Crônica: Promessa é Dívida - por Juviano Garcia

12/11/2021 08:28


Crônica: Promessa é Dívida - por Juviano Garcia

Crônica: PROMESSA É DÍVIDA

Por Juviano Garcia

Nonô de Fiinho era um quarentão forte e trabalhador que vivia da agricultura de subsistência no povoado Serra da Cotia. Sua malhada, ou sítio como hoje se fala, ficava na rua principal do povoado. Lá ele cultivava mandioca, feijão, milho, batata doce, inhame, amendoim, fava branca e banana além de um pomar onde viçavam cajueiros, mangueiras, jaqueiras, goiabeiras, laranjeiras, jabuticabeiras, jenipapeiros etc. Era um celeiro de produtos da terra, a malhada do seu Nonô; e ele cuidava de tudo sozinho, raramente necessitando de pagar alguém para ajuda-lo.

Por ironia do destino, numa linda manhã de setembro, seu Nonô caiu de uma jaqueira e foi levado pelos vizinhos para o único médico da cidade, que o encaminhou para o hospital de Cirurgia com suspeita de fratura da coluna vertebral. Alguns dias depois, após vários exames, incluindo radiografias, os médicos chegaram à conclusão de que o pobre homem ficara paralítico. A notícia lhe caiu como um tiro na nuca. Antes eu tivesse morrido, dizia seu Nonô. Como vou viver numa cadeira de rodas? Como vou cuidar da minha malhada?

De volta pra casa, passou na igreja matriz e, lá, após alguns minutos de oração, lhe veio uma decisão, uma inspiração divina. Só Deus poderia lhe devolver os movimentos às pernas. Fez uma promessa a São José, o santo padroeiro da cidade: se ele recobrasse a força das suas pernas outrora tão dispostas, construiria uma capelinha ao lado da sua casa e, no seu altar poria a imagem de São José em tamanho real.

Voltou para a sua casinha de taipa na Serra da Cotia, onde passou a ser cuidado por sua velha tia, dona Emerentina. Mas o mato grassava na sua malhadinha, sufocando a cultura que lhe garantia o sustento, o que deixava o pobre homem cada dia mais depressivo.

No dia de São José o tempo começou a se formar e no meio da tarde o povoado estava tão escuro que parecia meia-noite de lua nova. Raios cortavam os céus deixando, por segundos, tudo claro como se o sol tivesse voltado a brilhar; a chuva caia a cântaros.

O coração de seu Nonô foi invadido por um misto de alegria e de dor. Alegria inerente a todo sertanejo quando vê a chuva e dor por não poder sair, na manhã seguinte, cuidar da sua terra; ficou ali, olhando pela porta aberta, o cair da chuva, ouvindo a música dos trovões, tarde afora, até que adormeceu. Já era quase nove da noite quando seu Nonô começou a sonhar que estava novamente caindo da jaqueira e, instintivamente, pulou da cadeira de rodas e saiu correndo pela sala. Correndo? Estava ele correndo? Oh! Deus. Nonô estava curado! Disparou na direção da casa da tia. Bateu fortemente na porta. Dona Merentina, como era chamada no povoado, abriu a porta assustada e viu ali, na sua frente, Nonô, de pé, firme com um tronco de pau-ferro. Este lhe caiu nos braços, chorando de alegria e, em seguida correu a acordar todo o povoado, que, ao vê-lo andando, gritavam: Milagre! Milagre! Milagre!

Milagre? Nonô lembrou-se da promessa. São José atendeu seu pedido justamente no seu dia, agora ele precisava pagar a promessa ou o santo reverteria o milagre. Mas como, se ele não tinha recursos que lhe permitissem tamanha despesa?

No dia seguinte a notícia da cura de Nonô já tinha se espalhado pelos povoados vizinhos e chegado aos ouvidos do compadre Totonho da Baixa da Areia, que encilhou seu cavalo e bandeou-se para a Serra da Cotia para confirmar a novidade. Nonô se apressou em lhe contar os detalhes do milagre e, em certo ponto do relato exclamou:

̶ Totonho, o milagre tá feito. São José cumpriu a parte dele. O diabo agora é eu pagar a promessa, sem ter um tostão pra isso.

̶- Oxente, Nonô e por que você num vai falar com o padre pra mudar essa promessa?

̶ Cê tá doido homi, se eu mudar a promessa o santo muda o milagre.

Mesmo assim, na segunda-feira Nonô arriou o burro, colocou dois sacos de feijão nos ganchos pra vender na feira e, ao fim desta, foi falar com o padre. Contou-lhe toda a história, desde a queda da jaqueira até a hora do milagre e sua dificuldade para pagar a promessa e o medo do santo desfazer o milagre.

- E o diabo agora, seu vigário, é que eu não tenho posses pra pagar essa promessa.

- Que é isso, Nonô, afasta o nome desse encardido pra lá. Você pode pagar a promessa, sim. Não precisa fazer uma igreja grande como essa, faz uma capelinha de taipa, com teto de sapê, bancos de tronco de mulungu, que Deus compreende. Pede a ajuda dos seus vizinhos e vai fazendo devagar que São José não estabeleceu prazo pra isso. Vai, e toda vez que vier pra feira passe aqui pra me dizer como anda a construção.

Nonô saiu da igreja pulando num pé só. Chegou à Serra da Cotia e foi correndo dar a notícia à tia Merentina. No dia seguinte juntou os amigos do povoado e pediu ajuda pra fazer um mutirão pra construir a capela. No sábado formou-se um verdadeiro batalhão de voluntários para ir à mata tirar madeira para fazer os esteios, os enchimentos e as varas para formar o corpo das paredes a serem cheios de barro. Até Totonho da Baixa da Areia e os filhos vieram para ajudar na empreitada. Zé de Aninha Fateira era o carpinteiro da região e também arregaçou as mangas para armar o madeirame da obra.

Na segunda-feira, mal acabou de vender seu feijão, disparou eufórico na direção da igreja, para fazer seu relatório ao padre.

- Seu vigaro, a madeira da capela tá toda pronta, o diabo agora é levantar as parede.

- Oh! Nonô lá vem você de novo com o nome desse encardido! Vai pra casa e continua sua obra, que Deus lhe ajuda a concluir.

-Adiscurpa seu padre, é que eu sou um tabaréu dos interiô e peguei esse sestro na fala derde minino.

Sestro, para quem não conhece o vocabulário do tabaréu, é uma corruptela de gesto. Pois bem, no sábado seguinte, lá estavam Nonô e seus vizinhos, sob a coordenação de Zé de Aninha Fateira, cavando os buracos para enterrar os esteios e os enchimentos da capela, entrelaçando nos enchimentos as varas e amarrando-as com cipó.

Na segunda-feira após vender o seu feijão, Nonô foi novamente levar notícias do andamento da obra ao padre.

- Seu vigaro, a capela tá em pé, o diabo agora é a tapagem.

- Meu filho, não pronuncie mais esse nome, pelo amor de Deus.

E assim prosseguiu Nonô, com a ajuda de Deus e dos vizinhos, até que concluiu a obra. Dessa vez ele não teve paciência de esperar a o fim da feira para ir dar a notícia ao padre e logo na chegada à feira correu para a igreja e esperou somente o padre acabar de confessa a beata Casimira, para lhe dar a grande notícia:

- Padre a igrejinha tá pronta. O diabo agora é o santo.

Compartilhe

Veja Também

Receba Notícias Pelo WhatsApp