O ocaso da Seleção Brasileira E o complexo de vira-latas reverso
22/11/2023 19:39
Por Luiz Eduardo Oliva
Essa semana que passou o país assistiu a mais uma derrota da Seleção Brasileira diante da Colômbia (2 x 1) e os dados já mostram que essa é a sua pior campanha desde o início das eliminatórias, em 1954 quando o Brasil teve 100 % de aproveitamento.
Não é de agora que assistimos ao paulatino ocaso da Seleção Brasileira. Não só dela mas do simbolismo que ela representava. Sua camisa e suas cores foram usurpadas como se fosse o símbolo de uma corrente de pensamento político dividindo o país quando a Seleção era o exemplo de união, que contrariava a até a máxima de Nelson Rodrigues de que “toda unanimidade é burra”.
Ao analisar o futebol brasileiro dos anos 1950 e principalmente antes da Copa do Mundo de 1958 realizada na Suécia e que nos deu o primeiro título quando revelamos ao mundo o gênio incomparável de Pelé, Nelson Rodrigues viu no “escrete canarinho” como chamava, a redenção do brasileiro diante do mundo, a superação do que ele chamava de “complexo de vira-latas” para dizer da humildade obtusa que ainda fazia do povo brasileiro uma espécie de “colonizado”. Se com as cinco conquistas, principalmente as três primeiras, já não tínhamos esse “complexo” por outra monta a soberba dos dias atuais também não cabe.
Estamos vivendo um "retorno reverso" do complexo de vira-latas, se posso chamar assim. Retorno reverso porque o complexo de vira latas antes de 1958 era a falta de auto-estima, expressa nos nossos jogadores (e no povo brasileiro) que não tinham a autoconfiança do exuberante futebol que praticávamos como um reflexo da nossa cultura de colonizados, de subdesenvolvidos. Hoje há justamente a falta de humildade, não a obtusa de que falava Nelson, mas aquela que eleva.
Foi o vencer do antes complexo de vira-latas que transformou o país do final dos anos 50 e início dos anos 60 num Brasil que se afirmou ao mundo e isso teve reflexos positivos também nos socos vitoriosos de Eder Jofre, nas raquetadas vencedoras de Maria Esther Bueno, na ascensão da Bossa Nova como ritmo que encantava o mundo, na pujança modernizadora de Juscelino Kubitschek construindo Brasília em cinco anos.
Mas o que era superação do complexo de vira-latas rodriguiano virou soberba. Perdeu-se o encantamento que nos unia pelo futebol como na copa de 70 que independente do que acontecia nos porões da ditadura o futebol era a redenção do ilógico onde, das mais pobres camadas saíam os heróis que no plano interno construíam a identidade nacional e no plano externo nos enchiam de orgulho.
A lógica capitalista no futebol modificou a cabeça dos nossos craques que foram jogar na Europa e parecem ter perdido a identidade brasileira, viraram uma espécie de mercenários da bola onde a vaidade e o próprio umbigo parece ser o foco. O que se pode observar agora é que perdemos a identidade brasileira no gingado, no futebol cadenciado como a cadência do samba, com a criatividade que brotava antes da necessidade.
O genial compositor baiano Moraes Moreira (falecido em 2020) certa vez cantou o Brasil(“O que é, o que é?”) que dava certo pelos pés e pela musicalidade que vinha das camadas mais improváveis quando dizia “Mamãe eu não quero, mamãe eu não quero/ Trabalhar de sol a sol/ Quero ser cantor de rádio e jogador de futebol” para depois completar “com a bola no pé e a viola na mão/ vê se você destrincha/ que eu sou Elza Soares/ eu sou Mané Garrincha/com a bola no pé e viola na mão/o que é, o que é?/eu sou menino pobre/nobre eu sou o rei Pelé”. Dizia de um país que se fez muito mais como identidade pelas mãos, pés e cabeça dos desvalidos do que de uma elite que inclusive usurpa de símbolos da própria brasilidade.
O resultado deu nessa perda de valores onde a Seleção parece deixar de representar o principal símbolo de identidade nacional. O fato é que, capenga, a quase totalidade dos convocados não joga no Brasil. E o que é um aparente contrassenso: o mesmo técnico que tornou o Fluminense o campeão sul-americano não consegue com a seleção ganhar de países sul-americanos. Talvez esteja aí a explicação: no Fluminense todos são jogadores que jogam no Brasil revestidos do sentimento da brasilidade (ainda que tenha alguns jogadores estrangeiros, mas uma minoria irrisória).
Antes havia no jogador brasileiro o sentimento de pertencimento ao país (e esse é o sentido da Seleção). Na final da Copa do Mundo de 1958 quando o Brasil conquistou pela primeira vez o campeonato mundial a adversária Suécia marcou aos quatro minutos de jogo o primeiro gol. Numa das cenas mais emblemáticas daquela Copa, Didi, chamado por Nelson Rodrigues de príncipe etíope, pegou a bola de dentro do gol brasileiro e, enquanto os suecos ainda comemoravam, foi calmamente andando com ela debaixo do braço até o meio de campo e foi conversando com praticamente todo o elenco dizendo que não iam perder para aquelesgringos.
O resultado foi a estupenda vitória de 5 x 2, a revelação de Pelé ao mundo com apenas 16 anos e o fim do chamado "complexo de vira-latas”. Até 1970 com o tri-campeonato todos os jogadores atuavam no Brasil. Na conquista de 1994 eram onze e na de 2002 treze jogadores. Pelo jeito o Brasil só voltará a ter a hegemonia do futebol mundial quando a maioria ou pelo menos metade da Seleção for de jogadores que jogam no Brasil. Com o sentimento pleno de brasilidade. Quiçá assim seja.
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