Artigo: A Democracia Necessária

15/01/2021 13:18


Artigo: A Democracia Necessária

Luiz Eduardo Oliva (*)

Dizia o conservador político britânico Winston Churchill, numa frase por demais conhecida, que a “democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.” Foi uma forma inteligente de reconhecer os defeitos que o regime democrático possui e ainda assim dizer que todas as demais formas de governo não chegam ao patamar necessário da democracia. Embora tenha sua origem na velha Grécia a democracia ganhou contornos importantes na contemporaneidade, depois da humanidade experimentar as mais diversas formas de governo. Ainda assim, vive em constante ameaça.

Por incrível que possa parecer é dentro da democracia que se implantam as bases que a ameaçam. Uma delas é a própria liberdade de expressão que possibilita que as pessoas ou grupos políticos se manifestem até para pleitear o endurecimento do regime, coisa que não aconteceria num regime autoritário onde a censura vira instituição. Por paradoxal que possa parecer, usa-se da liberdade de expressão para pedir a sua própria supressão. Isso tudo se dá porque há uma crescente onda conservadora de ultra direita que não aceita a própria democracia embora surfe nela para buscar alcançar seus objetivos de endurecimento, contrária às minorias e apoiada num pensamento onde o preconceito, o racismo, a homofobia, a misoginia imperam, num total contra-senso ao desenvolvimento tecnológico que a humanidade atingiu.

É inconcebível que em pleno século XXI ainda exista uma forte onda de pensamento  que nega a ciência, que não aceita a diversidade e que teima em não respeitar o estado de direito, onde o império da lei e as instituições democráticas sobretudo, são fundamentais.  Por mais defeituosas que sejam as instituições, principalmente aquelas que formam o tripé das funções de Estado, executiva, legislativa e judiciária, elas são a base da democracia e da garantia do exercício pleno do Estado de direito. O sistema de freios e contrapesos, desenvolvido pelo filósofo Montesquieu é uma  prova da evolução da sociedade, se formos comparar, por exemplo com o período do absolutismo onde todo o poder de Estado se concentrava na mão de uma única pessoa. Mas ainda assim, parte da humanidade insiste em não compreender essa evolução e teima em atentar contra as instituições, pedindo o fechamento do poder legislativo ou o enfraquecimento do poder judiciário e no Brasil, o Supremo Tribunal Federal tem sido atacado constantemente com o aval inclusive, de quem deveria defendê-lo e jurou respeitar a Constituição.

Essa semana o mundo assistiu, perplexo, ao que parecia impossível: o ato de invasão ao Capitólio, onde fica sediado o poder legislativo americano (Câmara e Senado) por uma turba insuflada pelo representante de outro poder - o  derrotado presidente Donald Trump - depois de buscar em vão junto ao judiciário invalidar o resultado soberano das eleições. Tudo parecia dentro da normalidade do sistema de freios e contrapesos, cada poder cumprindo o seu papel cujo ato final seria a validação do resultado da eleição pelo poder legislativo. Embora inusitado e surpreendente, o ataque ao Capitólio, por ter sido fracassado, serve de alerta à democracia em demais localidades do mundo, sobretudo no Brasil onde se observa um ataque sistemático à democracia,  desde o poder central ou  nas redes sociais e em grupos de whatsapp onde postagens absurdas buscam alimentar um pensamento de golpe e ameaçam a ainda nova democracia brasileira que se instaurou efetivamente com a Constituição de 1988.

O absurdo é observar que se antes, a elite ultra conservadora tinha vergonha de se expor, hoje já não tem. Os mais velhos que vivenciaram a época da ditadura militar certamente lembram que o próprio regime, existente a partir de um golpe civil-militar, se considerava uma “revolução” e referendava no discurso - e somente no discurso - valores democráticos. Tentava camuflar os “tempos de chumbo” como se dizia. Nos dias atuais, onde se vive um regime democrático que busca se aperfeiçoar, o que se vê, diferente daqueles tempos, é que se perdeu a vergonha e uma ainda considerável turba de travestidos da estupidez, se coloca com as mais estapafúrdias  teses, destilando principalmente o ódio e se postando como detentores de uma dissimulada moralidade.

A democracia - volto a Churchill - pode não ser o melhor dos regimes. Mas ainda não se inventou outro melhor. Ou, por outra: com exceção de todas as demais formas de governo, é aquela que garante principalmente o império da lei, garante a plena liberdade de expressão, funda-se no direito do voto através de eleições livres, frequentes e idôneas – como têm sido as eleições brasileiras - garante as liberdades fundamentais, a diversidade, a igualdade de gênero, a busca pela equidade e o acesso geral à informação e a educação.  É claro que ainda é um processo que se aperfeiçoa, mas defendê-la mais que necessário, é fundamental.

(*) Luiz Eduardo Oliva é advogado, poeta e membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas.

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