Crônica: Pérolas do Colégio Agrícola

04/05/2022 13:17

Por Juviano Garcia


Crônica: Pérolas do Colégio Agrícola

Orgulho-me de dizer que fui aluno do Colégio Agrícola Benjamin Constant, hoje Campus Rural do Instituto Federal de Sergipe. Naquela época –ah! Já se foram tantos anos, eram idos de 1968 a 1970 – os alunos eram identificados pelo número de matrícula (o meu era 357) que era gravado na parte interna das fardas e roupas de cama, nos livros, nos cadernos e tudo mais que necessitasse identificação. Muitos ex-alunos foram contratados como servidores do colégio. Cito como exemplo o cozinheiro Regis – o 41 – o motorista 5, o fiscal de alunos 26, dentre outros.

Havia dois dormitórios: um para os alunos do primeiro grau (o ginásio agrícola) e o outro para os alunos do curso técnico de segundo grau. Este último, constituído de cinco quartos grandes, com capacidade para cerca de trinta camas, cada e um menor, que os meninos chamavam “a suíte” com dez beliches. Dos cinco quartos maiores, um era mobiliado com beliches e é esse que se constitui no palco da história que relato neste artigo.

Às 22 h, impreterivelmente, as luzes dos dormitórios eram apagadas e o silêncio imposto, principalmente pela presença do fiscal de alunos (o guarda). Ainda hoje me lembro de todos eles: João Pelotão, que para anunciar sua presença no dormitório emitia o seu famoso tempero de garganta (hummm, rummm) e sua advertência padrão a qualquer aluno que manifestasse algum comportamento repreensível : “cuidado menino, senão você cai no buraco do abismo”, seu Helvécio, baixinho, troncudo e muito sério, 26 (não sei até hoje o seu nome, só o número de matrícula), o terror dos alunos, Fessozinho (tinha esse apelido porque dizia que todos nós alunos éramos uns fessorzinhos - professorezinhos), figura notável pela sua inocência, seu Gregório, o pai de todos nós, muito querido, muito compreensivo e seu Miúdo, este, o foco da nossa história.

Antes de nela adentrar quero, porém, relatar dois fatos ocorridos com guardas. Um deu-se com seu Gregório, que, sendo gago, certo dia, ao abrir o dormitório para o banho do meio-dia, quando voltávamos do PAO (Programa Agrícola Orientado), que era a nossa academia, onde arrancávamos macaxeira, cuidávamos do estábulo, do aviário, da pocilga, do canavial etc., teve que repreender um aluno novato e esse, que também era gago, lhe respondeu: 

- “Mas seu Gregregório, na na não fu fui e eu.”

Seu Gregório irritou-se:

-“Tá tá ta me ar arremedando, seu mu, muleque?”

Para sorte do menino, os colegas conseguiram convencer seu Gregório de que ele era mesmo gago. Sempre que me encontrava com ele, em geral no Hiper G Barbosa, recordamos esse acontecimento.

O outro ocorrido deu-se com o Fessozinho. Era por volta de 23h, luzes apagadas e um grupo de alunos ouvindo uma fita de piadas pesadíssimas, quando chega o guarda Fessozinho e fica ouvindo por alguns minutos e exclama, do alto da sua inocência: “Meus fio, que rádio imoral é esse? Tire daí que é muito feio.”

Vamos agora ao principal. Quando seu Miúdo, que era analfabeto, estava de guarda, frequentemente, ao passar entre as duas fileiras de beliches do segundo quarto do dormitório dos alunos do curso técnico, após o apagar das luzes, um aluno de uma das camas de cima jogava um lençol sobre ele, abraçava-o por traz e os outros lhe cobriam de palmadas. Seu Miúdo saía do quarto em desespero. No dia seguinte ia relatar ao Diretor o acontecido, levando consigo um pedacinho de papel com o número do suposto autor.

- Foi esse aqui, Dr. Laonte, um pauzinho e duas bolinhas. (100).E assim, o 100 sempre pagava o pato pela traquinice da turma. Porém, para ser feita a justiça divina, certa segunda-feira, seu Miúdo leva a Dr. Laonte a mesma reclamação do 100. Ocorre que nessa ocasião o 100 tinha pedido ao Diretor para passar o fim de semana com a família e aí, seu Miúdo foi forçado a admitir que o único número que ele sabia escrever era um pauzinho e duas bolinhas.

Durma com umas palmadas dessas.

Outra cena inusitada dos meus tempos de Colégio Agrícola: Certo rapaz de um povoado de Simão Dias, selecionado para o curso de Técnico Agrícola, nunca tinha saído de sua cidade natal; ao vir se apresentar para o seu primeiro dia de aula, com uma mala de couro cru a tiracolo, ao descer do ônibus na rodoviária Luiz Garcia, naquele tempo a única de Aracaju, muito bem asseada, encerada diariamente, escorregou no piso caindo de todo corpo, a mala deslizando pelo chão. Ao se levantar, vendo dezenas de pessoas olhando para ele, exclamou:

- Ô lopra, parece que passaram sebo de carneiro nessa peste!

Até hoje não sei o nome do rapaz, pois no colégio todos o conheciam como “Lopra”.

Outro caso interessante é o do meu conterrâneo Aurino, filho do pastor Domingos Ramos, também meu contemporâneo no Colégio Agrícola. Era fim de tarde, acabamos de jantar e, um grupo de alunos estava reunido na frente do colégio, fumando e pilheriando. O céu estava coberto de nuvens negras, relâmpagos começavam a trilha-lo, quando Aurino resolveu dar uma de meteorologista: “Vai cair uma Trevuada!!!” Foi o suficiente para daí em diante, ninguém mais chama-lo pelo nome. Ficou conhecido, tanto no Colégio como em Dores, pelo apelido de Trevuada.

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