Wysiati, o transatlântico e o hiato educacional em Sergipe.

01/07/2019 11:21

O título acima foi escolhido propositalmente com vista a tentar despertar a atenção do leitor amigo (o primeiro desafio de publicar na da web, é fazer com que o texto seja escolhido para ser lido). E mais do que isso, a escolha tenta induzir curiosidade (saber o porquê de termos aparentemente sem correlação estarem juntos na chamada do texto), gerando surpresa e estranhamento (o que denota mais chance de que a mensagem seja guardada pela memória).


Wysiati, o transatlântico e o hiato educacional em Sergipe.

Todas estas são indicações já aceitas pela neurociência de como absorvemos as informações, as processamos, e armazenamos para o futuro na memória. O nosso cérebro funciona como uma lente fotográfica de absorção, que, sob determinadas condições, funciona com mais desenvoltura e capta melhor o que deve ser apreendido. 

Assim, por exemplo, se o aluno tem curiosidade de saber o resultado final da aula (se ele quiser saber, por que chove, ele acompanhará com mais atenção a explicação); se esta explicação é movida por pequenos desafios (pequenos problemas intermediários, que geram satisfação ao serem resolvidos – o que gera prazer ao cérebro); se o assunto é explicado  também de modo visual, com figuras e imagens (o que gera maior abertura mental para a apreensão de informações); se fizer sentido para o aluno estar assistindo aquela aula (se ficar claro para o mesmo, que aquele aprendizado é essencial para o seu futuro); a neurociência diz que a aula será muito mais produtiva e o aprendizado mais efetivo.

Mas será que estes conhecimentos, acessíveis a todos, inclusive via internet, estão sendo utilizados na prática? Ou será que nossas escolas públicas ainda repetem modelos em vias de obsolescência e que não mais respondem aos desafios do futuro? Por que será que aquela criança, quando bebê, quer saber tudo sobre tudo; e quando vai à escola perde o interesse sobre o assunto a ser ministrado?

A sintomática de problemas no nosso ensino, notadamente o sergipano, é baseada em evidências. Números do IDEB (índice de medição de aprendizado do Ministério da Educação) e da própria Secretaria de Estado da Educação demonstram que o ensino nas escolas públicas em nosso Estado encontra-se na faixa dos 20% piores do Brasil. Que ao final do 3º ano do ensino fundamental, apenas 20% dos alunos das escolas públicas têm competência adequada em leitura (problema que prejudica o aprendizado em todo o ciclo posterior).

Que apenas 8% (OITO POR CENTO!) dos alunos ao final do 9º ano têm aprendizado satisfatório em matemática. E somente 22% destes alunos têm proficiência em português. E que pouco mais da metade dos jovens de 15 a 17 anos, já conseguiram terminar o ensino fundamental (e os demais ficando pelo caminho...). 

São números estarrecedores que indicam o hiato educacional em nosso Estado; hiato este que certamente será refletido em todos os demais setores sociais (inclusive na economia), e na vida de cada um destes jovens sergipanos, que veem seu direito fundamental à educação (e à autodeterminação, ao pleno desenvolvimento social, ao futuro, etc, etc, etc) ser cerceado de maneira implacável.

Mas, por que não se muda este cenário? Por que a educação não vira uma obsessão estadual, com vista a levar nosso Estado ao futuro? A resposta talvez esteja na palavra “Wysiati”, acrônimo citado pelo vencedor do Prêmio Nobel Daniel Kahneman, em seu livro “Rápido e Devagar”, para a frase: “What you see is all there is “ (O que você vê, é tudo que existe).

Explica Kahneman que nossas decisões são baseadas nos s que recebemos (o que é vivido pela experiência), e se não temos conhecimento de uma informação, ou se esta informação não for valorizada, ela não é levada em consideração por nosso cérebro quando da tomada de decisão. E, neste ponto, quanto maiores as certezas, maior probabilidade de acontecer o que se chama de superconfiança, ou seja, ter-se plena convicção de se estar fazendo o correto, mesmo que isto represente um contrassenso em termos de resultados.

Neste ponto, a minha percepção é a de que os atores sociais envolvidos, em sua maioria, apegam-se a velhos paradigmas, e ainda não se convenceram de que: a) o problema educacional não é só financeiro, já que Municípios como Itabaianinha, Tomar do Geru e Amparo de São Francisco têm conseguido excelentes resultados, com custos educacionais por aluno baixos; b) que a gestão tem um aspecto importantíssimo na aferição e cobrança de metas e resultados; c) que o jovem de hoje é diferente do jovem de 20 anos atrás, e que as ferramentas de ensino via internet estão acessíveis a todos; d) que o aprendizado tem que ser medido, e aquele aluno que, algum motivo ficou para trás, tem que ser objeto de ações de reforço, para que seu desenvolvimento futuro não seja prejudicado por falta de base; e) que o desenvolvimento intelectual envolve também competências sociais e emocionais e não apenas o lado cognitivo puro; f) que se não houver um pacto social envolvendo todos – todos mesmo -, sociedade e Governo, tal problema não será ultrapassado (Precisamos todos ver, e nos convencer do problema, para que ele seja resolvido).

Realce-se, neste contexto, que será realizado, agora, dia 02/07/2019, o Workshop da Educação no Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, onde serão trazidas experiências de sucesso em termos de educação pública, plenamente aplicáveis em nosso Estado. Notadamente a experiência do Estado do Ceará que deu um salto qualitativo na educação básica, avançando para os primeiros lugares nacionais. (Em condições sociais e econômicas muito parecidas com o Estado de Sergipe).

Falamos de wysiati, neurociência, hiato educacional. E o transatlântico? O transatlântico vem de reportagem da Folha de São Paulo (27/062019), de lavra da jornalista Laura Mattos, que mostra a mudança de postura do Colégio particular de São Paulo, Bandeirantes, em busca da excelência no ensino. Diz a subtema da matéria: “ Transatlântico que deixava para trás aqueles que caíam no mar, passou a resgatá-los”.

O texto jornalístico, o qual recomendo leitura, demonstra, em síntese apertada, que o Colégio Bandeirantes, mesmo sendo um dos mais tradicionais e procurados de São Paulo, com vista a manter qualidade e competitividade no acesso às melhores universidades do Brasil e do Mundo, tem modificado sua abordagem pedagógica em dois pontos principais: primeiro, tem dado ênfase não somente ao aspecto conteudista, mas também ao desenvolvimento das habilidades socioemocionais dos alunos; e, segundo, como propugnado acima, adotou a resolução de que ninguém pode ficar para trás – nenhum aluno pode terminar os seus estudos (ou cada etapa) sem o desenvolvimento intelectual e emocional esperado. 

Assim, se em time que está ganhando, é possível se mexer, para melhorar e aperfeiçoar a atuação (vide o Colégio Bandeirantes de São Paulo); em time que está perdendo, urge mudar de logo, os parâmetros e paradigmas. Mudar a Educação no presente para impactar o futuro. Educação inclusiva e oportunidade para todos: isto tem que ser um mantra em nosso Estado.

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