Crônica: Paris e Propriá - Por Marcos Mello

29/05/2022 12:21


Crônica: Paris e Propriá - Por Marcos Mello
Vinícius de Moraes falava que se podia sentir a pulsação de uma cidade pelos seus bares e restaurantes. Sob outro prisma, mas com o mesmo sentido e indo mais além, o economista propriaense Said Schoucair, em brilhante defesa de tese junto à cátedra de Teoria do Desenvolvimento, do professor Juarez Costa, afirmava que um importante termômetro para se medir o grau de evolução econômica, social e cultural de uma comunidade é a frequência aos seus templos boêmios. E acrescentava: quanto mais frequentados esses lugares sagrados por devotos e jejunos, tanto maiores seriam o crescimento do PIB, a geração de renda, acompanhada de uma melhor distribuição, e a ampliação do nível de empregos. Haveria, também, maior produção cultural e uma mais saudável convivência social.
 
Cultos e  amantes das boas coisas da vida, Vinicius e Said sabiam o que diziam.
Por essa ótica hedonista pude imaginar quão desenvolvida era minha cidade quando lá residi, até o início dos anos 1960. Lembro-me bem da feérica assiduidade a seus bares-restaurantes, que não eram poucos. Se, no dizer de Hemingway, Paris era uma festa nos anos 1920, Propriá foi um desbunde nos anos 1950.
 
Guardadas as proporções, a minha cidade em nada ficava a dever à Cidade Luz. Senão vejamos: se Paris tinha Stravinsky e sua Sagração da Primavera, Propriá tinha Octavio Menezes e seu Concerto em Mi Maior para Bombardino; se Paris tinha Pablo Picasso e seu cubismo, Propriá tinha Samuel Batista e seu neoclassicismo esquizoide; se Paris tinha Sergei Diaghilev e Les Ballets Russes, Propriá tinha Odette Silva e suas Danças Brasileiras; se, em Paris, James Joyce revolucionava a prosa, em Propriá, Carlos Alberto de Melo introduzia a poesia moderna nas letras locais; se, em Paris, Ray Man reinventava a fotografia, em Propriá, Gileno Oliveira criava obras de arte com sua Rolleyflex; se os franceses inventaram o bilhar, o propriaense Praxedes Ramos foi um campeão desse jogo de precisão e efeitos; e, last but not least, o nosso Rio São Francisco, embora degradado, é muito mais bonito e caudaloso que o Sena dos parisienses.
 
Mas, e os bares? Estavam todos lá, abertos, solidários, acolhedores. Em “Paris é uma Festa”, último livro escrito por Hemingway, em 1957, ele rememora sua passagem pela cidade que Pound a chamou de “centro do mundo” e Joyce de “a última das cidades humanas”. Destaca o escritor os bares-restaurantes que frequentou, quase todos em Montparnasse e Montmartre, com destaque para o La Closerie des Lilas, onde o absinto corria livremente, bebida de elevadíssimo teor alcoólico, a preferida de Toulouse Lautrec. Nesse bar, mundialmente famoso após a publicação de “Paris é uma Festa”, Hemingway escrevia e bebericava. Em suas mesas, ele iniciou a escrita de “O Sol também se Levanta”, seu primeiro romance. 
 
Outros bares frequentados pelo escritor: Dingo, Select, Rotonde, Le Dôme, La Coupole, Flore, Lipp, Harry’s Bar, Les Deux Margots e Napolitain. Neste, Jake Barnes, personagem de “O Sol também se Levanta”, encontra a francesinha Georgette. Já o bar do hotel Ritz, na Place Vendôme, que tem o seu nome, Hemingway o frequentou depois de famoso e endinheirado, pois que era (e ainda é) um bar para abonados.
 
Quem passa, hoje, pela Av. Tavares de Lyra, em Propriá, no centro da cidade, não imagina a concentração de bares por metro quadrado que havia naqueles anos dourados. Logo na esquina, com a Av. Augusto Maynard, localizava-se o bar Vitória, com suas mesas de ferro e tampo de mármore, o Bar de Ioiô, nome de seu proprietário, acolhia a elite dos comerciantes, industriais, banqueiros, fazendeiros etc.
 
Em suas mesas, foram acertadas grandes transações comerciais regadas a goles de cerveja Cascatinha.
Do mesmo lado, ficava o bar Floresta, do popular contraventor e carnavalesco Bodega, maior consumidor local do lança-perfume Rodouro. Bar frequentado pela nata dos profissionais do carteado e demais jogos de azar, onde pontificava Cabralzinho, rei da trapaça, que usava um anel espelhado para “pescar” o valor das cartas no pif-paf ou no 21. 
 
Descendo mais um pouco a avenida, chegava-se ao bar Aurora, de Luiz Freitas, ou Luiz do Bar, como era conhecido. Era um bar austero, quase calvinista, parcimonioso nas bebidas, pois não atendia aos bebuns contumazes; mas pródigo nas vitaminas e iguarias diabéticas. Um Ilustre frequentador do bar Aurora era o mudo Davi, gigante negro de 2 metros de altura e 150 kg de músculos. Era invencível na queda de braço.
 
Passos adiante, estava o bar de Patu. Boa comida e cerveja galatíssima. Era point dos políticos. Eventualmente acompanhado do Trio Tabajara (Ginaldo, Doca e Dedé) e de seu dileto amigo Aloisio Cabral (pai do Jornalista César Cabral), Wolney Mello, vereador, prefeito, deputado estadual e governador, foi um grande habitué do bar de Patu em memoráveis performances boêmias, sempre com elegância e classe.
 
Espaço curto para o extenso repertório de bares da Princesa do São Francisco, concluo com o bar de Zé da Rocha (pai do senador Gilvan Rocha), onde o multifacetado Praxedes Ramos, dava verdadeiros shows no bilhar francês, enfrentando adversários de várias procedências, que iam à Propriá em busca de fama, na esperança em derrotá-lo; e o bar da Casa de Filé, bordel de clientela seleta.
 
Envelhecida e sem recursos, Filé foi orientada por Antônio Tavares a procurar o governador Seixas Dória a fim de conseguir uma pensão. Dória, que era propriaense, reconheceu seus relevantes serviços, mas ficou impossibilitado em atendê-la sob o argumento de que a legislação não permitia. Uma pena! 

Compartilhe

Veja Também

Receba Notícias Pelo WhatsApp