Crônica: O voo do bruguelo - Por Juviano Garcia

29/11/2021 11:09


Crônica: O voo do bruguelo - Por Juviano Garcia

Crônica: O voo do bruguelo 

Por Juviano Garcia

Imaginem um adolescente magérrimo, alto, narigudo, branco como vela e feio, muito feio. Pronto. É esse o meu retrato falado. Graças a essas características físicas, meu pai me culminava de apelidos: vara de virar tripa, espanador da lua, bruguelo de anum branco, canela de sabiá, vela branca e por aí vai. Ah, meu velho pai, como eu gostaria de ouvir de novo você me chamar por um desses apelidos!

Mas vamos passar ao tema desse capítulo. Chegou o dia em que eu conclui o curso ginasial. Fim de linha em Nossa Senhora das Dores. Lá não havia então o curso científico ou similar. Meus pais, nem de longe, cogitavam em me deixar parar por aí e eu ansiava por continuar a estudar, pensava em ser Engenheiro Agrônomo ou Civil, quem sabe? Como não tinham recursos para me mandarem estudar em Aracaju, surgiu, por orientação de minha tia Helena, a opção de estudar no Colégio Agrícola, pois, além de ser gratuito, era em regime de internato e o curso se amoldava como uma luva ao meu perfil de roceiro.

Fiz o exame de admissão e fui muito bem classificado. Chegou então, o dia de cortar o cordão umbilical. O bruguelo de anum branco bateu asas e voou do ninho. Não foi difícil me adaptar ao internato, pois a grande maioria dos colegas era constituída de tabaréus como eu mesmo. Poucos vinham de Aracaju e alguns de Feira de Santana, já na época, uma cidade mais desenvolvida que as nossas do interior sergipano. Tínhamos também muitos colegas do interior pernambucano, principalmente de Petrolândia, de Traipu, Alagoas e até do Pará e do Amazonas.

Entretanto, a saudade de casa, do calor do ninho, da proteção das asas da mamãe anum, fazia apertar meu coração de adolescente, principalmente à noite, quando se apagavam as luzes do dormitório e eu ligava o radinho de pilhas que Tonho de Mané Vitor mandou do Rio de Janeiro, comprado por uma bagatela no porto (era um rádio japonês marca Tamura Rejoice), por encomenda de meu pai para me distrair nas horas vagas. As músicas românticas de que sempre gostei, nas vozes de Altemar Dutra, Agnaldo Timóteo, José Augusto etc. me traziam lágrimas aos olhos. Outro momento de profunda melancolia era a hora do Ângelus, quando eu lembrava-me das badaladas do sino da igreja de Dores e da inesquecível voz de D. Marisete, rezando o Ângelus.

Havia momentos de descontração, quando, no auditório do colégio, se apresentava o excelente conjunto musical dos alunos do colégio – The Jet Bois - (hoje seria chamado de banda). Lembro-me de muitos dos seus componentes: na guitarra, Maninho e Deilton (Negrita), no sax, Manoel Basílio, no trompete, Geraldo. Sempre abriam os shows com a música, linda de morrer, El Presidente, ouçam-na no endereço a seguir: (https://www.youtube.com/watch?v=VTcbTlmbHVk) e seguiam com O Touro Solitário, (https://www.youtube.com/watch?v=9YwXAldKgvU) O Milionário (fecho os olhos e vejo Negrita solando-a divinamente). Ah! A turma delirava e eu me vestia de melancolia.

No Colégio eram produzidos quase todos os alimentos servidos no refeitório: o pão, o leite, a carne bovina, os ovos, as hortaliças, a banana, a macaxeira etc. As aulas teóricas em geral se davam no período vespertino. Pela manhã íamos para o PAO – Prática Agrícola Orientada – onde aprendíamos a lidar com o plantio de várias culturas, com o trato com os plantéis bovino, suíno e aviário. Eu gostava particularmente, quando era escalado para colher a macaxeira que seria servida no jantar, pois separava algumas raízes e levava para o dormitório. Pela noite, muitos de nós subíamos para as salas de aula e ali ficávamos estudando até tarde. Às quatro e meia da manhã eu acordava, descascava uma raiz de macaxeira, colocava numa lata de neston com um aquecedor elétrico e ia para a sala de aula onde ligava o aquecedor e ficava estudando até a macaxeira cozinhar.

Sempre que ia a casa mamãe me fazia um pote de ameixa de carambola e outro de dedinho de jenipapo que eu guardava no armário individual do dormitório e comia-os com alguns colegas mais chegados, principalmente Edson Santana (Generosa), Daniel Evangelista e Fernando Bagaceira. Em compensação Edson aguardava apagarem as luzes e me cutucava: “Mestre, vamos comer um peixinho assado que mamãe me mandou de Propriá”.

Eu, e todos os colegas, hoje somos unânimes em afirmar que do Colégio Agrícola não recebemos um simples diploma de Técnico Agrícola, recebemos o grau de formação de Homens, assim mesmo, com H, prontos para a Vida, assim mesmo com V.

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