Artigo: Nós e os nós do Brasil: o papel da governança na educação

09/10/2020 22:46

Por João Augusto Bandeira de Mello


Artigo: Nós e os nós do Brasil: o papel da governança na educação

- Tudo em perfeita confusão?  

- Sim.

- Então deixa correr frouxo.

Já ouvi muito esta saudação, que é uma forma espirituosa e leve de perguntar como estão as coisas, mas que ao mesmo tempo demonstra um reconhecimento de que o inesperado faz parte da vida, e que, mais das vezes, o caminhar para a consecução de nossos objetivos não está absolutamente sob nosso controle, sendo o imponderável uma companhia constante, e com a qual não só temos que aprender a conviver, mas também conviver aprendendo com ela.

Mas “o tudo em perfeita confusão”, além desta lição de humildade em relação ao que se apresenta, ao que nos espanta e nos faz adaptar os planos frente ao inesperado; também traz uma outra leitura, um ensinamento importantíssimo em termos de uma reflexão de causalidade e consequência, pois demonstra que se o caos está preponderando, uma maneira de mantê-lo (e perpetuá-lo), é exatamente “deixar correr frouxo”.

Ou seja, diz em outras palavras que, se fizermos planos, e laborarmos com afinco em relação a um objetivo, pode ser que circunstâncias não previstas ou desprezadas nos impeçam de conseguir o resultado. Mas que se não tomarmos as providências necessárias para que o resultado aconteça, se não fizermos nosso dever de casa, se não trabalharmos duro e diligentemente, nosso objetivo fatalmente não acontecerá. Vale, portanto, a acidez real da realidade: “de onde menos se espera, é daí que não sai nada mesmo”. Ou, “prosperar, na sorte, só com o prêmio milionário da loteria”. (Quantas pessoas você conhece que tiraram um grande prêmio na loteca ou na mega-sena? Ou que viram seus sonhos se concretizarem, apenas contemplando a paisagem?)

Sim, mas o que isto tem a ver com educação? Ora, o Brasil e Sergipe são devedores na área educacional. Os números do IDEB, Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que mede a proficiência em educação, não deixam dúvidas: o Brasil, e em sua esteira Sergipe, todos dois, ainda não alcançaram um patamar minimamente aceitável (que seria a nota 6 no referido índice) de resultados educacionais no ensino público fundamental. Estamos mais próximos da meta nos anos iniciais do ensino fundamental (5,7 – Brasil e 4.6 - Sergipe), mas ainda muito longe nos anos finais do fundamental (Brasil - 4,6 e Sergipe – 3,6). Quanto ao ensino médio, os números gerais são ainda piores. Considerando todas as redes, inclusive a privada (o que faz subir a nota), o Brasil teve a nota 4,2 e Sergipe a nota 3,7. (Deste modo, o que tem sido feito até aqui, o status quo, precisa ser modificado e aperfeiçoado. E rápido.)

Muito bem, mas o que o deixar correr frouxo tem relação com governança e a busca por melhores resultados pedagógicos? Simplesmente o óbvio de que, se quisermos fracassar em termos educacionais (ou em qualquer área) basta não tomarmos providências, nem agirmos tendentemente a que o resultado aconteça. Se deixarmos correr frouxo, só colheremos fracasso e confusão.

E se quisermos sucesso? Em termos educacionais ou em qualquer outra área? (Acho que todos queremos). Temos que agir de modo consertado de modo a, no mínimo cumprir as seguintes etapas: a) vislumbrar com clareza os resultados queremos atingir; b) utilizar os melhores e mais excelentes meios para que estes resultados almejados aconteçam; c) temos que mapear todos os riscos que possam impedir que os objetivos sejam alcançados; d) temos que estabelecer padrões e normas de condutas para que os riscos sejam evitados e os objetivos concretizados; e) temos que conseguir coesão e sinergia de todos os atores envolvidos em prol das metas desejadas; e d) temos que fazer medições constantes com vista a verificar se estamos trilhando um caminho de sucesso; estando prontos para, se surgir algo inesperado ou se simplesmente os planos não estiverem dando certo, procurarmos ajustes que levem novamente ao caminho do sucesso.

Ou dizendo, em outras palavras, precisamos de tão falada governança corporativa, que nada mais é do que agir institucionalmente de modo excelente, de forma a garantir que os objetivos do órgão ou entidade sejam cumpridos com eficiência no presente e de modo sustentável no futuro. Agir que envolve todas as etapas mencionadas anteriormente: clareza nos objetivos; uso dos meios mais eficientes; gestão de prevenção de riscos; sistema de compliance normativo eficaz; constante medição, controle de resultados e, se necessária, correção de rumos; e, principalmente, união e alinhamento de todos os interessados para que as metas sejam alcançadas.

Ótimo. Mas seguindo a temática do título, como tal governança seria aplicada à educação? Seguindo a fórmula explicada acima. Quanto às metas e objetivos, tem-se que ter clareza onde queremos chegar. Sendo que, no caso educacional, tais metas já foram estipuladas pelo Ministério da Educação, em termos de metas do IDEB. Neste prisma, se as metas existem, e as mesmas são consistentes (nada indica o contrário), estas deveriam ser alcançadas. Se não são, então o problema estará nos demais itens.

Neste ponto, será que estamos usando os meios mais eficientes? Lembrando que meio eficiente não é nem aquele que se impõe normativamente, nem aquele que idealmente tenta prevalecer em função de um discurso de opinião, normalmente corporativo. Neste prisma, os meios de excelência são aqueles que a ciência, a observação e a experiência demonstram que têm sentido em termos de causalidade e obtenção de resultados. Meios que favoreçam o aprendizado, o desenvolvimento intelectual e humano dos alunos, e que sejam emancipatórios em termos de autodeterminação dos mesmos. Citemos alguns exemplos.

Ora, da ciência, temos as experiências de estudos randomizados, feitas pelos ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, Banerjee, Duflo e Kremer que demonstraram, na Índia, que são as aulas de reforço, as medidas que mais têm impacto no aumento do aprendizado dos alunos (assim, por que não medir o aprendizado e corrigir as deficiências dos alunos via reforço escolar?).

Da observação, temos resultados obtidos de averiguações feitas pelo Pacto pela Educação Sergipana (fórum que reúne importantes atores da educação como a Secretaria de Estado da Educação, o Tribunal de Contas de Sergipe, o Ministério Público de Contas, o Ministério Público Estadual, a FAMES, a UNDIME, a UNCME e outros importantes atores) de que o ensino integral;  gestão profissionalizada das escolas; cumprimento dos dias letivos e da carga horária; participação das famílias na vida do escolar do aluno; e planejamento pedagógico eficaz; são essenciais para que os números do IDEB cresçam.

E da experiência, temos o Município de maior sucesso em termos educacionais em nosso Estado, o Município de Itabaianinha, que tem conseguido muito sucesso a partir do controle de todas estas variáveis, alcançando excelentes notas do IDEB, proporcionais à sua preocupação com a gestão educacional e ao forte investimento na alfabetização na idade certa, garantindo o aprendizado futuro – sem ler bem, como o aluno vai poder aprender as outras matérias adiante?  (Anote-se neste ponto, a importância do pacto sergipano pela alfabetização na idade certa, capitaneado pela Secretaria de Estado da Educação, como uma esperança real de futuro alvissareiro na educação)

Mas não bastam os meios serem eficientes, temos que ter um bom sistema de prevenção de riscos, no sentido de evitar tudo aquilo que possa influir negativamente no aprendizado no aluno. Neste ponto, temos que ter uma boa infraestrutura escolar que dê conforto e acolhimento a alunos, professores e servidores; temos que ter um transporte escolar de qualidade, para garantir a ida do aluno à escola; temos que ter sistemas eficazes de busca ativa para identificar as crianças e jovens fora da rede; visita às famílias em caso de ausência do aluno, para combater a evasão escolar; temos que ter avaliações periódicas para verificar se os alunos estão aprendendo (e os alunos que forem ficando para trás, necessitarão de ações específicas de reforço escolar); temos que ter diretores de escolas com expertise em gestão; temos que garantir treinamentos e capacitações contínuas aos professores, para que se mantenha o nível excelente de ensino.

Sendo que não basta que os riscos sejam previstos, eles têm que ser idoneamente evitados. Para isso, precisamos de um sistema de compliance que efetivamente imponha uma série de regras que obriguem a medição periódica dos resultados, e esclarecimentos/justificativas/ações de correção, se os resultados não ocorrerem. No caso, frise-se, temos historicamente as medições bienais do IDEB, porém, ao longo destes anos, faltaram, em nossa visão, ações de cumprimento e de correção em função das metas não cumpridas. Se se impõe uma meta, e ela não é atingida, tem-se que ter uma ação de retomada, de recomposição; e se esta ação de controle não é efetivada, a meta resta desmoralizada e provavelmente nunca será atingida.

Como também, é necessário ter um plano alternativo, caso o plano principal seja ineficiente, ou se surgirem circunstâncias excepcionais, como as que estamos vivendo com a pandemia do Covid-19. (O inesperado se apresenta e temos que conviver e aprender com ele). Neste caso, planos têm que ser refeitos, readaptados, reconstruídos, recuperados. Com a pandemia, houve uma perda muito grande em termos educacionais, pela ausência de aulas presenciais. Porém, um sistema educacional com governança sólida saberá quantificar as perdas e estabelecer novas metas, com acréscimo de novos riscos; que serão enfrentados, se necessário, com meios eficientes adicionais. Realce-se neste ponto, que o que tem se vislumbrado como solução mais factível é a junção dos anos letivos 2020 e 2021, o que garantiria um temo adicional para que cada rede de ensino recupere o que foi perdido, em termos pedagógicos, com a pandemia.

Mas, acima de tudo, a governança se faz com sinergia, coesão e harmonia de todos os atores envolvidos e interessados no processo (que devem se irmanar em crença e energia). Desta forma, o processo de governança envolve professores, diretores, servidores, alunos, famílias, secretários de educação, prefeitos, governadores, parlamentares, presidente, ministros, órgãos de controle. E mais do que isso. (E talvez este seja o ingrediente que está faltando). Tem que envolver toda a sociedade e o esforço e a vontade de cada um.(A educação é, portanto, um assunto que interessa e afeta a todos. É dever coletivo, que não será resolvido com o heroísmo de um ou de alguns poucos abnegados). 

Neste caso, a coesão e harmonia que exige a governança é a sinergia de todos nós. Aliás, falando em “nós”, trazemos mais uma frase icônica e irônica em termos de resolução de problemas. Disse um de nossos mais famosos frasistas, o Barão de Itararé: “ - O Brasil é feito por nós. É hora de desatar estes nós”. Vamos, portanto, desatar os nós da educação. Esta é uma missão de todos nós.

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