Artigo: Núbia Marques, um quarto só seu - Por Igor Salmeron
26/07/2022 09:23
Diversas foram e são as exponenciais mulheres que marcam a rica história cultural de Sergipe. Personagens assim, não podem passar despercebidas ou relegadas ao esquecimento. Os sergipanos ainda padecem de uma grave problemática, que é a de desconhecer os próprios ilustres conterrâneos. Na área educacional, por exemplo, temos inúmeros exemplos, dentre os quais podemos realçar, sem dúvida alguma, o nome de Núbia do Nascimento Marques.
De espírito rebelde, desde cedo possuía senso de independência. Aos 17 anos já explicitava seu ímpeto de jamais aceitar as coisas passiva. Das discussões acaloradas com a sua figura paterna, um inveterado getulista, o desafiou lendo ‘Memórias do Cárcere’ de Graciliano Ramos. Nesses calorosos momentos, notava que não seria daquelas figuras femininas que permaneciam em silêncio frente às imposições da vida. Venceu os estigmas de fragilidade que marca a história da mulher brasileira, na qual muitas vezes eram vistas como desprovidas de inteligência.
Nascida em Aracaju, na Rua de Geru, num mês de dezembro de 1927, foi mulher das mais destemidas. Vale dizer que desde os 14 anos fazia poesia sob a influência de Graciliano Ramos, Augusto Schmidt e Clarice Lispector. Filha de Atílio Marques e Bernardina Rosa do Nascimento Marques, soube como poucas enfrentar os percalços existenciais. Cursou o Primário no Educandário Menino Jesus, o ginasial no clássico Atheneu Sergipense e cursou Contabilidade na Escola de Comércio Conselheiro Orlando. Contando apenas 20 anos de idade, rumou para o Rio de Janeiro onde prestou curso de Belas Artes e trabalhou com destaque na Revista Seleções de Reader’s Digest.
Na década de 50, já em Aracaju, ingressou no curso superior da Escola de Serviço Social. Foi Professora de Literatura Portuguesa e Brasileira, além de ter sido Assistente Social no SESC de Salvador. A partir da fundação da Universidade Federal de Sergipe, passou a titular do Departamento de Serviço Social. Fez Mestrado na PUC de São Paulo, foi Diretora do Departamento de Cultura e Patrimônio Histórico, assumindo ainda por duas vezes a presidência da Fundação Estadual de Cultura.
Foi a primeira mulher a pleitear uma vaga na vetusta Academia Sergipana de Letras, sendo eleita no ano de 1978, aonde ocupou a cadeira de número 34. Esse pioneiro feito demarcou a quebra de tabu que existia na ASL. Uma das suas principais manias foi a poesia. Atuou nos estudos de comunidades, das mulheres trabalhadoras e, sobretudo, da equidade de gênero. Aguerrida de jeito irreverente, realizou denúncias e organizou movimentos pela Anistia em Sergipe na época da Ditadura Militar.
Núbia Marques marca seu lugar na história do pensamento social sergipano, autora de diversas obras, das quais podemos elencar: ‘Dente na Pele’, ‘Berço de Angústias’, ‘O Passo de Estefânia’, ‘O Sonho e a Sina’. Sua inspiradora contestação fica clara em seus escritos e modo de agir, pois sempre estava indignada diante das antinomias praticadas na sociedade. Chegou a dedicar-se à pintura e ao desenho, prova disso é quando frequentou a Sociedade Brasileira de Artes Plásticas, no Rio de Janeiro.
Conclui-se que lutou bravamente durante sua admirável existência pela dignidade feminina nos mais variados segmentos sociais. A incorrigível poetisa ainda nos passa ensinamentos por rumos adormecidos. Portanto, a atuação das mulheres como protagonistas da história, possui em Núbia Marques um dos principais estandartes, uma mulher que como diria Virginia Woolf, conseguiu um quarto só seu no cenário intelectual sergipano e do Brasil.
Igor Salmeron é Sociólogo, Doutorando em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFS
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