Artigo: Clarice, o Natal e a imprescindibilidade da empatia para uma gestão pública de qualidade

26/12/2019 14:02


Artigo: Clarice, o Natal e a imprescindibilidade da empatia para uma gestão pública de qualidade

*João Augusto Bandeira de Mello

Quando eu puder plenamente sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis meu porto de chegada! Esta frase, que guarda toda simplicidade e profundidade do pensamento de Clarice Lispector, serve como uma dica, um lembrete; talvez mais, um conselho; ou quiçá um mantra, daquilo que é efetivamente importante em nossas vidas.

Clarice é simples porque ela escreve sobre o ser humano, e descreve experiências cotidianas de sentimentos de pessoas que normalmente passam por uma transformação. As personagens, em algum momento vivem uma epifania e descobrem seu caminho: aquilo que deve ser feito para um encontro consigo mesmo, e com o mundo (e com toda a plenitude que advém deste encontro).

Do que decorre a profundidade, pois esta epifania, este momento de revelação, traz sempre uma reflexão (de caráter filosófico e psicológico) sobre o sentido da vida, e sobre que caminho deve ser trilhado para que se possa viver uma vida repleta de significado. (Para que a vida não seja um simples repetir de momentos. Como diz o meme da internet, não é possível que a vida seja apenas repetir tarefas, pagar boletos, recusar ligações que tentam nos vender aquilo que não queremos, e ler posts de mídia social que nada nos acrescentam...)

E, como bem estabelecido na frase que inicia este artigo, um caminho e porto seguro para uma vida plena de sentido, é exatamente a prática da empatia: esta habilidade inata de todos os homens e mulheres que nos permite conectar com o outro; entender o que ele está sentido, passando; e nos solidarizar com este sentimento. Sendo certo que, uma vez conectados com nosso semelhante, surge a possibilidade de cooperar, de alcançar objetivos mútuos, de viver em sociedade. 

Daí ser meio óbvio o porquê de a empatia ser tão importante para a gestão pública. (E porque a falta de empatia é tão danosa para a eficiência dos serviços públicos.). Mas, de toda sorte, como há incautos que podem imaginar que o serviço público é um fim em si mesmo, retomemos o título e expliquemos a imprescindibilidade da empatia para o sucesso da gestão pública.

Ora, (não custa lembrar que) o foco dos serviços públicos são as pessoas. Notadamente aquelas mais carentes cuja esperança de desenvolvimento social reside em políticas públicas, seja, por exemplo, nas áreas de saúde, educação, ou mesmo na seara econômica. 

Neste ponto, a qualidade de vida destas pessoas depende da boa atuação dos servidores públicos. E importa muito que a pessoa que está com dor tenha atendimento médico adequado (e que não volte para casa, porque não havia disponibilidade de materiais ou profissionais); que a criança que está com dificuldade na escola, tenha a possibilidade de uma aula de reforço (e que não seja simplesmente aprovada ou reprovada, porque em um caso ou outro, sem aprendizado, seu futuro estará igualmente ameaçado); que haja possibilidade de investimentos por parte do Poder Público, estimulando a economia e a geração de empregos (e não exaurindo a aplicação dos recursos estatais em dispêndios autocentrados que não favorecem o todo da Sociedade).

Ou seja, não se trata de números ou estatísticas. São pessoas. Pessoas que sofrem, se frustram, sonham, e não veem os sonhos serem realizados. Muito bem, o leitor atento já deve estar se perguntando: -- como melhorar este cenário? 

Pesquisas mostram que se houver uma conexão entre o agente e o destinatário de qualquer serviço, isto aumenta o sentimento de responsabilidade daquele que está atuando. Isto é, quanto mais houver empatia, maior será a sensação de importância do resultado – que o resultado importa. E maior a possibilidade de que o resultado possa ser mais efetivo (e ser maior o impacto positivo na vida das pessoas carentes).

Urge, portanto, todos os atores envolvidos no serviço público terem em mente que erros de gestão, equívocos em projetos, desvios de recursos públicos, podem fazer com que pessoas sofram na fila de uma cirurgia cardíaca, com que seja ceifado o futuro de crianças sem aprenderem português ou matemática, ou com que famílias fiquem em total desamparo, sem que haja empregos que tragam sustento e dignidade às pessoas. E que este sofrimento é de responsabilidade da máquina pública como um todo, e de cada servidor envolvido.

Outra questão diz respeito à busca, que tem de ser contínua, da eficiência, eficácia e efetividade das políticas públicas. E isto, na complexidade atual da vida moderna, e com a sempre escassez de recursos envolvida, somente pode ser feito com profissionalismo, com opinião de experts, com visão multidisciplinar, e principalmente, ouvindo o usuário do serviço público, para saber quais as melhores estratégias a serem utilizadas. 

Ou seja, para a busca da eficiência, eficácia e efetividade (e a satisfação do usuário dos serviços públicos) é necessária mais uma vez a empatia, que exsurge em ouvir, para o desenho da política pública, não só os companheiros de equipe (e seus saberes especializados); mas também os experts da academia e do mercado (e sua visão de fora da caixa); como ainda os destinatários do trabalho (que precisam opinar sobre o que deve ser feito, ou serem convencidos de que a solução proposta é a mais racional e eficiente).

Desconfie-se, portanto, de estratégias prontas, de transplante integral de projetos sem adequação de peculiaridades, de contratações mirabolantes impostas goela abaixo, de meros achismos ou voluntarismos dos líderes de plantão. Atitudes arbitrárias e autoritárias como estas, normalmente servem a muitos interesses, mas dificilmente servem ao interesse público. E, em nenhuma hipótese são reverentes à necessidade de empatia.

Surge, portanto, a necessidade de que todos os agentes públicos (em um exercício inarredável de empatia) tomem uma decisão unilateral e obsessiva de servir. Tudo porque para nós, servidores públicos, nosso servir é garantir que a vida se faça plena, não para uma, duas ou três pessoas; mas para todas as pessoas. E se alguém ficar para trás, teremos que voltar para buscá-la, tantas vezes quantas forem necessárias. Este é o ciclo do servir, esta é a decisão que temos que tomar, para que todas as pessoas, inclusive (e principalmente as mais carentes), possam encontrar um porto de chegada, um porto seguro de realidade, criado e garantido por todos os servidores públicos.

Sim, mas e o Natal? Estando em período natalino, temos que aproveitar e falar no assunto, já que este deveria ser o grande momento de empatia do ano, na medida em que o Natal vem para celebrar o nascimento de Jesus, e todos os seus ensinamentos de amor, tolerância, fraternidade e solidariedade em relação ao próximo. Empatia pura. 

Porém, algumas pessoas têm se perdido em relação ao sentido do Natal, e buscam um caminho de autocelebração: em termos de compras, consumo de comidas, bebidas, viagens, onde se perde a figura do familiar, do amigo, do outro. Até em relação ao ato de presentear, há perda de sentido, quando se presenteia de modo maquinal ou impessoal, ou quando não se pensa na pessoa que vai receber o presente, mas sim na melhor maneira de se livrar da obrigação; ou no melhor modo de impressionar, pensando em algum tipo de retribuição. 

Ou o que é pior, quando se presenteia de forma exclusivamente material - e o que o recebedor do presente na realidade queria, era carinho, afeto, amizade, amor e consideração (atenção pais, familiares, amigos). Fica até parecendo aquela terrível piada, de que, na confraternização natalina, na hora do amigo secreto, alguém pediu que, antes da distribuição dos presentes, fosse feita uma oração. Daí alguém, já bêbado gritou: - lá vem o outro misturar Natal com religião... 

Presentear é um ato de devoção ao outro. Gestão pública é um ato de serviço ao outro. Natal é momento de comunhão com o outro e com o Divino. Todos têm a empatia como base. Simples assim. Feliz Natal a todos.

*Pernambucano e sergipano, possui graduação em Engenharia Eletrônica e Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. É Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Sergipe (MPC/SE), exercendo atualmente a função de Procurador-Geral do MPC/SE

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