagem, com seus lindos pendões avermelhados que, ao sopro do vento, se movimentavam formando ondas que me faziam imaginar o mar que, até então, só via no cinema. Aquela visão me deixava hipnotizado por incontáveis minutos.

E, como uma lembrança puxava outra, logo me veio à mente o estado em que ficavam as pernas das calças que usávamos, após atravessar aquele mar de capim maduro: a sua gordura deixava as calças até quase a altura dos joelhos, completamente enceradas; as botas de borracha brilhavam com se tivessem sido polidas. Os rolós de vaqueta pareciam ter sido imersos num balde cheio de óleo.

Ato contínuo veio-me à mente a lembrança do pedacinho do Carvão que nós chamávamos de Alecrim. Era um capão de terra entre o Candeal e o Boqueirão, acima da grota de João Tabocas. Assim como uma cidade é dividida em bairros e ruas, nossa fazenda dividíamos em trechos que denominávamos de acordo com algo que se fazia neles específico. Assim, o Alecrim tinha esse nome, logicamente porque nele brotava quase unanimemente, o alecrim, erva hoje muito usada como condimento, como sabemos todos nós. Mas no Carvão era tida como erva daninha. Na época da floração, ao cruzarmos o Alecrim, saíamos com as pernas das calças cobertas das sementes de alecrim e o seu delicioso aroma nos acompanhava até chegarmos a casa.

Vou parar por aqui, apenas acrescentando que, assim como Adão viveu no paraíso e dele foi expulso por conta da sua desobediência a Deus, acredito que eu também lá vivi e, para pagar por meus pecados, dele fui também expulso.

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