Artigo: Tertuliano, amor incondicional pela vida - por Igor Salmeron
16/09/2023 13:06
Setembro, um mês que marca o glorioso nascimento de diversas personalidades sergipanas, dentre às quais uma, em especial relevo: Tertuliano Azevedo. Nascido num dia 17 de setembro do ano 1930 na antiga cidade de Vila Nova, hoje Neópolis, estaria completando 93 anos. Era filho de Seu Anísio Azevedo e Dona Jocabed Cardoso Azevedo, pais que o guiaram nos caminhos da fé e honestidade de ideais.
De origem aguerrida, desfrutou de infância simples e repleta de aprendizados. Soube desde jovem o valor das pequenas grandes conquistas. Despido de vaidades, percebia no ato de servir ao coletivo sua principal missão. Não à toa, em seu íntimo, notava que o Estado existe justamente para bem-servir ao seu povo sem distinções.
Seus primeiros passos escolares se deram na cidade de origem, o ABC com o Prof. Costa. O primário foi feito em Penedo, num colégio de freiras. Prosseguiu os estudos vindo morar em Aracaju, quando foi aluno interno no Colégio Tobias Barreto, cujo diretor na época era o Prof. Alencar Cardoso. No Tobias acumulou bagagem inicial nas atividades políticas e noções do hábil traquejo social.
A família vem aportar em universo aracajuano e ele vai então para o Colégio Atheneu Sergipense, este sendo considerado uma espécie de Universidade da época tamanho o prestígio do ensino. Fulguravam avultados gênios como: Artur Fortes, Abdias Bezerra, José Augusto da Rocha Lima, José Olino, Ofenísia Freire, Manoel Cabral Machado, Maria Thetis Nunes e Costa Pinto para citar alguns.
Nos tempos de Atheneu começou a participar dos movimentos estudantis. Já dirigia nesse tempo, o Jornal “A Voz do Estudante”. Daí rumou para o Rio de Janeiro onde conseguiu seu primeiro emprego como Office Boy. Retorna a Aracaju e passa de novo pelo Atheneu. Vocacionado para o Direito, registrou passagem no Grêmio Estudantil Clodomir Silva e na União Sergipana dos Estudantes Secundaristas, onde foi seu fundador e primeiro presidente.
Foi aluno da segunda turma da Faculdade de Direito de Sergipe, se tornando Bacharel em 1957. Antes disso, chega a dar aulas de matemática, ingressando nos Correios em 1950 como carteiro. Anterior à sua formatura, já advogava na seara trabalhista junto a sindicatos. O primeiro escritório advocatício surgiu com a ajuda de amigos a exemplos de: Jaime Araújo e Viana de Assis.
Mais adiante, montou escritório no Edifício Santos, que era em frente ao Correio, com o irmão José Lima, montando uma sociedade de aluguel de filmes para cinemas. Tiveram de 8 a 9 cinemas no interior.
Deixou a função de carteiro após passar em concurso do Ministério do Trabalho. Por lá foi Delegado do Trabalho. Participou da fundação da Gazeta Socialista, jornal este fundado por Orlando Dantas e que depois veio a se transformar na Gazeta de Sergipe. Tertuliano participou da redação, chegando a ser Diretor. Colaborou na Coluna ‘Buraco da Fechadura’.
Começou de baixo. De Office Boy, atuou como empresário, sindicalista, líder estudantil engajado, servidor público, advogado, político, professor, Secretário de Estado, parlamentar, Conselheiro do TCE/SE e prolífico escritor, eis uma figura humana multifacetada.
Na amável esfera doméstica contraiu belo matrimônio em 1956 com D. Maria Bernadete Fontes Azevedo cuja união resultou em suas cinco Marias: Sônia Maria, Selma Maria, Silvana Maria, Susana Maria e Simone Maria, principais tesouros da sua genealogia familiar. É válido o adendo da assertiva de que era homem de memória singular e prodigiosa.
De temperamento irrequieto e questionador, possuía coração desmedido. Não era de julgar, contornava crises e destilava amor incondicional pela vida. Era sensível aos sofrimentos alheios, não ficava indiferente. Segundo relatos, chamava as pessoas de ‘mestres’, sendo que o verdadeiro mestre era ele, pela sua heroica conduta, solidariedade e aversão a mágoas.
Ao longo da sua intensa jornada, presenciou embates de natureza político-ideológica, foi partícipe ativo em movimentos estudantis, trabalhistas, socialistas e democráticos em geral. Na tenra idade, se mudou para o Rio de Janeiro donde manteve ligações próximas a Graccho Cardoso, que havia sido Governador de Sergipe, chegando a exercer também mandatos no Senado e Câmara Federal.
Ao regressar para terras sergipanas, Tertuliano Azevedo se engajou na Esquerda Democrática, que era gerida pelo vulto Orlando Dantas, depois vindo a se transformar no Partido Socialista Brasileiro. Da extensa trajetória como distinto homem público, realcemos as seguintes passagens quando atuou como: Delegado do Trabalho, momento em que foi exonerado e preso pelos militares no golpe militar de 1964.
Após sua soltura, foi morar de novo no RJ, cuja permanência se deu até o ano de 1970. Retornou para Aracaju, continuando sua vida como advogado, patrocinando causas e sendo um ferrenho defensor da redemocratização do Brasil. Participou ativamente da elaboração da Constituição de 1988
Nos tempos do MDB é que Tertuliano viria a se consagrar na militância política quando se elegeu Deputado Federal em 1978. Presidiu o MDB em 1972 permanecendo até 1978 quando eleito. Ressalte-se que depois com a democratização do Brasil, chegou a fundar e presidir em Sergipe o Partido Liberal, do saudoso presidente Tancredo Neves.
Nessa efervescente quadra temporal lutou bravamente pelo regime da democracia em seu sentido mais genuíno. Vivenciou como poucos a vagarosa abertura política e da redemocratização, a questão do pluripartidarismo e o retorno das eleições diretas para Governador do Estado. Tertuliano Azevedo jamais foi ser humano de se acanhar diante dos percalços, ao contrário, se motivava com as dificuldades.
Prova disso é quando foi atuante Secretário de Estado e Conselheiro do Tribunal de Contas, sendo figura digna das mais altivas fidúcias sociais. Valores como progresso e princípios éticos eram dos seus elucidantes predicados. Edificou como raros o fazem uma biografia impoluta e sem nódoas de qualquer natureza.
As sementes que fez germinar resultaram em casos exemplares como os ilustrados por Guido Azevedo, seu irmão que foi vereador e deputado estadual, presidindo também a Assembleia Estadual Constituinte de 1989, e, depois, com uma das suas filhas, Susana Azevedo que se elegeu vereadora, deputada estadual e vindo em tempos sucedâneos ser nomeada Conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe para inegável orgulho paterno.
Depois de ter sido preso no golpe de 64, como vimos, Tertuliano deu a volta por cima. Inspetor do Trabalho, Delegado Regional do Trabalho, Secretário de Administração no primeiro Governo João Alves Filho, Secretário da Justiça e Secretário para Assuntos Parlamentares, todos cargos exercidos durante a época de João Alves no Executivo. A partir da indicação do então Governador e obtendo aprovação da Assembleia Legislativa, chegou ao Tribunal de Contas do Estado, donde exerceu a presidência do órgão entre 1991 e 1992.
Façamos uma retrospectiva: Após graduar-se em Direito pela UFS em 1957 atuou como Assistente Jurídico e Delegado do Trabalho em Sergipe entre 1961 a 1964. Estas funções ele exerceu de maneira cumulativa com a de Juiz do Tribunal Regional Eleitoral. Transferido para o RJ trabalhou no Serviço de Fiscalização do Trabalho da Guanabara entre 1966 a 1968 e depois no Instituto Nacional de Previdência Social.
De volta ao seu estado natal foi Instrutor do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial entre 1975 a 1976. Em 1978 se elege Deputado Federal pelo MDB e com o fim do bipartidarismo no Governo João Figueiredo ingressou no PP discordando da incorporação deste ao PMDB. Ao findar de 1981 permaneceu sem legenda e não disputou a reeleição.
Com a posse de João Alves Filho no Governo de Sergipe em 1983 ocupou 5 Secretarias de Estado até ser nomeado Conselheiro do Tribunal de Contas no ano de 1986, Corte em que desempenhou extraordinário labor, sobretudo, quando foi Presidente entre os anos de 1991 a 1992, tendo se aposentado no ano 2000.
Eis Tertuliano Azevedo, um homem que faz muita falta no contexto hodierno. Suas incessantes batalhas em prol de eficazes soluções para os problemas nacionais e sergipanos são marcas registradas nos Anais da História. Não cedeu aos medos e pressões, fez-se justo, íntegro e honrado – tríade que edifica um genuíno vulto público esclarecido.
Conclui-se que o seu inspirador percurso de vida não pode ser olvidado, pois serve de modelo tanto para as presentes quanto para as futuras gerações que desejam construir um Sergipe e um País cada vez mais justo e solidário, assim como tão bem o fez!
Igor Salmeron é Doutor em Sociologia pela UFS, escritor, articulista, biógrafo e membro do MAC da Academia Sergipana de Letras.
contato: [email protected].
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